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A FÁBICA DA PÓLVORA DE BARCARENA e os seus sistemas hidráulicos por ANTÓNIO DE CARVALHO QUINTELA Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico Membro do CEHIDRO / 1ST JOÃO Luís CARDOSO Professor Auxiliar da Universidade Nova de Lisboa Coordenador do Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras Câmara Municipal de Oeiras JOSÉ MANUEL MASCARENHAS Professor Auxiliar da Universidade de Évora MARIA DA CONCEIÇÃO ANDRÉ Técnica-Superiora do Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras - Câmara Municipal de Oeiras CÀMAA MVNICIPAL ©. OEIS Gabinete de Desenvolvimento Municipal Projecto Municipal da Fábrica da Pólvora de Barcarena OEIRAS 1995 FICHA TÉCNICA Edição - Câmara Municipal de Oeiras Prefácio - Isaltino Afonso Morais Autores - António de Carvalho Quintela, João Luís Cardoso, José Manuel Mascarenhas e Maria da Conceição André Concepção gráfica - autores Capa - autores Fotografia - autores, Rosário Almeida, Estúdios Maribel, Óscar Coelho da Silva, Bernardo Ferreira Desenho - José Machado, Bernardo Ferreira, Arquitrave Lda. Processamento de texto - Cristina Almeida, Eduarda Ferreira de Almeida, Carla Espadeiro, Marina Lourenço. Produção - Luís Macedo e Sousa Impressão - Palma, Artes Gráficas Depósito Legal - 8958 1 /95 Capa - Extracto da planta mandada executar por Martinho de Mello (1775), conservada no Centro de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar (Ministério de Defesa Nacional). 2 PREFÁ CIO Ao longo de mais de quatro séculos se produziu pólvora em Barcarena, de início também associada ao fabrico de armas brancas e de fogo, nas "Ferrarias d'EI Rei". Os testemunhos desta notável actividade são expressivos: diversos edifícios foram construídos e, sucessivamente reconstruídos, ampliados ou modificados, as mais das vezes em consequência de destruidoras e mortíferas explosões, verificadas até quase ao encerramento definitivo da fábrica. Ao longo do seu funcionamento, é possível, também, acom­ panhar o progresso das técnicas, tendo-se adoptado, sucessivamente, engenhos cada vez mais eficazes e fontes energéticas que correspon­ dem a outras tantas etapas da nossa Civilização: primeiro, a água, utili­ zada directamente como força motriz; depois, o vapor; e, finalmente, a electricidade, no final do primeiro quartel do presente século. O notável complexo patrimonial constituído presentemente pelos edifíc ios e obras anexas da antiga Fábrica de Pólvora de Barcarena reflecte, deste modo, as vicissitudes decorrentes de actividade tão arris­ cada como importante, em épocas passadas, para o País. Impunha-se, deste modo, a realização de estudo adequado, de que a Câmara Municipal de Oeiras não se poderia alhear, uma vez consumada a aquisição de tão importante património. Com efeito, a preservação e valorização de qualquer conjunto construído pressupõe, antes de mais, o seu cabal conhecimento, passando pela caracterização eventual de 5 múltiplos aspectos - funcionais e estruturais - que impõem, cada vez mais, o concurso de especialistas de diversas áreas. O complexo fabril de Barcarena encontrava-se neste caso, constituindo um desafio a quem metesse ombros ao seu estudo. Dele se encarregou, por proposta do Gabinete de Desenvolvimento Municipal, serviço da autarquia designado para a coordenação do plano de recupe­ ração do conj unto edificado, uma equipa constituída pelos Professores Doutores António de Carvalho Quintela, João Luís Cardoso e José Manuel Mascarenhas, a que se veio a associar a Dr.a Conceição André. As vantagens da interdisciplinaridade daquele grupo de especial is­ tas, com vasta obra publicada no domínio da Arqueologia Hidráulica e do uso da água, do Período Romano ao século XIX, assegurava, à partida, o sucesso da iniciativa, de imediato apoiada pela Câmara. Ficariam, outrossim, mais uma vez afirmadas, as potencialidades e competência científica do Centro de Estudos Arqueológicos do Con­ celho de Oeiras cuja capacidade de concretização, mercê da vontade e iniciativa do Prof. João Luís Cardoso, é sobejamente conhecida. Deste modo, a caracterização dos diversos aspectos tecnológicos em apreço, desde o processo de fabrico da pólvora, até às questões de carácter hidráulico ou mecânicas foram apresentadas segundo uma perspectiva histórica, que constituía, naturalmente, o fio condutor do discurso, embora não fosse dele o elemento fulcral. As aturadas pesqui­ sas no terreno tiveram, assim, complemento obrigatório na pesquisa bibliográfica e documental , realizada em diversos arquivos e que conduziu, também, ao aproveitamento de elementos inéditos de elevado interesse, como a planta mandada executar por Martinho de Mello, datada de 22 de Agosto de 1 775, cujo original se conserva no Centro de Estudos Arqueológicos de Engenharia Mil itar do Ministério da Defesa Nacional . A Arqueologia da era Pré-Industrial, quase desconhecida entre nós, fica, deste modo, consideravelmente enriquecida com este trabalho pioneiro, que constitui justificativo para obra de maior fôlego; no curto tempo disponível para a sua realização, seria difícil fazer melhor. Este trabalho representa, por outro lado, expressivo exemplo de como estudos inovadores podem contribuir para o desenvolvimento equi l ibrado do concelho de Oeiras. À "apagada e vil tristeza" a que a antiga Fábrica de Pólvora de B arcarena estava votada, sucede-se a sua 6 recuperação, viabilizada pela sua aqUlslçao pelo Município a que presido. À s depredações, favorecidas pelo abandono, sucede-se trans­ formação com a desejável instalação de equipamentos sócio-culturais, tecnológicos e empresariais de qualidade. Enfim, a ocupação regrada da vasta área ocupada pelos terrenos pertencentes à Fábrica, até ao presente uma das mais desfavorecidas do território concelhio, potenciará a necessária recuperação ambiental e paisagística. Nesta medida, este estudo constitui, sobretudo, expressão de uma aposta para o Futuro, suportada por um desenvolvimento onde a valorização do Património e do Ambiente, vistos como um todo coerente, possa representar, em si mesmo, um factor de Bem-Estar e de Progresso. o PRESIDENTE ISALTINO AFONSO MORAIS BARCARENA, FÁBRICA DA PÓLVORA, 7 DE JUNHO DE 7 1995 AGRADECIMENTOS A presente obra resulta da iniciativa do Gabinete de Desenvolvi­ mento Municipal da Câmara Municipal de Oeiras na sequência de contactos estabelecidos com um dos autores (J.L.c.). Tendo-se verificado então o interesse em efectuar estudo mono­ gráfico, de natureza necessariamente pluridisciplinar, foi ulteriormente apresentada proposta pelo Centro de Estudos de Hidrossistemas, do Instituto Superior Técnico, no âmbito do qual os três primeiros autores há muito têm vindo a desenvolver intensa investigação no domínio da Arqueologia Hidráulica. Cumpre-nos agradecer, em primeiro lugar, o interesse e os apoios dispensados aos autores pelos responsáveis e intervenientes directos na coordenação ou execução do plano de recuperação da Fábrica da Pólvora, Arq. Manuel Quaresma, Eng. Nuno Vasconcelos, Arq. Cristina Coelho e Arq. Augusto Couto. Apresentamos também os nossos agradecimentos às seguintes pessoas que contribuiram para a concretização desta obra: - Dra. Manuela Oliveira, do Arquivo Histórico Municipal, C.M.O. - Arq. José Lopes, do Gabinete de Desenvolvimento Municipal, C.M.O. - Eng. Armando Barreira e José Henrique Lourenço, da INDEP. - Dr. Lívio da Costa Guedes, do Arquivo Histórico Militar. - Coronéis Orlando de Azevedo e Branquinho Ruivo e Sargento Luís Jerónimo, do Centro de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. - Professores M. Telles Antunes e José Hermano Saraiva. - Eng. António Moisés. - Senhor Rainer Daehnhardt. A terminar um agradecimento especial ao Ilustre Presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Dr. Isaltino Afonso Morais, pela confiança depositada nos autores, consubstanciada na edição desta obra. 9 ÍNDICE A FÁ BRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E OS SEUS SISTEMA HIDRÁ ULICOS página Prefácio......................................................................................... 5 Agradecimentos ........................................................................... 9 INTRODUÇ Ã O . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2 INVENÇ Ã O, DIFUS à O E USO DA PÓ LVORA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 3 - FAB RICO DA P Ó LVORA NEGRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 3. 1 - Matérias - primas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 3. 1 . 1 - O carvão e o enxofre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 3. 1 .2 - O salitre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.2 - Operações e equipamentos .. . . . . . ... ............ . . . . . . . .... . .. . . . ....... 44 3 . 3 - ensaios ............. ....... . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . ... . 59 4 ALGUMAS F Á BRICAS ANTIGAS EM PORTUGAL, NA EUROPA E NO NOVO MUNDO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 4. 1 - Fábricas e Torres da Pólvora em territórios portugueses 67 4.2 - Algumas fábricas na Europa e no Novo Mundo . . .. . . . . .. .. . 77 4.2. 1 - Fábricas em Espanha e Nova Espanha . . . . . . . . . . . . . . . . 77 4.2.2 - Algumas fábricas europeias . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 5 - A FÁ BRICA DA PÓ LVORA DE BARCARENA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 5 . 1 - Nota histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ..... . . . . ...... . . . . . . . . . ... .. ... . . . . . . 83 5.2 - O comércio da pólvora e a Fábrica de Barcarena. . . . . . . . . . . . 1 03 5 . 3 - O fabrico da pólvora em Barcarena e a evolução tecnológica da Fábrica . . . . . . . . .. .. .. . ... . .. . . . . . . ...... . . . ... . . .... . . . . ... 1 08 1 - - - II 6 - SISTEMAS HIDR ÁULICOS DA FÁ BRICA DE·BARCARENA . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . ... . . . . . . ... . . . . ... .. ... . .. . . 6. 1 1 39 A água e a Fábrica da Pólvora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 39 6.2 Origens da água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 42 6.2. 1 - Ribeira de B arcarena. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 42 6.2.2 Captações subterrêneas . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 45 6.3 - Sistema hidráulico primitivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 6.4 Sistema hidráulico das instalações de António Cremer e ampliações ulteriores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 52 6.4. 1 - Descrição geral . . . ... ..... ................. . . . . . . . . . . . . .. 1 52 6.4.2 Açude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 55 6.4.3 - Aquedutos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 58 6.4.4 - Caldeiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 59 6.4.5 - Canais de alimentação e galerias de alojamento das azenhas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 66 6.4.6 Edifícios dos engenhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 6.4.7 Engenhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 80 6.5 Central hidroeléctrica e engenhos eléctricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 87 - - - - - - - 6. 5. 1 Descrição e características gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 87 6.5.2 Sistema de adução de água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 89 6.5.3 - Central h idroeléctrica e centrais eléctricas Diesel de apoio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 93 6.5.4 Engenhos eléctricos de galgas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 7 S Í NTESE E RECOMENDAÇÕ ES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203 Bibliograia.................................................................................. 209 - - - 12 1 INTRODUÇÃO - o objectivo desta obra centra-se na caracterização do funcionamento da Fábrica de Pólvora de Barcarena relativamente à produção de pólvora negra e artefactos dela derivados, desde a sua origem no tempo do rei D. Manuel até 1 972, data em que uma violenta explosão tornou inviável a recuperação da linha de fabrico respectiva. No período das duas décadas anterior àquela data, a Fábrica de Barcarena fora também utilizada para o carregamento de munições de artilharia e bombas de avião e para o fabrico de pólvoras químicas. O encerramento da Fábrica foi decidido em 1 988. Caracteriza-se o funcionamento da Fábrica nos aspectos respeitantes a processos de fabrico e componentes da pólvora negra, aprovisiona­ mento de matérias primas, em que o salitre assumiu dificuldades especiais, instalações, engenhos utilizados, dirigentes e pessoal, quantidades produzidas, medidas de segurança e vicissitudes sofridas, como paralisações prolongadas e explosões, que, permanentemente, constituiam uma ameaça às fábricas de pólvora. Atenção muito especial é conferida à descrição dos sistemas hidráulicos e à caracterização hidrológica da bacia hidrográfica da ribeira de Barcarena bem como das captações de água subterrânea nela praticadas. Nestes termos, o presente trabalho, no que concerne ao fabrico da pólvora, circunscreve-se à pólvora negra, cujo fabrico se encontrava intimamente associado àqueles sistemas. 13 o sistema hidráulico primitivo é pouco conhecido, mas sabe-se ter compreendido açude, levada e moinhos que accionavam pilões. O sistema hidráulico seguinte, construído por António Cremer em 1 729 e posteriormente ampliado, era constituído por açude, aquedutos, a Fábrica de Cima e a Fábrica de Baixo, que utilizavam sucessivamente a mesma água. Cada fábrica d ispunha de uma caldeira para concentrar parcialmente o caudal nos períodos de laboração e quatro azenhas, cada uma associada a um engenho de duas galgas e prato de calcário. Em períodos de insuficiência de água, alguns dos engenhos eram movidos a sangue, por bois. Em 1 883, existia um pavilhão na margem direita para o fabrico da pólvora negra, onde se encontravam equipamentos accionados por máquinas a vapor, ulteriormente substituídos por motores eléctricos. Em 1 925 é construída, para substituir o sistema hidráulico anterior, uma central hidroeléctrica, apoiada em períodos de insuficiência de água por grupos motor-gerador. A corrente eléctrica produzida ali­ mentava motores eléctricos que accionavam galgas sobre pratos, ambos de ferro fundido. A caracterização que se apresenta do funcionamento dos sistemas h idrául icos utilizados no fabrico da pólvora negra em B arcarena é precedida de uma breve nota histórica sobre a invenção, a difusão e o uso da pólvora e pela descrição de algumas antigas fábricas hidráulicas em Portugal, na Europa e no Novo Mundo, para situar, comparativa­ mente, os processos e os problemas nelas encontrados com os de B arcarena. A realização desta obra implicou, para além do pormenorizado reconhecimento das instalações existentes, uma vasta consulta biblio­ gráfica, nacional e estrangeira, e ainda investigação documental em bibliotecas e arquivos. De entre a bibliografia nacional relativa ao fabrico de pólvora negra merecem destaque as obras de PALMEIRIM et al., 1 855, Sousa VITERBO, 1 896, e MARDEL, 1 893. A primeira destas obras constituiu um notável estudo acerca do fabrico da pólvora em Portugal, especialmente em B arcarena, que reflecte profundo trabalho de i nvestigação documental. O estudo foi determinado por Decreto Real, assinado pelo Duque de Saldanha, com vista a ser dado o maior desenvolvimento possível ao fabrico da 14 pólvora por conta do Estado. Contém referência pormenorizada a sistemas de fabrico, produções e comércio da pólvora, mencionando os sucessivos responsáveis pela administração e direcção da Fábrica de B arcarena, bem como as vicissitudes por ela sofridas. Sousa Viterbo apresenta os resultados da extensa investigação documental efectuada sobretudo na Torre do Tombo e respeita essen­ cialmente à actividade desenvolvida pelos mestres do salitre e da pólvora, a partir do século XVI. Estas duas obras constituem paradigma da qualidade da investigação que, em diversos domínios científicos, se desenvolveu em Portugal na segunda metade do século XIX. Luiz Mardel apresenta uma bem elaborada síntese sobre o fabrico e o ensaio da pólvora adoptados na época em Barcarena e em diversas fábricas europeias. 15 2 INVENÇÃO, DIFUS ÃO E USO DA PÓ LVORA - A pólvora negra é uma mistura de enxofre, salitre e carvão, inlamável pelo calor e que liberta gases de grande expansão e força (GEPB ). Não é possível fixar exactamente a época da invenção da pólvora, nem sequer a sua aparição nos campos de batalha, como elemento essencial das armas pirobalísticas. Sobre este assunto escreveu-se muitíssimo, porém, geralmente com resultados pouco seguros, sendo muitas as fábulas e as lendas que contribuíram para aumentar a confusão (EUIEA, 1 922) . Todavia, a informação recolhida nos últimos anos permite reforçar a ideia de que, quer a invenção da pólvora quer a sua uti lização na artilharia, apareceram pela primeira vez na China. Pode considerar-se que a descoberta da força controlável da pólvora e da sua utilização em armas pirobalísticas constituiu uma das três grandes descobertas que assinalaram a ruptura com a Idade Média, sendo as restantes a descoberta da América e a da Tipografia (DAVIS, 1 943, p. 28). Durante um longo período que antecedeu a descoberta do salitre utilizaram-se produtos incendiários (tais como enxofre, alcatrão, petróleo e outros óleos) e pirotécnicos nos domínios das actividades lúdicas e militares, se bem que sem o intuito de se aplicarem tais produtos, e a sua energia útil, na produção de trabalho mecânico. A utilização de tições a arder atados em setas ou em lanças já é conhecida desde, pelo menos, o tempo dos Romanos que empregavam uma 17 mistura de betume, enxofre e estopa (EUIEA, 1 922, p. 1 23). A invenção dos fogos gregueses (ou fogos gregos) que consistiam na adição de salitre a misturas de combustíveis já em uso (enxofre, pez e outros) tem sido considerada como antecessora do pólvora negra e de misturas pirotécnicas (DAVIS, 1 943). Os fogos gregueses foram frequentemente utilizados na guerra pelos B izantinos se bem que não o tenham sido pelos Ocidentais, uma vez que a maior parte destes fogos eram à base de nata, produto desconhecido nas regiões do Ocidente (DAUMAS, 1 962, p. 520). O historiador bizantino Theophanes, O Confessor, descreve que Constantino IV, O Barbudo, na altura em que forças árabes sitiavam Constantinopla por terra e por mar, comandava grandes barcos equipados com caldeirões de fogo (tubos ou cubas) e galés rápidas equipadas com sfões, acontecimento que ocorreu no ano 670 ou possivelmente no ano 672 (DAVIS, 1 943). Neste último ano Kallinikos, um arquitecto (engenheiro) de Heliópolis da Síria veio para a cidade imperial trazendo consigo o segredo do fogo do mar. A utilização desta arma permitiu incendiar os barcos árabes com as suas tripulações causando um tal terror que esta foi eventualmente a principal causa de o cerco ter sido levantado (MARSHALL, 1 9 1 7). Nos anos 7 1 6 a 7 1 8 os Á rabes apareceram novamente diante de Constan­ tinopla com 800 navios, mas foram novamente derrotados pelo fogo e de tal modo que, após a passagem de um temporal, só cinco galés regressaram ao porto de Alexandria. Durante vários séculos as forças navais bizantinas sairam vitoriosas de outras batalhas navais contra os Á rabes, os Russos (anos 94 1 e 1 043) e os Pisanos em finais do século XI. Sabe-se, através de obras da época como A Táctica, de Leo, escrita cerca de 900 d.e., que o fogo do mar era lançado de tubos ou sifões instalados nas proas dos navios, mas o seu modo de preparação foi mantido em segredo, parecendo não haver qualquer dúvida de que a nafta foi o seu principal ingred iente, devendo também ter contido enxofre e pez (op. cit.) Leo descreve a utilização de um dispositivo, a strepta, através do qual um líquido a arder era projectado, conhecendo-se, no entanto, poucos pormenore� sobre o sistema de injecção utilizado; tal como a maioria dos autores bizantinos, não mencionou o ingrediente secreto, o 18 salitre, de que devia depender provavelmente o funcionamento do sistema (DAVIS, 1 943). Se bem que os Bizantinos tenham durante muito tempo guardado eficazmente o seu segredo, os Á rabes acabaram finalmente por conhecê-lo e usaram estas armas incendiárias contra os Cristãos no momento da Quinta Cruzada. Na Sexta Cruzada, o exército de S. Luís foi atacado no Egipto com artifícios incendiários lançados de balistas, com fogo lançado de tubos e com granadas de vidro e metal lançadas à mão as quais, através de rebentamentos, espalhavam o fogo (op. cit.) . A. Brock, em 1 922 ( in DAVIS, 1 943, p . 3 3 , 34) foi d a opinião de que o fogo lançado de tubos operava do mesmo modo que certos dispositivos romanos. A carga, presumivelmente uma mistura não homogénea de matérias combustíveis incluindo o salitre, poderia, em certas proporções, uma vez carregada num tubo forte, permitir rebentamentos intermitentes que projectassem massas incandescentes da mistura a considerável distância, não havendo, pois, qualquer razão para se crer que os tubos de fogo fossem canhões. Joinville, um devoto companheiro de S. Luís na desastrosa Sexta Cruzada ( 1 250 d.C.), afirma que "vieram voando pelo céu como um grande dragão alado, com o tamanho de uma barrica, com o estampido de um trovão e a velocidade de um relâmpago; e a escuridão foi quebrada por esta iluminação mortfera " (MARSHALL, 1 9 1 7, p. 1 3) . Homens como S. Luís e Joinville, normalmente bastante destemidos, devem ter ficado aterrados por este acontecimento, descrevendo-o numa linguagem de tal modo exagerada que parece terem observado um produto do Diabo. Estudos de Reynaud e Favé mostraram que até ao século XIII os Á rabes não utilizaram o salitre (nitrato de potássio) nas suas numerosas misturas incendiárias. Num manuscrito árabe existente na Biblioteca de Leyden e datado de princípios do ano 622 da Hégira ( 1 225), descrevem-se as diferentes composições incendiárias então conhecidas como a tão famosa preparação de Bassorá, estabelecem-se regras para purificar·o salitre e encontram-se receitas como esta: "Preparação do fogo voador. Tome-se uma libra de enxofre vivo, duas de carvão de tília ou de salgueiro e seis de salitre; triturai as três substâncias num almofariz de mármore, reduzindo-as a um pó finíssimo; coloque-se este pó num cartuxo e incendiando-o 19 por uma extremidade, voará até ao sítio que quiserdes incendiando tudo " (EU/EA, /922, p./23). " Verifica-se que a pólvora já existia nesta época, uma vez que se misturam as três substâncias que a constituem, mas empregava-se no entanto com um objectivo incendiário, sem que se conhecesse nem utilizasse a sua força impulsiva. Os Árabes foram talvez os difusores duma invenção realizada na China entre os séculos VIII e X e esforçaram-se sobretudo por transformar em nitrato de potássio os nitratos mistos que encontravam. Por outro lado, no Ocidente procurou­ -se principalmente libertar o salitre dos sais marinhos. Teria pois havido um desenvolvimento de duas investigações paralelas e não a exclusiva transmissão pelos Á rabes de uma técnica oriental (DAUMAS, 1 962, p. 1 962) . Existem mesmo referências de que oitenta anos antes de Cristo, os Chineses conheciam uma mistura de enxofre, carvão e salitre. Um historiador, Sexto Júlio Africano fazia em 2 1 5 a descrição da mistura (GEPB). Outros autores consideraram excessiva tão remota antiguidade e apoiando-se nos livros dos Vedas e dos Agui­ -purana dizem que aquela mistura foi inventada por Wismarkamar, arquitecto de Visnu. Os códices indianos traduzidos para Inglês por ordem do governador de Bengala, general Waren Hastings, dão como verídica a lenda de que Alexandre Magno na sua incursão até às margens do Hidaspes teria sido atacado a canhão pelas forças de Poro (EUIEA, 1 922). É possível que tenham sido os Chineses os primeiros descobridores do salitre. Os Egípcios denominavam-no de neve chinesa e é significativo que o conquistador mongol Gengis Khan tivesse trazido com ele engenheiros chineses, em 1 2 1 8, para destruir as fortificações das cidades da Pérsia. Marco Polo que esteve no Extremo Oriente entre cerca de 1 274 a 1 29 1 diz, na parte II capítulo L do seu livro: "nesta cidade e na sua região envolvente eles fazem grandes quantidades de sal pelo processo seguinte: No terreno encontrou-se uma terra salgadiça; sobre esta, uma vez junta e espaLhada derramam água que na sua passagem através desta matéria imbebe as partículas de saL, sendo então colectada em canais que a dirigem para bacias receptoras muito grandes mas com uma profundidade que não seja superior a 4 polegadas. Nestas é bem fervida, deixando-se então cristalizar. O saL produzido é branco e bom e é exportado para várias partes " 20 (MARSHALL, 1 9 1 7, p. 1 4) . O produto preparado deste modo conteria proporção considerável de salitre tanto mais que o solo na província de Che-li, em que a mencionada cidade parece ter estado localizada, é conhecido como sendo rico em salitre. Porém, segundo a descrição de Marco Polo, é provável que o produto fosse usado como sal comum. De facto os Chineses parece terem utilizado salitre como sal comum até períodos muito tardios (op. cit.) . E m DAUMAS, 1 962, p. 306, encontram-se descritos vários métodos de utilização do fogo pelos Chineses como arma de guerra. Um dos artifícios, por eles inventados, consistiu em projécteis pirogénicos e tóxicos (houo-k 'ieou), à base de pólvora explosiva (houo-yo), e de petróleo, de enxofre ou de cal, mas não tendo qualquer auto-propulsão. Estes projécteis eram lançados por meio de arco - houo-kien, ou flechas de fogo (970) - ou catapultados através de uma artilharia puramente mecânica (houo-p 'ao, p'ao-tch 'e). Existem referências no ano 1 000 de granadas incendiárias que lembram os fogos gregueses (Kallinikos, 678) e os paus de fogo de Marcus Graecus (século VIII). Refere-se também na obra citada ser difícil saber se as fórmulas de misturas explosivas utilizadas pelos Chineses foram obtidas através de Bizâncio ou se invenções análogas tiveram lugar no Próximo e no Extremo Oriente na mesma época. Numa época posterior, o exército chinês recorre a projécteis auto­ propulsionados utilizando uma mistura explosiva à base de salitre e enxofre, dirigidos através de um tubo. Trata-se de canhões (t 'ie-houo­ p'ao) portáteis ou rebocados, inicialmente em bambu anilhado ( 1 257), e depois metálicos ( 1 275). Este período corresponde à invasão da China pelos Mongóis que encontraram a oposição de uma importante artilharia (op. cit.) . A influência do Tratado de Marcus Graecus, Liber ignium ad comburendos hostes foi sem dúvida mais profundala Europa Ocidental do que uma hipotética influência vinda de Leste (DAUMAS, 1 962). Neste tratado descrevem-se os fogos gregueses e outras misturas incendiárias, bem como a pólvora negra e a sua utilização em foguetes para fins militares e lúdicos. Este trabalho foi citado pelo físico árabe Mesue no século IX. Uma mistura descrita por este autor aproxima-se muito da composição da pólvora negra. Ele especifica ainda que os carvões 21 preferidos para fabricar pólvoras detonadoras e outras onde uma inflamação lenta é desejada são os de vinha, salgueiro ou amieiro negro. Para essa mistura devia tomar-se uma libra de enxofre puro, duas libras de carvão de vinha ou de salgueiro e seis libras de salitre. Trituram-se essas três substâncias num almofariz de mármore até se obter um pó fino. Depois disto a pólvora, na quantidade desejada, é colocada num envólucro para voar (foguetes) ou para rebentamentos (morteiros). Próximo do fim do tratado, o autor apresenta uma fórmula ligeiramente diferente da pólvora negra a ser usada em foguetes (DAVIS , 1 943). O frade franciscano inglês Roger Bacon (c. 1 2 1 4- 1 292) foi provavelmente o primeiro estudioso da Europa setentrional a publicar uma descrição da pólvora negra. Descreve a composição e a manu­ factura do salitre e da pólvora negra nas suas obras De Secretis e Opus Tertium e apresenta a seguinte composição para a pólvora negra: seis partes de salitre, cinco partes de carvão de vinha jovem e c inco partes de enxofre. Roger Bacon, embora não estivesse familiarizado com armas de fogo ou com a utilização da pólvora negra para produzir trabalho mecânico, parece ter já reconhecido tais potencialidades na carta Concening the Marvelous Power of A rt and of Nature and Concening the Nullity of Magic (DAVIS, 1 943, p.38). · Existe uma tradição segundo a qual a descoberta da utilização da pólvora negra em armas de fogo (pirobalística) teria sido devida a Berthold Schwarz, cerca de 1 30, monge de Freiburg, na Floresta Negra. Os registos dos Franciscanos em Freiburg foram todavia destruídos ou dispersos antes da Reforma, não havendo documentos contemporâneos da alegada descoberta (op. cit.). Schwarz teria obser­ vado o poder de projecção dos gases da pólvora inflamada ao dar-se uma deflagração num almofariz que cobrira com uma pesada pedra, a qual, por este motivo, foi arremessada ao ar. Teria vendido o segredo aos Venesianos que, em 1 380, empregaram armas de fogo contra os Genoveses. Não há, no entanto, qualquer dúvida que o aparecimento das armas de fogo se verificou mais cedo. Existem bombardas chinesas datadas de 22 1 356 e 1 357, preservadas em museus chineses, que apresentam munhões nos respectivos canos, o que sugere fase já avançada no fabrico (CIPOLLA, 1 989) . De acordo com Wang-Ling (op. cit., p.99), os canhões de canos metálicos foram utilizados pela primeira vez na China por volta de 1 275, ponto de vista que não é, no entanto, partilhado por outros especialistas. Manuscrito do Museu Asiático de S . Petersburgo, provavelmente compilado por Shems ed Din Mohammed cerca de 1 230, mostra tubos para disparar setas e bolas por meio da pólvora. Outro manuscrito da biblioteca de Christ Church, em Oxford, intitulado De Oficiis Regum, escrito por Walter de Millemete, em 1 325, observa-se um homem lançando fogo à mécha de um canhão com forma de garrafa, prestes a disparar um dardo (DAVIS, 1 943). No Registro dello Provisioni de Florença, datado de 1 1 de Fevereiro de 1 326, encontra-se a primeira indicação, mais ou menos segura, de canones de metallo (DAUMAS, 1 962). Em 1 33 8 foram utilizados pólvora e canhões na protecção dos portos de Harfleur e Heure contra Eduardo III. Em dois frescos da igrej a do primeiro mosteiro de S. Leonardo, em Leccetto, próximo de Siena, pintados por Paolo deI Maestro Neri em 1 340, está represen­ tados um grande canhão cilíndrico disparando um pelouro esférico (MARSHALL, 1 9 1 7). Em 1 33 1 o canhão parece ter sido usado contra os mouros no cerco de Alicante, estando já suficientemente provada a sua utilização no cerco de Tarifa em 1 340 e na defesa de Algeciras, em 1 342, contra Afonso XI de Castela. Na batalha de Crécy desencadeada em 26 de Agosto de 1 346, os ingleses usaram também canhões (op. cit.). Em Portugal as armas pirobalísticas foram pela primeira vez utilizadas no cerco de Lisboa em 1 384, sendo duvidoso que o tenham sido na batalha de Alj ubarrota em 1 385. Na verdade, se bem que a descrição de Fernão Lopes permita crer na utilização de artilharia, é estranho não existir qualquer referência a esse armamento nas presas da batalha e que os cronistas espanhóis apenas façam referência à artilharia de campanha mais de meio século depois (MA TTOS, 1 985). As armas de fogo vieram introduzir uma revolução profunda no decurso da História. Os Espanhóis, apesar do seu fraco número, causaram aos Aztecas e Incas o maior dos impactos devido aos 23 arcabuzes e a alguns canhões que levavam com eles. A superioridade da artilharia francesa contribuiu, também, grandemente para as vitórias de Luís XII e de Francisco I em Itália (DELUMEAU, 1 967). Os homens da Renascença tiveram má consciência da utilização dos novos engenhos de morte e pensaram frequentemente que o seu emprego comportava um risco de pecado maior que o dos arcos, das lanças e das espadas, consideradas armas menos mortíferas e mais leais. Na época do cavaleiro Bayard (c. 1 473 - 1 524) assistiu-se a capitães que, procurando conservar o antigo sentido da honra, cortavam as mãos dos artilheiros e dos arcabuzeiros feitos prisioneiros (op. cit.). A literatura humanista não teve palavras suficientemente duras contra o canhão, esta máquina mais infenal que humana, segundo a expressão de Guichardin. Polidoro Vergílio escrevia em 1 499, no seu De inventoribus rerum: "De todas as invenções imaginadas para a des­ truição da Humanidade, os canhões são a mais diabólica ". Ariosto, que invocou com agrado perante a sofisticada corte de Ferrara os feitos dos cavaleiros coraj osos e invensíveis, tornou-se apologista do antigo código militar. Referindo-se ao canhão, dizia com azedume (DELUMEAU, 1 967, p.2 1 6) : " Como, pois, encontraste tu, invenção celerada e terrível, Um lugar no coração humano? A glória militar está destruída por ti. Por ti, o ofício das armas perdeu a sua honra. Por ti o valor e a coragem foram abolidos. . . " Shakespeare (Henrique IV, I, III) exprimiu também o seu horror pelas armas de fogo (op. cit. , p.2 1 6): "É sim, verdadeiramente de lamentar, Que este infame salitre tenha sido tirado Do flanco da nossa terra inofensiva, Para destruir, tão miseravelmente, tantos homens belos e fortes. " Quando as armas de fogo começaram a ser utilizadas, realizaram-se experiências com o objectivo de determinar a composição da mistura que produzisse os melhores efeitos. Um estudo notável realizado em Bruxelas cerca de 1 560 permitiu seleccionar uma mistura contendo 75% de salitre, 1 5 ,62% de carvão e 9,38% de enxofre (DAVIS, 1 943). 24 Algumas fórmulas para a pólvora negra que foram usadas em várias épocas foram calculadas numa base percentual como se segue (op. cit., p. 39) : Salitre Século VIII, Marcus Graecus Século VIII, Marcus Graecus c. 1 252, Roger Bacon 1350, Arderne (receita laboratorial) 1 560, Whitehorne 1 560, Estudos de Bruxelas 1 635, Contrato com o goveno britânico 1 78 1 , B ispo Watson Carvão Enxofre 66,66 22,22 1 1,1 1 69,22 23,07 7,69 3 7,50 66,6 3 1 ,25 22,2 3 1 ,25 1 1,1 50,0 75,0 75,0 33,3 1 5,62 1 2,5 1 6,6 9,3 8 1 2,5 75,0 1 5,0 10,0 o melhoramento conseguido na composição da pólvora negra pode evidenciar-se pelo facto de as últimas três fórmulas indicadas no quadro anterior estarem muito próximas da composição de todas as pólvoras negras com finalidades militares e desportivas usadas hoje em dia (op. cit.) . John Bate (cit. por DAVIS , 1 943, p. 40) compreendeu em inícios do século XVII as funções individuais dos três ingredientes da pólvora negra: O Sal itre é a Alma, o Enxofre é a Vida e o Carvão é o Corpo dela. Na verdade, o salitre é o elemento oxidante que determina a combustão dos outros dois, devendo entrar, por conseguinte, em maior proporção; o carvão constitui a parte combustível, sendo tanto melhor quanto mais carbono contenha; o enxofre tem por missão conservar as pólvoras e regular a sua combustão, para o que contribui sendo ele próprio combustível. Na alínea 5.2 deste livro encontram-se referidos aspectos históricos relacionados com os métodos e equipamentos envolvidos no processo de fabrico da pólvora negra, podendo-se desde já realçar que o salto tecnológico mais significativo se verificou em meados do século XV com a granisação (ou granulação) da pólvora. Entre esta data e meados do século XX os princípios do sistema de fabrico pouco evoluiram. 25 No decurso do século XIX novos produtos da indústria dos explosivos apareceram. Braconnot, químico francês de Nancy desco­ briu, em, 1 832 a xiloidina, explosivo de maior potência que a pólvora negra. Tratava-se de um produto branco sensível ao choque, obtido pelo tratamento do amido pelo ácido nítrico. Pelouse, em 1 838, tratando a celulose pelo ácido nítrico, lavando-a depois durante bastante tempo e secando-a, obteve resultados idênticos. Em 1 845, Dumas tratando o papel e o cartão com ácido nítrico obteve um material explosivo, a nitramidina . Em 1 846, Schoenbein tratou algodão muito bem cardado com uma mistura de ácido nítrico e ácido sulfúrico concentrados havendo obtido o algodão-pólvora que se inflamava facilmente, produzindo uma considerável força explosiva (GEPB). Neste mesmo ano, Sobrero descobre a nitroglicerina (BARREIRA, 1 986). Em 1 884 conseguiu-se um produto resultante da associação do algodão-pólvora e do colódio denominado fulmialgodão ou pólvora EC, com qualidades novas. Em meados do século XIX começou a empregar-se nos EUA o nitrato de sódio em vez do nitrato de potássio (salitre) no fabrico de pólvoras baratas como a pólvora de mina (GEPB). A nitrocelulose, preparada pela primeira vez por Schoenbein, em 1 845, é estabilizada e gelatinizada com álcool e éter por Paul Vieille, em 1 886 (BARREIRA, 1 986). A nitroglicerina e as nitroceluloses são os principais membros de um outro importante grupo de explosivos aparecidos em finais do século XIX com o registo da patente de Nobel, em 1 888, da primeira pólvora da base dupla (nitrocelulose e nitroglicerina) que denomina balistite. A nitroglicerina,C 3 Hs N 3 09, não só tem capacidade suficiente para oxidar completamente todo o seu hidrogénio e carbono como apresenta ainda algum oxigénio disponível. Este composto é poderoso explosivo, mas o seu poder ainda poderá ser aumentado dissolvendo-o numa pequena proporção de nitrocelulose que utilize o excesso de oxigénio e simultaneamente o converta num sólido gelatinoso (MARSHALL, 1 9 1 7). Todas as pólvoras sem fumo são basicamente constituídas por nitrocelulose, que foi mais ou menos gelatinizada e convertida num colóide compacto através de um solvente apropriado. 26 3 FABRICO DA PÓ LVORA NEGRA - 3.1- Matérias-primas 3.1.1 - O carvão e o enxofre . O carvão o carvão utilizado no fabrico de pólvoras obtém-se por combustão de diversos tipos de lenha. Apresenta uma composição muito complexa (carbono, hidrogénio, oxigénio e cinzas) e muito variável consoante: - a espécie de madeira donde provém, - o processo de fabrico, - a temperatura, - a duração da operação. A pólvora depende da qualidade do carvão, priRcipnente no que respeita ao modo de se inflamar e queimar; só após a inflamação do carvão é que o enxofre arde e o salitre se decompõe. Nos sistemas de fabrico da pólvora há necessidade de precisar o tipo de carvão a empregar, seleccionando a espécie vegetal e regulando o fabrico de forma a que se obtenha sempre o mesmo produto. A temperatura a que o carvão se inflama no ar depende da temperatura com que se obteve. Por outro lado, o carvão proveniente de 27 uma madeira leve e porosa arde com maior facilidade do que o proveniente de madeira dura. Por esta razão quase todos os países seleccionam para o fabrico do carvão madeiras tenras e leves, sem casca e limpas de substâncias resinosas, salinas e gomosas, não sendo de aconselhar vegetais de fibra apertada que dão um carvão pesado, de combustão lenta, que deixa resíduos (MARDEL, 1 893). Em Portugal, durante muito tempo, o corte das madeiras fazia-se na época em que mais comodamente se podia entrar nos paúis (Julho a Setembro) e madeiras de diversas qualidades eram misturadas (PALMEIRIM et aI. , 1 855). Em meados do século XVIII, já o corte das madeiras era feito na época própria (Março a Maio) e na sequência de experiências com um provete, realizadas nesta época, verificou-se que o carvão feito de uma só madeira tinha mais vantagens do que o obtido de uma mistura de madeiras de diversos tipos. Por outro lado, concluiu­ -se que as melhores madeiras são (por ordem decrescente de interesse): o sanguinho (Rhamnus alatenus), o salgueiro (Salix spp.), a ameira (madeira brasileira) e o amieiro (Alnus glutinosa). Como nas Rilvas (mata da região de Rio Frio, que abastecia Barcarena em carvão) havia pouco sanguinho, determinou-se a utilização do salgueiro (op. cit. ) . Luiz MARDEL, 1 893, indica que n o seu tempo s e havia adoptado em Portugal o sanguinho (Rhamnus alatenus), o salgueiro preto (Salix atrocinerea) e o salgueiro branco (Salix alba) . Outros países utilizavam outros tipos de madeira consoante as disponibilidades. Como os métodos primitivos de carbonização em medas já não estavam em uso em finais do século XIX, as objecções que se punham à carbonização de vegetais ainda mais leves deixaram de ser válidas diante dos métodos de destilação que começaram a utilizar-se nessa época. Nessas circunstâncias os vegetais com maior interesse para a obtenção do carvão eram: a zaragatoa, o linho e principalmente o linho cânhamo (op.cit. ) . O vegetal adoptado para a carbonização devia ser de espécie única e devia estar em idênticas condições de corte, grossura, limpeza e secura. O corte da madeira devia realizar-se na Primavera, quando a seiva é mais aquosa e livre de sais, e os ramos a colher deviam ser pequenos ( 1 ,5 - 3 ,5 cm de diâmetro), de 3 a 5 anos, com o comprimento condicionado pelos cilindros de c arbonização. Napion informa num relatório de 1 802 acerca da fábrica de carvão 28 de Rilvas que para o fabrico do carvão se utilizavam também toros grossos, por vezes com mais de palmo e meio de diâmetro, o que se devia rapidamente evitar. Verificou também que só se tirava a cortiça depois de feito o carvão, prática pouco correcta (PALMEIRIM et al., 1 855). A carbonização é a operação cuja finalidade consiste em extrair da madeira o que contém, o que se consegue pondo esta ao abrigo do oxigénio do ar, de modo a não se queimar, e elevando-lhe a temperatura de tal modo que os numerosos compostos de oxigénio, hidrogénio, carbono e azoto se dissociem, formando combinações mais simples e gasosas, e deixando o carvão como resíduo fixo e infusível. Se se terminar a operação entre 280 e 300 °C, obtém-se um carvão roxo, cor de chocolate, extremamente inlamável e, por conseguinte, próprio para o fabrico da pólvora de caça. De 350 a 400 °C obtém-se um carvão negro que convém às pólvoras de guerra e de mina (MARDEL, 1 893). Este carvão absorve menos humidade, pelo que permite melhor conservação da pólvora, dando-lhe também a propriedade de ser menos viva. O sistema primitivo de obtenção do carvão destinado ao fabrico da pólvora, ainda hoje se utiliza em vários pontos do mundo rural para obter carvão ordinário: carbonização em medas, ao ar livre. Quando os revestimentos das medas com terra foram substituídos por paredes sólidas e permanentes, a combustão passou a poder regular-se e os processos dos fornos e das covas a ser os meios exclusivamente usados no século XVITI e primeira metade do século XIX, no fabrico do carvão (op. cit. ) . Os fornos eram de cantaria, alvenaria ou tijolo, de forma variada, dispondo de duas portas que se fechavam ou não consoante a evolução e a conveniência da carbonização. Terminada esta, e passada uma hora, o carvão caía para os abafadores, i sto é, caixas cilíndricas, .em folha de ferro, com 2 m de altura e obturação hermética, onde ficava três dias. Os fornos de Rilvas eram de forma elipsoidal, com aberturas que se podiam tapar com portas ou tijolos. Estes fornos eram construídos uns ao lado dos outros, num terreno em declive, de modo que as bocas, 2 m acima do fundo, ficassem ao nível do patamar superior (op. cit. ) . Os produtos obtidos por este processo estavam geralmente inquinados de ferrugem e alcatrão, o que levou muitos países a 29 preferirem o processo das covas. As covas, de forma variada, eram revestidas de alvenaria ou tijolo. Enchiam-se com camadas de feixes de ramos de madeira, de modo que a primeira camada assenta-se numa trave colocada a certa altura do fundo, o que permitia acender o fogo. À medida que os troncos combustados caíam no fundo, introduziam-se novos feixes até se encher a cova e, completa a combustão, cobria-se esta com uma camada de lã bem húmida sobre a qual assentava outra de terra molhada e bem calcada. Ao fim de três ou quatro dias, o carvão podia ser retirado. Em finais do século XVIII, vários países começaram a utilizar o processo das caldeiras. Estas eram de ferro fundido, troncocónicas e de fundo esférico, introduzidas em blocos de alvenaria ou no solo. Acendiam-se com aparas de madeira e, à medida que esta se carbonizava e abatia, deitava-se nova quantidade com regularidade. Depois de cheia a caldeira, colocava-se uma tampa de folha de ferro com duas pequenas aberturas para a saída do fumo e, logo que este cessava, fechavam-se as aberturas e deixava-se esfriar durante três dias. Obtinha-se assim um carvão livre de areias. Nos processos onde a carbonização se operava por meio da combustão em presença do ar, o rendimento era muito baixo e o carvão muito irregular. Só com o apareci mento dos processos de carbonização em vasos fechados, ao abrigo do ar, através de uma combustão auxiliar, se conseguiu obter um produto muito mais económico, puro e regular. Este processo denominado carbonização por destilação foi descoberto pelo inglês Landloff e, desde 1 797, foi utilizado em Inglaterra, só se tendo vulgarizado em 1 862 (MARDEL, 1 893). Neste processo podiam utilizar-se, em finais do século XIX, sistemas de cilindros fixos ou de cilindros móveis, permitindo estes últimos regular melhor a carbonização e obter maior rendimento de carvão roxo, em particular. Em 1 847, Violette propôs um novo processo de destilação: a destilação pelo vapor de água sobreaquecido, que se efectuava nuns destiladores constituídos por três cilindros concêntricos de folha de ferro, recebendo o mais interior, crivado de orifícios, a carga de madeira a carbonizar. Por debaixo dos cilindros encontrava-se uma serpentina de ferro que por um dos extremos comunicava com um 30 gerador de vapor e pelo outro com o espaço entre os dois cilindros exteriores. O vapor a 300 °C percorria este espaço, após o que entrava no cilindro central pela parte anterior; penetrava depois pouco a pouco nos poros da madeira, carbonizando-a e escapando-se por fim, acompanhado dos produtos voláteis e gases. O carvão destilado por este método era incomparavelmente mais homogéneo que o obtido pelos anteriores processos, se bem que tivesse o inconveniente de resultar mais dispendioso. Estes dois últimos sistemas, descritos por Luiz Mardel no final do século, não se afastam muito, nos seus fundamentos, dos que ainda se utilizavam nos anos quarenta, (ARA, 1 945) . . O enxofre o enxofre é um metalóide, sólido à temperatura ordinária, de cor amarelo limão, insípido e inodoro. Cristalizado, pode apresentar-se em duas diferentes formas cristalinas: a rômbica ou ortorrômbica e a prismática monoclínica, instável e com tendência a transformar-se na primeira, libertando calor. O enxofre rômbico encontra-se na Natureza, podendo também obter­ -se com facilidade em laboratório, deixando evaporar espontaneamente uma solução daquele produto com sulfato de carbono, o que leva à formação de cristais transparentes, com a mesma forma cristalina dos cristais de enxofre no estado nativo. A densidade é de 2,03 a 2,06 e o ponto de fusão 1 1 5 oe (ARA, 1 945). o enxofre é combustível, ardendo no ar a 263 °C, com chama azul pálida e libertando um gás de odor sufocante, o anidrido sulfuroso (S02 ) : Combina-se com o hidrogénio quente originando o ácido sulfídrico: S + H2 � H2 S Pela acção oxidante do oxigénio do ar e em presença da humidade, forma ácido sulfúrico: 31 Este último aspecto permite explicar que, caso exista um clorato em presença do enxofre, pode formar-se ácido clórico, por reacção desse clorato com o ácido sulfúrico, que irá por sua vez acelerar a oxidação. Por este mecanismo se percebe ser perfeitamente possível que uma pólvora que contenha enxofre e clorato se possa inflamar espontânea­ mente se não se encontrar adequadamente conservada, i sto é, a seco e fora do contacto do ar. Por outro lado, um enxofre destinado ao fabrico da pólvora deve estar absolutamente desprovido de ácido sulfúrico e deixar menos de 0,25% de resíduos na queima (ARA, 1 945). Se o enxofre for aquecido num recipiente fechado não se inflama, mas entra em ebulição a mais de 400 °C, produzindo vapores amarelos que pelo resfriamento se condensam em pó, conhecido por lor de enxofre. O enxofre encontra-se com abundância na Natureza, em diferentes formas: no estado de sulfatos, de sulfuretos metálicos (blenda, pirites, galena, cinábrio) e no estado nativo, nas fendas das lavas, em torno dos vulcões (extintos ou em actividade), como nas sulfataras de Nápoles e no vulcão Popocatepetl, no México. Em finais do século XIX, quase todos os países empregavam para o fabrico da pólvora, enxofre que se encontrava no comércio, proveniente das minas de pirite da Toscânia, da Sulfatara, em Nápoles ou das terras vulcânicas da Sicília (MARDEL 1 893). Após a extracção do minério, o enxofre obtinha-se por fusão ou por destilação. O método mais tradicional é o da fusão, que se utilizava nos próprios locais de extracção, em situações de difícil obtenção do combustível necessário à destilação, único método de se obter o enxofre separado das substâncias terrosas. Se os minérios eram muito ricos, utilizavam-se caldeiras de ferro aquecidas por fornalhas, com uma capacidade de 1 00 a 1 000 m3, decantando-se para moldes o enxofre que sobrenadava e que, depois de esfriado, era quebrado em pedaços que se acondicionavam em barricas (op. cit. ) . Existiam outros tipos de fonos constituídos, como os de Calcaroni na Sicília, eram por escavações circulares e rodeados por um muro de cinco metros de altura; o fundo, inclinado e com a forma de goteira, permitia o escoamento do enxofre, após o aquecimento do minério. , 32 o enxofre era recolhido em formas de madeira, onde solidificava. Sempre que havia a possibilidade de se utilizar combustíveis ordinários preferia-se o tratamento do minério por destilação podendo utilizar-se vários tipos de aparelhos. Num deles, apto a tratar minério pobre em enxofre, deitava-se este em potes ou cadinhos dispostos em duas ordens, dentro de um forno abobadado. Entre os potes, que se encontravam fechados com um testo de barro vedado com argila, queimava-se o combustível. Os potes comunicavam por canais com outras duas séries de cadinhos colocados exteriormente, onde se liquefaziam os vapores do enxofre. O enxofre líquido era recebido em celhas cheias de água fria onde solidificava. Outra operação muito corrente respeitava à refinação do enxofre, cuja finalidade era desembaraçá-lo das matérias estranhas que sempre contém e que são prejudiciais à qualidade da pólvora. Uma das técnicas mais usadas em Portugal, em meados do século XIX, vem descrita em PALMEIRIM et al. , 1 855. Começava-se por pisar o enxofre a refinar, reduzindo-o quase a pó. Após a caldeira ter sido bem limpa, acendia-se o fogo por debaixo dela, deitando-se de seguida o enxofre, pouco a pouco, mexendo-se com uma cruzeta de ferro; à medida que se derretia, ia-se deitando mais, até se utilizar a máxima capacidade da caldeira. Tiravam-se então as escórias que apareciam à superfície e cobria-se a caldeira com uma tampa de madeira, retirando-se-lhe o lume. Após se ter aguardado que os corpos estranhos se tivessem depositado no fundo, descobria-se a caldeira e tirava-se o líquido para cristalizadores. Segundo os autores, este processo era muito imperfeito pois, como o enxofre puro estava sempre em contacto com as partes impuras, algumas impurezas não tinham tempo de se depositar no fundo, antes da solidificação. Por outro lado, verificava-se uma grande perda de enxofre puro, quer por evaporação, quer por inclusão na fracção que se rejeitava (impurezas). Luiz MARDEL, 1 893, descreve quatro aparelhos mais evoluídos que se utilizavam em finais do século XIX : os aparelhos de Lamy e de Déjardin, em França e dois aparelhos na Alemanha. Com esses aparelhos podia-se obter o enxofre em flor ou em canudos. Neste último caso, para se acelerar o processo, adoptaram-se moldes múltiplos de 24 canudos de forma troncocónica. 33 o enxofre, se bem que não tenha influência directa na quantidade de gases e no calor desenvolvidos por uma pólvora ternária, favorece todavia a propagação da combustão na massa, aumentando assim a rapidez das reacções e tendendo, pois, a tonar maior a força explosiva. Por outro lado, o enxofre dá consistência à pólvora e favorece a sua conservação. 3.1.2 O salitre - Designam-se por salitre as combinações que forma o ácido azótico com diversas bases, em particular com os hidróxidos de potássio e de sódio. De um modo mais restrito, a designação salitre refere-se ao nitrato de potássio (N03 ), reservando-se para o nitrato de sódio a de salitre do Chile ou do Perú. O salitre foi citado pela primeira vez por Geber no século VIII, que o denominou sal petrae havendo os alquimistas usado a designação de sal niter (GEPB). Este sal resulta da decomposição da matéria orgânica vegetal e animal, podendo, em condições favoráveis, formar eflorescências em certos solos, que devem ter atraído a atenção do homem em épocas remotas. Tais eflorescências aparecem, em particular, em áreas geográficas caracterizadas por abundantes depósitos de matéria orgânica e em que o clima seja quente e com uma estação seca prolongada e regular, durante a qual haja a possibilidade de tal matéria sofrer decomposição, sem ser transportada pela água das chuvas. As zonas em que aparecem os maiores depósitos de salitre são a Í ndia, o Ceilão, a Síria, o Egipto, o Magrebe, a Á frica do Sul, o Perú, a Bolívia e o Brasil, entre outras. Na Europa, o salitre aparece sobretudo em Espanha (Aragão, La Mancha, Múrcia e parte da Andaluzia) e no Sul de Itália (Puglia), conhecendo-se ainda locais com bons depósitos na Hungria e em França (Seine-et-Oise, Roche Guyon). As transformações bioquímicas que levam à génese do salitre podem resumir-se do modo a seguir indicado (GEPB). O azoto atmosférico, através da acção de microrganismos que se 34 encontram nas raízes das leguminosas (como Pseudomonas radiciola), é fixado em compostos orgânicos, que, por decomposição dos tecidos vegetais ou animais, originam amoníaco (NH 3 ). Este, através das bactérias nitrosificantes, é oxidado, dando origem a nitritos, que se convertem em nitratos pelo contacto com as bactérias n itrificantes. A formação do ácido nítrico na Natureza pode ainda resultar de descargas atmosféricas; aquele ácido, ao penetrar no solo arrastado pelas águas da chuva, pode originar nitratos. ° salitre pode também ser obtido por via artificial através de métodos que o Homem domina desde longa data. Este aspecto é evidenciado no manuscrito Sumario de la Milicia Antigua y Modena de Cristobal Rojas, datado de 1 607, em que se afirma (in TASC Ó N, 1 987, p. 346) : "A vicena llama al salitre baurach, porque en lengua arábiga se llama así; y otros le llamam afronitro, porque así le llamam los griegos, y después particularmente Serapión. Dioscúrides y Plinio le dicen nitro o espuma de nitro, porque así se llama en lengua latina; y n itro y salitre san dos, a saber mineral y artificial. . . " Um modo tradicional de obter artificialmente o nitrato de potássio consiste em misturar matérias orgânicas em decomposição, como resíduos de estábulos ricos em azoto, com cinzas vegetais (que contêm elevada percentagem de sais de potássio) e terra calcária (GEPB). Sob a acção de bactérias forma-se primeiramente nitrato de cálcio que, em contacto com o carbonato de potássio das cinzas vegetais, se transforma em nitrato de potássio, o qual pode ser extraído com água: Ca(N03 h + K2 C03 � 2KN0 3 + CaC03 No início da Idade Média foram talvez os árabes que melhor dominaram a tecnologia da obtenção do salitre. Não é pois de surpreender que a primeira referência clara encontrada acerca deste produto venha nos escritos de Abd Allah ibn al-Baythar, um árabe hispânico que morreu em Damasco em 1 248 (MARSHAL, 1 9 1 7). Regras para a obtenção do salitre aparecem já expressas, em finais do século XIII, na obra escrita em árabe Tratado de combatir à caballo y de las maquinas de guerra, de Nedjen Eddin Hassan Abrammah "el 10robado" (EUIEA, 1 922, p. 1 23). 35 Desde há muito o salitre, devido ao seu carácter estratégico, gozou de protecção real. Segundo GAMA, 1 803, p. 1 2 ". . . 0 Salitre, elemento essencial da Polvora, tem merecido hum particular cuidado a todos os soberanos, mandando examinar attentamente se a natureza lho concedeo no seu territorio, animando com premias, e socorros pecuniarios a extacção do natural, espalhando as luzes necessarias para se estabelecerem Nitreiras A rtificiaes, e mandando estabelecellas por sua propria conta, e despeza. " Os salitreiros, considerados meio magos, meio alquimistas, constituiam um grémio protegido que gozava de certas regalias económicas e soc iais. Assim, por exemplo, em Espanha, em finais do século XVI, estavam isentos de dar alojamento ou de fornecer animais de carga às tropas quando estas passavam pelos povoados (TASC ÓN, 1 987). Mais tarde dilataram-se tais prerrogativas, a mais importante das quais consistiu no acesso ao foro da artilharia, o que os diferenciava claramente do resto dos oficiais mecânicos, com uma consideração social muito inferior (TASC Ó N et al.., 1 993). As primeiras referências à actividade dos salitreiros em território português datam do reinado de D. Afonso V, em que a Affonso Vasques, mestre de fazer salitre, foi concedida uma tença anual em 1 442, havendo sido nomeado no ano seguinte "mestre mór de fazer o salitre e a pólvora " (VITERBO, 1 896). Sabe-se também que D. Afonso V, em 1 466, concedeu l icença ao bombardeiro B althazar para a extracção do salitre em todos os lugares do Reino, em proveito próprio, pagando apenas os direitos que pertenciam à fazenda real (op. cit. ). Do reinado de D. João II, sabe-se que este rei fez mercê, em 1 484, ao castelhano Fernando, bombardeiro e mestre do salitre, de uma tença anual (op. cit. ) . É certo que desde a descoberta d a Í ndia s e passou principalmente a utilizar salitre proveniente destas paragens. Isto é posto em evidência nos seguintes dois documentos do reinado de Filipe II : - Alvará de 1 8 de Maio de 1 6 1 7 que determinava que as naus vindas daqueles estados trouxessem a maior porção possível de salitre (CORDEIRO, 1 854); - Carta Real de 1 6 de Janeiro de 1 6 1 8, dirigida ao vice-rei da Í ndia, em que se insta pela remessa de salitre daquelas partes com vista ao fabrico da pólvora em B arcarena. 36 o território brasileiro foi também objecto de reconhecimentos de j azidas de salitre desde o século XVI. Sabe-se que um indivíduo de nome Manuel de Padilha, que serviu alguns anos no Brasil, foi , em 1 583, mandado ao sertão pelo governador Manuel Telles B arreto, para descobrir minas de salitre, tendo morto no caminho pelo gentio (VITERBO, 1 896). Em finais do século XVIII eram conhecidas neste território importantes jazidas de salitre natural, em particular na B aía, Maranhão, Ceará, Minas Gerais e Goiás (GAMA, 1 803). A referência mais antiga de que se tem conhecimento, relativa às quantidades de salitre importadas, data de 1 653, em que se indica que havia armazenadosem território português mais de 1 500 quintais de salitre, tendo vindo nas naus da Í ndia mais de 3000 (ap.cit. , p 56). Conhece-se um mapa do salitre entrado na Torre da Pólvora, para o período de 1 758 a 1 800, inclusive (CORDEIRO, 1 854, p. 37) : . QUANTIDADE PROVENIÊNCIA Goa costa de Coro mandeI Malabar Macáo Bengalla Brazil (amostras) Berberia Mogador Suffi Londres Amsterdam Genova TOTAL quintais 9 1 :286 5 :460 2 : 54 1 1 : 54 1 5 : 764 23 687 1 20 1 06 1 9:0 1 7 978 51 1 27 :280 arrobas 3 1 1 1 1 2 2 O 3 2 3 O O arráteis 12 23 7 6 27 8 8 28 24 16 8 7 14 Luiz MARDEL, 1 983, descreve o tratamento de terras salitrosas seguido no final do século XIX. Para se obter salitre a partir de terras salitrosas, muros, ou nitreiras artificiais, estes materiais, após reduzidos a pequenos fragmentos, eram colocados dentro de grandes tanques de madeira com torneiras de esgoto, munidos interiormente de ralos finos onde, cobertos por água, 37 permaneciam 24 horas. Após esse período renovava-se a água esgotando-se a que existia, e i sso tantas vezes quantas as que fossem necessárias até que marcassem menos de um grau no pesa-nitro ou areómetro do salitre. Estas águas eram concentradas e tratadas com cloreto de potássio, carbonato de potássio, ou, de preferência, sulfato de potássio e depois por leite de cal. A solução era decantada de cima do precipitado e concentrada em caldeiras. Durante a fervura eram retiradas as escumas da superfície e recolhidos os precipitados numa cápsula suspensa no seio do líquido. Quando a concentração marcava 50 graus no pesa-nitro deixava-se repousar 1 5 horas após o que se decantava o soluto para cristalizadores, onde, com o arrefecimento, precipitavam cristais impuros de salitre, contendo cloretos e nitratos de potássio e de sódio e substâncias orgânicas. ° processo descrito por MARDEL, 1 893, não difere substan­ cialmente do que é apresentado na obra De Re Metallica, de Bernardo Perez de Vargas, publicada em Madrid em 1 658 (e citada por TASC ÓN et ai. , 1 983). A principal diferença reside em que, em vez do pesa­ -nitro, se colocava um ovo no soluto recolhido, para determinar o momento em que as terras salitrosas deviam ser renovadas : se o ovo se mantinha à superfície, era s inal de que as águas ainda continham salitre; se, pelo contrário, se afundava, as águas continham já pouco salitre, sendo então necessária a renovação das terras. Ainda segundo MARDEL, 1 893, o salitre bruto importado da Í ndia era tratado por água depois de misturado, por vezes, com cinza de madeira. A solução obtida era passada para grandes tanques onde era concentrada ao sol, completando-se de seguida esta concentração em caldeiras sobre o fogo. Após esta operação o líquido era vasado em tanques onde se processava a cristalização do salitre, o qual conservava ainda muitas impurezas. Este tratamento repetia-se, por vezes, permitindo obter o salitre bruto de segunda refinação. A partir de meados do século XIX foi-se impondo um novo método de produção de salitre: o da conversão do n itro, i sto é, o da produção de nitrato de potássio a partir de nitrato de sódio ou salitre do Chile, importado principalmente deste país e do Perú (op. cit. ). Neste método faz-se reagir em solução aquosa a 90 o nitrato de sódio e o cloreto de potássio: NaN03 + KCI �NaCI + KN03 38 em quantidade tal que o salitre formado se possa manter inteiramente dissolvido, enquanto que o sal marinho (NaCl), quase tão solúvel a quente como a frio, precipita. A solução a quente é decantada para um cristalizador onde o salitre precipita por resfriamento, ficando o sal marinho em grande parte dissolvido na água. Este salitre deverá ser de seguida sujeito aos processos gerais de refinação que constam basicamente das seguintes operações : lavagem do salitre bruto, cozedura, cristalização, lavagem do salitre refinado e enxugo. ° grande consumo de pólvora nas guerras do século XV fez com que a partir desta data a colheita ou produção e a refinação do salitre se tornassem na Europa uma indústria lucrativa. Em Portugal, foi sobretudo nos séculos XVII e XVIII que tal desenvolvimento se verificou. Se bem que se conheçam em Portugal referências a mestres do salitre desde a época de D. Afonso V, as primeiras fábricas ou oficinas do salitre apenas aparecem citadas em documentos de meados do século XVII, época em que era muita a necessidade deste produto devido à guerra da Restauração. Sabe-se que em 1 644 um francês de nome António Rutier estabeleceu uma fábrica em Lisboa e outra em Torres Novas (CORDEIRO, 1 854) . Em 1 648 esta última unidade encontrava-se na posse de outro francês chamado João Francisco Roberto. Pelo alvará real de 29 de Julho de 1 654 estipulou-se a instalação de oficinas do salitre em Alenquer, Leiria e Setúbal, tendo este alvará s ido ampliado por uma apostilha ( I O de Março de 1 654) em que se permitia a exploração do salitre em todas as comarcas do reino (op. cit. ) . Em 1 80 1 já não havia, todavia, qualquer recordação daquelas feitorias, o que é interpretado por Manuel Nogueira da GAMA, 1 803, como sendo o resultado do baixo preço a que o salitre proveniente do exterior era vendido em Portugal continental. Para o século XVIII, não se conhece qualquer documento donde conste que se obtivesse salitre no reino; todo o salitre consumido foi importado da Í ndia, Inglaterra e Holanda (CORDEIRO, 1 854). Em 1 809 o Ministro da Guerra e Estrangeiros D. Miguel Pereira Forjaz, encarregou o 10 tenente de engenheiros Luiz de Sequeira Oliva da instalação em Moura de uma fábrica para instalação do salitre, havendo este especialista apresentado, mais tarde, perante a Academia 39 das Ciências, uma Memoria sobre a fabrica do saLitre de Moura, publi­ cada no n.o 1 5 do Investigador Portuguez (VITERBO, 1 896, p. 70). A fábrica foi estabelecida no extinto convento de S. João de Deus em condições deficientes. As casas em que se colocaram as tinas e os caldeiros não eram as mais apropriadas e o tanque para depósito das águas prontas para passarem aos caldeiros encontrava-se a descoberto, o que acarretava o risco da solução perder o grau de saturação em caso de chuva. A água era extraída dum poço da cerca conventual e conduzida a braços aos pontos de utilização. As produções obtidas e os responsáveis pela exploração da fábrica foram os seguintes (CORDEIRO, 1 854, p. 14): 1 809 a 1 8 14 e 1815 e 1817 a 181 1 1815 1816 1 826 A partir de produção: 1 82 1 1 822 1 823 Arrobas 780 por conta da fazenda 443 comprado a Luiz Oliva 359 comprado a António Segurado 1 24 1 comprado a Manoel Ramos Arrátei s 13 9 29 27 1 82 1 notou-se uma diminuição considerável da Arrobas 65 20 33 Arráteis 26 O 9 Esta foi diminuindo com o tempo apesar da protecção que a Junta da Fazenda lhe foneceu. Outro aspecto refere-se ao facto de em todos os contratos e requerimentos para a exploração do salitre em Moura se notar um mistério na designação do local donde se extraía o salitre. Presumia-se haver grandes quantidades de salitre nas paredes do castelo medieval e nas dos prédios da vila, bem como nas taipas dos parapeitos da fortificação moderna e em terrenos circunvizinhos de Moura. Tendo-se em vista aferir das reais possibilidades de produção de salitre em Moura, o Inspector do Arsenal do Exército, Barão de Monte Pedral, enviou o major Joaquim d'Araujo Sequeira a esta vila, o qual apresentou um relatório em 4 de Janeiro de 1 85 1 (CORDEIRO, 1 854). Nele se indica que a origem do salitre se encontra nas muralhas do 40 castelo, na muralha da vila e nos muros das casas. São em particular as taipas da muralha do castelo que o autor considera as principais nitreiras. Indica mesmo que "As terras que se forem picando vão diminuindo successivamente a espessura das muralhas, e passados alguns annos o castello estará desfeito e portanto as nitre iras acabadas " (op.cit. , p. 1 9). ° autor não conseguiu, por outro lado, encontrar quaisquer terras salitrosas nas proximidades da vila. Perante as dúvidas emitidas neste relatório, nomeou o Inspector Geral em 29 de Agosto de 1 853 uma comissão dirigida pelo major João Manoel Cordeiro, com vista a um reconhecimento profundo da situação. De entre as conclusões a que esta comissão chegou realça-se haver tomado conhecimento que Oliva e Ramos apenas exploraram as cal iças extraídas dos muros do Castelo. V árias torres e panos da muralha deste foram completamente destruídos, tal como se pode Fig. 1 observar em figuras apresentadas em CORDEIRO, 1 854, p. 24 e 25. Fig. I - DeSTruições nas muralhas do casTelo de Moura provucadas pela exploração de saliTre (CORDEIRO, 1854, p. 24-25). 41 Uma vez que constava eXistirem boas terras salitrosas nas imediações de Moura, todos os reconhecimentos efectuados foram infrutíferos tendo-se chegado mesmo a oferecer prémios a quem as encontrasse. V árias amostras de terra salitrosa foram fornecidas a vários indivíduos para que, com base na côr e no paladar, pudessem identificar jazidas. A principal conclusão da comissão foi a de que as chamadas nitreiras de Moura eram insuficientíssimas para que se justificasse instalar uma fábrica de salitre. Mas dependendo do salitre a segurança do Estado e até a independência nacional, foi dado o parecer para que pessoas competentes procedessem a reconhecimentos locais no país. Vários países, como a Rússia, Á ustria, Prússia, Suécia, desenvol­ veram n itreiras (ou salitreiras) artificiais, isto é, instalações onde se procedia à produção do salitre e não, apenas, á sua extracção e refinação. No estado actual dos conhecimentos poucas referências existem sobre nitreiras artificiais instaladas no nosso país. Manoel Nogueira da GAMA, 1 803 , dá notícia da criação em 1 797 de duas pequenas n itreiras artificiais para ensaio: uma na Quinta do Arco do Cego, e outra na Ribeira de Alcântara. Em 1 798 estabeleceu-se uma nitreira artÍficial em Braço de Prata. Conhece-se referência, datada de 1 800, de outra, na então Vila de Santos, na capitania de S. Paulo (PEREIRA, 1 800) . Em 1 884 foram mandadas estabelecer nitreiras artificiais em B arcarena "para se aproveitarem os resíduos da refinação do salitre e outras mate rias próprias para a n itrificação, como se havia praticado na oficina de refino de A lcantara " Fot. 1 (MARDEL, 1 893, p. 23). Das nitreiras artificais nacionais, Braço de Prata é aquela de que se dispõe de mais informação. Um negociante de Lisboa e Luiz Thomaz Regnault iniciaram o estabelecimento em Janeiro de 1 798 de uma nitreira artificial junto do Poço do B ispo, e à borda do Tejo, num sítio denominado Braço de Prata (GAMA, 1 803) . Em resultado de nego­ ciações entre estes indivíduos e o ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, foi este estabelecimento adquirido pelo Estado, em 14 de Agosto daquele mesmo ano, ficando Regnault no lugar de Mestre (op. cit. ) . Com a criação em 1 802 da Junta da Fazenda do Arsenal do Exército ficou a Real Nitreira Artificial de Braço de Prata a cargo 42 daquela repartição (CORDEIRO, 1 854), tendo como director o tenente coronel do Real Corpo de Engenheiros Manoel Jacinto Nogueira da Gama, inspector geral das nitreiras e Fábrica da Pólvora da Capitania de Minas Gerais, que veio a publ icar um trabalho sobre ela (GAMA, 1 803 ). FoI. I - Fábrica de BaJTarena. Ediícios para armazenamento e refinação do salitre. Esta nitreira funcionava basicamente do seguinte modo: no interior dum edifício consti tuiam-se pilhas de camadas de terra de entulhos (provenientes de ruínas de edifícios velhos e de outros abatidos pelo terramoto de 1 755), de lamas com um certo teor em carbonatos e de tabaco podre. Estas camadas ficavam separadas por grades de madeira, para facili tar o arejamento interior, e eram previamente regadas com sangue de boi e urina. Para se obter o grau de calor necessário, não só se instalaram pequenos montes de tabaco podre nos espaços intermé- 43 dios, como se procurou manter fechadas as portas. O ar devia manter-se quase estagnado evitando-se a perda de azoto. Numa grande barraca coberta de palha remexiam-se as terras que se fossem tirando das pilhas e terras de cavalariças com o fim de acabarem de se oxigenar. Procedia­ -se depois à lavagem das terras em tinas de madeira, à evaporação das lixívias em caldeiras de cobre e à cristalização do salitre. A produção obtida foi a seguinte (CORDEIRO, 1 854) : Agosto de 1 803 Fevereiro de 1 804 28 1 arrobas 29 arrobas e e 20 arráteis 24 arráteis Esta primeira colheita de salitre foi extraída de 20 pilhas, elevando­ -se depois o número destas a 54, na esperança de se obter maior quantidade de produto. Todavia, em Abril de 1 806, Napion fez o ensaio das terras e apenas obteve meio por cento de salitre. A Real Nitreira Artificial de Braço de Prata acabou por ser extinta em 1 1 de Julho de 1 806 em razão da sua fraca rentabilidade. 3. 2 Operações e equipamentos - O método mais primitivo de manufactura da pólvora consistia em misturar os ingredientes (carvão, enxofre e salitre) num almofariz. Uma das ilustrações mais antigas representativa desta operação aparece num manuscrito, o Codex Germanicus, existente na Staatsbibliothek de Munique (MARSHALL, 1 9 1 7, p. 24). Segundo este autor, Guttmann atribui a este documento a de 1 350. Conhecem-se também várias representações de moinhos accionados à mão, como as que aparecem no quadro a óleo de Jacopo Coppi ( 1 523- 1 592) do Palácio Vecchio, ou no fresco de Bernardino Poccetti ( 1 542- 1 6 1 2) da Galeria dos Uffizi, ambos em Florença (TASC Ó N et al. , 1 993). Pode observar-se em ambas as representações, homens accionando os maços (ou pilões) dos moinhos com a aj uda de uma roda dispondo de quatro grandes travessas, em cujos extremos se notam umas bolas metálicas, que actuam como reguladoras da velocidade. Os moinhos de pilões foram concebidos por Harscher em 1 435, com vista à substituição do processo primitivo da simples trituração e mistura dos três elementos, feitas manualmente (ARA, 1 945) . Guttmann, na sua 44 Monumenta Pulveris Pyrii apresenta reproduções de antigos desenhos deste tipo de moinho que, nos séculos XV e XVI, dispunham em geral de dois pilões, cada um dos quais trabalhando por percussão no seu almofariz (ou pia) (MARSHALL, 1 9 1 7). A partir do século XV começou também a utilizar-se outro tipo de moinhos: o moinho de galgas, que actuava por compressão. Quaisquer dos dois tipos de engenhos mecânicos, accionados em geral pela energia hidráulica ou pela tracção animal, podiam ser utilizados com duas finalidades distintas (TASC ÓN, 1 987): - pulverizar os ingredientes que compõem a pólvora - salitre, carvão e enxofre; - misturar e homogeneizar a pasta formada por aqueles ingredientes. Os métodos de fabrico da pólvora foram evoluindo ao longo do tempo. Um dos métodos seguidos, no século XV, era o seguinte (EUIEA, 1 922, p. 1 24): após se ter posto o salitre na água durante 4 ou 5 horas até à sua dissolução, triturava-se enxofre que era lançado, juntamente com óleo de linhaça, nesse soluto, até à sua transformação numa massa, que se secava ao sol. Uma vez seca, essa massa era moída, obtendo-se a pólvora. Em seguida, temperava-se alúmen branco (sulfato duplo de alumínio e potássio) com cal viva, até à sua redução a pó, após o que se misturava com a citada pólvora, na quantidade desejada. Nesta receita o carvão aparece substituído pelo óleo de linhaça, o que se traduzia por uma redução na inflamabilidade da pólvora, atingindo-se o objectivo pretendido, que era o de diminuir a potência da pólvora, para que as armas de ferro então fabricadas pudessem resistir aos seus efeitos. Por outro lado, a cal e o alúmen também contribuiam para esse efeito dando, além disso, maior dureza ao grão. Durante muito tempo utilizou-se a pólvora em pó que, se por um lado estava em harmonia com a resistência das armas de então, por outro apresentava os seguintes problemas (MARDEL, 1 893): - dificuldades no transporte, separando-se os elementos por ordem da sua densidade; - grande higrometricidade; - perdas através dos sacos ou barris em que se transportava; 45 - dificuldade do carregamento das armas, porque o incrustamento produzido pelo tiro impedia o pó de se afundar na alma; - dificuldade de se inflamar; - irregularidades nos efeitos que produzia, podendo resultar explosões de violência imprevisível . Este último problema era, sem dúvida, o de maior gravidade e só ficou resolvido com a adopção da pólvora granulada com a qual se passaram a obter efeitos uniformes (DELUMEAU, 1 967). Durante muito tempo não pôde empregar-se a pólvora granulada senão nas armas de calibre relativamente pequeno, generalizando-se, em meados do século XVI, às bocas de fogo mais pesadas, quando o fabrico permitiu ao metal resistir à inflamação mais viva, consequência da pólvora granulada (MARDEL, 1 893). Segundo os pareceres de Upmann e de Von Meyer, as pólvoras na Alemanha não se granularam até 1 445, tendo-se iniciado essa operação mais cedo nos países da Península Ibérica (EUIEA, 1 922). Para que a granulação fosse possível, havia necessidade de humedecer a pasta durante a mistura e homogeneização dos ingredientes, com fluídos vários entre os quais álcool e urina. Em Inglaterra, a urina dum bebedor de vinho era mesmo muito procurada, havendo a crença de que permi­ tia obter um produto mais forte (E B, 1 95 1 ). Mas foi, todavia, a água o líquido que, desde o início, pareceu mais indicado, pois a própria Natureza, tornando patentes os efeitos da humidade, aconselhava ao seu emprego (EUIEA, 1 922). O humedecimento da pasta durante a operação de mistura e homogeneização dos ingredientes permitiu, por outro lado, diminuir o risco de explosões e empregar as mós que já se haviam ensaiado para operar a mistura a seco, mas que se haviam abandonado pelos frequentes sinistros que causavam (MARDEL, 1 893). A granulação consistia, basicamente, em fraccionar esta pasta, uma vez homogeneizada e seca, obtendo-se grãos de várias ordens de volume. O fabrico de pólvora negra, quer no que respeita aos ingredientes utilizados e respectivos doseamentos, quer no que respeita às soluções técnicas adoptadas, não evoluiu muito entre os séculos XVI e XIX. As operações fundamentais do processo de fabrico eram as seguintes: 46 - trituração, mistura e encasque dos elementos; - granisação ( ou granulação) da mistura; - lustração e calibração dos grãos. - Fig. 2 Engenho de galgas para moagem de canlão numa fábrica de pólvora. Figura da obra de Villorio Zonca, Novo teatro de machine et edifice, século XVII (in TASCÓN, 1 987, p. 350). 47 o encasque era a operação mediante a qual se fazia a junção dos componentes em pasta homogénea. Para que fosse possível a gra­ nulação era necessário proceder à trituração dos componentes, à sua mistura e à conservação do pó em massa compacta. No sistema primitivo a trituração, mistua e encasque, eram realizadas numa única operação. Este processo causava frequentemente acidentes, em particular no começo da operação, devido a inflamação do enxofre, além de que a trituração não era perfeita e não se conseguia homogeneizar bem a mistura. : 6 / l " d r t 1 ' 7 . / ' � m a l d t 7 � o � · " " � :z : i � : � � � : : : ri; �::�:::�:�:: Jr ,wlj/' ;lólÍ/(" ,r;:,t .. "'" /n•• R:ri,h·<(J r.JM."m .t ftr/It,.., ,(r'�::" Il � 1. .7." It· ,/f'l;·,IJl1 tJ:'t'lluJ.,· t n f/':l'nt ). " 'J Jdar,r." ) r' n 'l"e rl',/II,,, �":'!"" K. " /,.11. '/ tl_uJ /'Á,}lT "'1' IO",?/l .)" IlIlIrAe JL J. ' , '/ln2""·. . 1lI. JfnzJ: ' N . Ilit l1l-�l 1l11de " '''1 5"r( ). , <' �., {I'J., & 'r. '...f",(n .. t DO, í > F , --c'1/11" Z1. rnI1Ci,JJI; I, rtln.t. . Y .?lr/Jn"/m, 9"II,r,.: L.t.�'VJ tl. n/mo ,1m ,,!/. lIIJ .. l1""., . , Fig. 3 . A lçado de um engenho de pilões. Fábrica de Pólvora de Villafeliche. Saragoça (manuscrito de José Campil/o. 1 764. BPR. Madrid. in TASCÓ N el aI.. 1 993. p. 330). Com vista a evitar estes inconvenientes, este sistema foi sendo substituído por outro em que se isolava a trituração da mistura e do encasque, ou em que aquelas três operações apareciam i soladas. Por outro lado, os ingredientes da pólvora podiam ser triturados 48 parcialmente, ou totalmente, isolados uns dos outros. Em 1 802 ainda se adoptava em Portugal o sistema de trituração binária do carvão e do enxofre, triturando-se o salitre isoladamente. Mai s tarde, passou a adoptar-se na maior parte dos países a trituração isolada de cada componente. Fig. 4 - Fábrica de pólvora de Essonne, França. Sistema de duas séries de pilões accionados por roda hidráulica. Perspectiva (DIDEROT e O 'A LEMBERT, 1 762-1 772, PI. I/). 49 Os aparelhos utilizados para trituração, mistura e encasque nos sistemas primitivos eram pilões, martelos e galgas. Apresenta-se de seguida uma descrição destes aparelhos tendo por base MARDEL, Fig. 2 1 893. Nos pilões, os ingredientes são submetidos a uma moenda em cavidades de forma parabolóide truncada (as pias), de 50 cm de pro­ fundidade, por 40 cm de diâmetro, abertas em vigas de madeira de grandes dimensões. O fundo destas cavidades era constituído por uma peça de madeira rij a e substituível, que suportava os choques do pilão. Estas cavidades eram em certos casos, substituídas por vasos de bronze ou pias de pedra. Em cada cavidade, trabalhava um pilão, haste de madeira com um braço a meio, terminada por uma massa de bronze ou de madeira dura com a forma de pera, pesando a totalidade da peça 40 kg. As hastes Fig. 3 eram accionadas por grandes eixos rotativos, colocados horizontal­ mente, com excêntricos dispostos em hélice, de tal modo que a certo momento um excêntrico engrena no braço duma haste e a faz subir até determinada altura (40 cm), após o que cai sobre a pia. A disposição em hélice dos excêntricos faz com que, à medida que o eixo roda, uns pilões vão subindo e outros vão descendo, caindo sobre a mistura contida nas pias. As três substâncias (enxofre, salitre e carvão) eram reunidas nas proporções convenientes, e colocadas nas pias (cargas de 8 kg), sendo a mistura, depois de humedecida, amalgamada durante algumas horas. As pias estavam dispostas em baterias que podiam variar de seis a Fig. 4 doze unidades, correspondendo, frequentemente, a cada engenho duas baterias (ARA, 1 945). A moenda iniciava-se com pouca velocidade, ao regime de 30 pancadas por minuto aumentando depois para 60 pancadas, em regime normal de funcionamento. Se houve países em que este processo cedo caiu em desuso, como em Inglaterra, em que foi proibido em 1 772 (E B , 1 95 1 ), noutros como a Espanha foi utilizado até finais do século XIX (MARDEL, 1 893). O processo que utilizava martelos diferia apenas do anterior pelo facto de a percussão se realizar com martelos, como acontecia em ferrarias e pisões. Em finais do século XIX era ainda utilizado na Suíça. Os martelos pesavam 50 kg e davam 85 pancadas por minuto, com a altura de queda de 46 cm durando a operação seis horas. Cada bateria era composta por cinco martelos. 50 o processo de trituração por galgas é semelhante ao que, se utiliza nos lagares de azeite. No século XV este processo encontrava-se já muito difundido (TASC Ó N, 1 987). Na obra de Vittorio Zonca Novo Teatro de Machine et Edfice, datada do século XVII, uma gravura representa um engenho de galgas para moer carvão numa fábrica de pólvora. Se bem que António Cremer tenha instalado este processo em Fig. 2 Portugal, em 1 729, é possível que já tenha aqui funcionado em meados do século XVI, como se depreende da descrição dos engenhos de dois polvoristas da época, mestres João Luís e Pedro Affonso (alínea 4.2. 1 ) . Outros países que desde cedo também adoptaram este processo foram a Alemanha, a Inglaterra, a Itália e a Suécia. Fig. 5 - Fábrica de pólvora de Esson/le, França. Sistema de galgas accionadas por roda hidráulica. A lçado (DIDEROT e D 'A LEMBERT, 1 762- 1 772, PI. VlJ). 51 o tipo mais geral de um moinho de galgas consta de prato horizontal sobre o qual se movem, girando, dois cilindros ou galgas solidárias pelo mesmo eixo horizontal ao veio vertical, situado ao centro, que roda accionado por um sistema de engrenagem situado por cima das galgas (como em Essonne) ou por debaixo do prato (como em Barcarena). As dimensões, a forma e os materiais variavam consoante Fig. 5 os países e a época. Luiz MARDEL, 1 893, indica que, em 1 756, a fábrica de Essonne (França) dispunha de galgas de madeira. Tomás de MORLA, 1 800, refere que essa mesma unidade fabril dispunha de galgas de rocha quartzosa, a que se devem numerosos incêndios. Segundo este mesmo autor, os responsávei s pela fábrica não se atreviam a substituí-las por galgas de pedra calcária, as mais vulgarmente utilizadas em engenhos deste tipo, pelo receio infundado que alterassem a excelente qualidade da pólvora. Com o decorrer do tempo, a tendência geral consistiu na substituição das galgas de pedra por galgas de bronze. Em finais do século XIX as galgas eram quase todas de bronze ou de ferro, tal como o trilho e o prato (MARDEL, 1 893). Um dos principais defeitos das galgas de pedra consistia em absorverem com facilidade a água das regas. No que diz respeito à forma das galgas existiram excepções à forma cilíndrica como na Prússia, em que se utilizaram galgas de forma esférica, que tinham a vantagem de exercer uma pressão uniforme, evitando o perigo da fricção. Mostrou a experiência que a velocidade das galgas de 7 a 1 1 voltas por minuto foi a que melhores resultados deu, para as mais pesadas. Na realização do encasque, trituravam-se primeiramente os ingre­ dientes a seco; em seguida regavam-se com 2% de água, operação que se ia repetindo à medida que a superfície da pólvora se tornava pulvurenta. Quando a trituração e a mistura se consideravam suficien­ tes, diminuía-se a velocidade das galgas que durante ainda algum tempo rodavam vagarosamente até que a mistura "encascada" adqui­ risse a densidade e o grau de humidade convenientes. Os aparelhos de percussão (pilões e martelos) e de compressão (galgas) descritos eram accionados por força motriz obtida na grande maioria dos casos a partir da energia hidráulica ou tracção animal . Casos houve, todavia em que se aproveitou a energia eólica. 52 Em finais do século XVIII, os moinhos de pólvora na Holanda eram accionados pelo vento (MORLA, 1 800) . Em Portugal também existi­ ram engenhos utilizando esta fonte energética. Com efeito, sabe-se que mestre Simão Matheus, em meados do século XVII, inventou um sistema de moinhos de vento com c asa fixa e asas móveis (alínea. 4. 1 ). Com o decorrer do tempo, como se referiu anteriormente, a ti­ turação independente de cada um dos i ngredientes, ou a trituração binária (trituração enxofre-carvão, ou salitre-carvão, independente da trituração do terceiro ingrediente) começaram a ser cada vez mais utilizados. Estas operações podiam realizar-se recorrendo aos aparelhos atrás descritos, mas a partir do final do século XVIII, passou, em geral, a adoptar-se o denominado processo revolucionário, concebido em França, em 1 79 1 , por Carny. Com o advento da Revolução Francesa e o incremento da guerra, a Convenção viu-se na necessidade de utilizar processos mais expeditos para o fabrico da pólvora. Neste processo, também designado dos tonéis giratórios, utilizavam-se de início tonéis de madeira, nos quais se introduziam as matérias primas, que executa­ vam um lento movimento rotativo sobre um veio horizontal, acciona­ dos por uma roda hidráulica ou por tracção animal. Os tonéis levavam no interior 80 bolas de bronze que contribuíam para o efeito mecânico da trituração, dando-se esta por terminada ao fim de 2h de laboração (ARA, 1 945). Este processo foi instalado na grande fábrica de Grenelle, em Paris, na qual trabalhavam 1 800 pessoas e em que uma só roda accionada por quatro cavalos fazia mover dezoito tonéis (MORLA, 1 800). Nestes procedia-se à mistura dos ingredientes que haviam sido triturados isolamente. Um incêndio, seguido de explosão, em 1 794, fez milhares de vítimas e causou estragos até ao centro de Paris. Fig. 6 Em data mais recente, os tonéis de madeira foram substituídos por cilindros de ferro utilizando bolas ou cilindros de bronze e accionados por motores (nos cilindros rotativos mais modernos, a trituração e a mistura das composições binárias realizava-se entre 4 e 6 horas URBANSKI, 1 967) . Aparelhos mais recentes, como os moinhos Excelsior ou Gruson foram utilizados no decurso do século XX. Nestes dispositivos, as triturações binárias e as misturas binárias realizavam-se em simultâneo. 53 Fig. 6 - Antiga gravura ilustrando a dupla explosão que destruiu na noite de 23 de Julho de 1 750 a fábrica de pólvora negra de Zurique ( i n BIASUTl, sem data, p. 33). 54 A terceira operação fundamental do fabrico da pólvora consiste na mistua dos três ingredientes (salitre, carvão e enxofre) de modo a constituir uma pasta homogénea. Esta operação podia realizar-se inde­ pendentemente do encasque ou em simultâneo com ele. A mistura processava-se, dum modo geral, em duas fases: - preparação das misturas binárias, - preparação da mistura ternária ou final . S e a mistura e o encasque se realizavam e m simu ltâneo, empre­ gavam-se galgas ou pilões; se se realizava apenas a mistura dos três componentes, utilizavam-se tonéis misturadores. Em finais do século XIX utilizava-se, com frequência, o misturador francês, cilindro em couro, com veio revestido de madeira e coberto de couro, e com vários compartimentos contendo bolas de madeira. Mais modenamente, recorreu-se a cilindros rotativos de madeira ou ferro com diâmetro variando entre 1 , 1 e 1 ,7 m e comprimento entre 0,7 e 1 ,2 m. No seu interior apresentavam bandas soldadas longitudinais, com cerca 4 cm de espessura, para facilitar a remoção das substâncias. Estes aparelhos eram também carregados com bolas de madeira ou de bronze, ou com curtos cilindros de bronze. O regime de movimento variava entre 1 7 a 20 voltas por minuto (ARA, 1 945 ; URBANSKl, 1 967). Em algumas fábricas os três ingredientes eram humedecidos com 8- 1 0% de água, após o que eram misturados em cilindros de madeira com bolas de madeira, sendo a água introduzida no cilindro por um orifício especial (URBANSKI, 1 967). O encasque é uma operação que tem por finalidade conferir consistência à mistura tenária, aumentando a sua densidade de modo a conseguir-se um produto cuja ignição tenha lugar com a devida pro­ gressividade. Na primeira metade do século XX existiram fábricas aonde perdurava ainda o antigo processo dos pilões (ARA, 1 945). De um modo geral, porém, ao longo dos séculos XIX e XX, a maioria dos países foi optando pelo processo das galgas que, por um lado, permite um maior rendimento e por outro fornece um produto de superior qua­ lidade. Uma das máquinas de encasque mais utilizadas na primeira metade do século XX foi o moinho de Gruson, formado por duas grandes mós cilíndricas de ferro de fundição de primeira qualidade, de grande dureza, com cerca 2 m de diâmetro e 0,47 m de largura, pesando cada uma 5,5 t. Estas mós rodavam em torno de um veio central sobre 55 uma soleira que continha a mistura ternária, humedecida conveniente­ mente, sem que todavia as mós descansassem sobre o prato, ficando suspensas por um sistema de estribos, a muito curta distância deste (op. eit. ). Evitava-se assim que uma camada muito fina de pólvora ficasse sujeita a grande fricção. Este princípio de misturadores utilizando mós suspensas só foi introduzido em finais do século XIX; anteriormente a mó apoiava-se no prato constituindo essa operação a de maior perigo na manufactura da pólvora (URBANSKI, 1 967) . Durante o funcionamento da máquina, a mistura devia ser per­ manentemente molhada de modo a evitar que se levantasse pó do material submetido ao processo. No que respeita à velocidade de rota­ ção das mós em tomo do eixo central, o regime normal de funciona­ mento era de 3 a 4 voltas por minuto, reduzindo-se a 1 volta por minuto no último quatro de hora (ARA, 1 945). Antes de terminado o endurecimento, a massa era por vezes . prensada com vista a aumentar a sua densidade e a dureza da pólvora e, por conseguinte, a sua duração. Na fábrica de Grenelle já se havia utilizado um sistema primitivo de prensa, constituída por um conjunto de 25 tabuleiros de madeira, que continham a mistura primária saída dos misturadores, e que se encaixavam uns nos outros, ficando sujeitos a forte pressão sem que houvesse encasque prévio por pilões ou galgas. Em finais do século XIX utilizavam-se prensas de parafuso, hidráulicas ou de cilindros, dominando as hidráulicas na primeira metade do século XX. O material prensado era em seguida sujeito a secagem, a tempe­ raturas entre 20 e 30 °C . A operação seguinte na manufactura da pólvora, a granisação, permitia o fraccionamento do encasco em grãos de dimensão e forma convenientes, facilitando o uso, assegurando a conservação e permi­ tindo que a inflamção se propagasse em toda a massa com a rapidez necessária a um efeito mais enérgico e regular. A primeira referência conhecida sobre a pólvora granisada data de 1 425 e encontra-se no Firebook de Conrad von Schongau (MARSHALL, 1 9 1 7). Antes de se conseguir esta operação, havia grandes dificuldades em evitar a separa­ ção dos componentes da pólvora, quando esta era sujeita a vibrações. Foi em parte com o intuito de solucionar este problema que antigos 56 polvoristas adicionavam às suas pólvoras cânfora, sal amoniacal e goma, dissolvidos em aguardente vínica, receita que já aparece no Codex Germanicus, do século XIV. O processo mais primitivo para a realização da granisação consistia num peneiro de malha de dimensão adequada por onde o material encascado, depois de esmigalhado com um maço, era obrigado a passar, com o auxílio de um rolo (MARDEL, 1 893). Em finais do século XIX, conheciam-se três tipos de granisadores, dois dos quais foram utilizados até meados do século XX: os granisadores Lefevre, Congrave e de rotação. O granisador Lefevre consta de uma plataforma horizontal de madeira, de forma octogonal, com cerca de 2,5 m de diâmetro, que se suspendia do tecto com oito cordas. Sobre a base dessa plataforma, encontravam-se fixos oito a dez crivos triplos sobre os quais se vertia a massa a granisar. Um veio de rotação, accionado mediante uma engrenagem e solidário com um excêntrico, comunicava um movimento de vai-vem ao ritmo de 75 sacudidelas por minuto (ARA, 1 945). O granisador Congrave, ou de cilindros, consistia em quatro pares de cilindros de bronze, dispostos uns por cima dos outros, em degraus. Os cilindros tinham 0,76 m de largura e 0, 1 78 m de diâmetro e a distância entre os dois cilindros de cada par podia ser regulada. O material, depois de esmigalhado no par de cilindros superior, passava através dum crivo vibratório automático. Os pedaços retidos passavam para o par de cilindros seguinte que operava a uma velocidade inferior, formando pedaços mais pequenos, e assim, sucessivamente, até que no último par de c ilindros se produzissem os grãos com a dimensão desejada (URB ANSKI, 1 967) . O granisador rotativo constava d e dois tambores concêntricos com 1 , 1 5 e 1 ,25 m de diâmetro, de rede de latão adaptada a uma estrutura de madeira. A dimensão da malha da rede do tambor interior era de 7,5 mm, sendo a do tambor exterior de dimensão inferior, mas variável consoante a dimensão do grão requerida. Os tambores situavam-se numa caixa que estava ligada a um crivo vibratório através de uma manga de pele. O material encascado, após ter sido esmigalhado com maços, era lançado continuamente no tambor interior, próximo do veio. Como os tambores rodavam, as partículas quebravam-se até que os grãos apresentavam as dimensões desejadas. Seguidamente eram sepa­ rados por peneiração (URBANSKI, 1 967) . 57 o granisador de Lefevre apresentava maiores problemas de segu­ rança que os restantes, tendo cedo sido preterido a favor dos outros dois. Após a granisação, realizava-se a lustração , operação que tinha por objectivo aumentar a dureza e a densidade superficial dos grãos, alisando a sua superfície, diminui ndo-lhes a higroscopicidade e confe­ rindo ao produto acabado um aspecto homogéneo. Esta operação processava-se em cilindros rotativos com aduelas de madeira e aros de sustentação em cobre, que dispunham no seu interior de umas tiras de secção triangular, com ressalto, que aumentavam o atrito (ARA, 1 945). Uma vez carregado o tambor, aumentava-se gradualmente a velocidade de rotação até à velocidade de regime que dependia da dimensão do dispositivo, podendo variar entre 7 e 1 6 rotações por minuto. Neste processo o atrito recíproco dos grãos elevava a sua temperatura até cerca de 50 oe, a qual por segurança não podia ser excedida. Em certos países adicionava-se à pólvora grafite ou plumbagina em pó, algumas horas após o início da operação, com o objectivo de aumentar o brilho dos grãos e diminuir a higroscopicidade, reduzindo, todavia, a inflamabilidade. A duração da lustração dependia do tipo de pólvora que se considerava; para as pólvoras de caça, as que requeriam maior duração, esta era de 1 5 a 1 8 h. A operação seguinte, a secagem , tinha por objectivo baixar a humidade dos grãos a valores entre 0,75 e 1 ,05%, a que correspondem os melhores efeitos balísticos. A secagem podia processar-se por méto­ dos naturais ou artificiais. Nos primeiros, os mais primitivos, a pólvora era exposta ao ar l ivre e sob um sol suave. Era espalhada sobre panos dispostos numa eira com solo de argamassa ou ladrilhado, sendo revol­ vida de tempos a tempos com rolos de madeira. Esta secagem ao ar livre tinha vários i nconvenientes: a poeira trazida pelo vento sujava a pólvora e a exposição directa aos raios solares fazia, frequentemente, gretar os grãos, em consequência de evaporação demasiado rápida (MARDEL, 1 893). Posteriormente, em 1 632, Furtembach introduziu o primeiro método de secagem artificial, ao submeter a pólvora ao calor, através dumas caldeiras de cobre, que se aqueciam a fogo directo, com o natural risco de explosão (ARA, 1 945). Outros métodos de secagem artificial que funcionaram até data 58 recente (século XX) foram os seguintes (op. cit. ) : - Calefacção por vapor de água. B andejas contendo a pólvora eram introduzidas numa câmara com uma rede de tubos de calefacção onde circulava o vapor de água. A câmara dispunha de chaminé para escape do vapor de água libertado da pólvora. O secador dispunha ainda de um sistema de temperatura regulável. - Ar dessecado com cloreto de cálcio. Um fluxo de ar dessecado deste modo era insuflado em câmaras onde se encontrava a pólvora. - Secagem no vazio. Este sistema era menos utilizado por ser caro e dispendioso. A secagem era uma operação de grande importância que exigia ser realizada gradualmente, de modo a evitar que o salitre aflorasse à superfície dos grãos e, por outro lado, que aparecessem estrias na massa dos grãos, o que acarretava o aumento da superfície de combustão e d� higroscopicidade e perda de densidade. Após a secagem procedia-se à calibração dos grãos. Tratava-se de uma operação simples cuj o objectivo consistia em separar os grãos por classes de tamanho, utilizando-se sistemas de crivos, que podiam ser de vários tipos. A matéria pulverulenta que tinha passado através dos mais finos crivos nas operações descritas era novamente encascada e sujeita às operações subsequentes para se fabricar pólvora. As últimas operações do processo de fabrico de pólvora consistiam na homogeneização dos diferentes lotes e no empacotamento ou embarrilamento da pólvora. 3.3 Ensaios - Desde, pelo menos, o século XVII, época em que a indústria de pólvora já havia tomado uma certa importância, são conhecidos métodos e equipamentos destinados a ensaiar a capacidade explosiva de misturas ternárias. Os ensaios permitiam comparar entre si diversas pólvoras e verificar se as amostras eram conformes a determinados tipos. Anteriormente, a pólvora era sujeita a exame para " reconhecer se 59 o grão era rjo e não tinha pó " e a prova pelo paladar, para verificar se tinha suficiente quantidade de salitre (PALMEIRIM et aI, 1 855, p. 1 2). Luiz MARDEL, 1 893, p. 1 5 1 - 1 53, descreve os seguintes equipamentos para ensaio nas fábricas e nos polígonos: morteiro provete, provete de régua dentada, provete de mola angular ou de Regnier, provete pistola, provete português, provetes hidrostáticos, pêndulo balístico, canhão-pêndulo, espingarda-pêndulo, cronóscopos e cronógrafos. Apresenta-se seguidamente uma caracterização resumida destes equipamentos à excepção do provete português, de que se dá descrição mais completa. Morteiro provete o morteiro provete consiste em um morteiro que, com determinada carga de pólvora e com um ângulo fixo com a horizontal, lançava um projéctil esférico, metálico, denominado globo. Um morteiro provete foi adoptado em Portugal em 1 747, tendo sido utilizado em Outubro desse ano, junto ao Forte da Estrela, na Junqueira, para ensaiar amostras de diferentes pólvoras fornecidas por António Cremer. O morteiro provete utilizado em Barcarena em 1 893, bem como o globo, eram de ferro fundido, com dimensões idênticas às empregadas na época noutras nações europeias. O globo tinha o diâmetro de 0, 1 895 m e a massa de 29,370 kg. Fig. 7 Provete de régua dentada Inventado em 1 629, foi introduzido em Portugal por António Cremer em 1 740. Consta de um pequeno morteiro de ferro ou de bronze, com o respectivo ouvido fixo a uma placa de ferro, e de um obturador que se pode mover ao longo de prumos. Uma régua dentada solidária com o obturador pode ser retida por um travão articulado. Fig. 7 A explosão levanta o obturador e a régua dentada fica retida pelo travão, sendo a força da pólvora indicada pelo número do dente retido. 60 Fig. 7 - Morteiro proFere (56), proFere de roda denrada (57) e proFere de /IIola oll llular 1 .58). Reprodução da Estampa / / . " de MARDEL / 893 Provete de mola angular ou de Regnier Consta de uma mola de aço em forma de dinamómetro, tendo fixo a um dos ramos um arco de círculo graduado em graus. Um pequeno morteiro está fixo ao outro ramo da mola, na extremidade do limbo a ela ligada. A alma do morteiro é hermeticamente fechada por um obturador. Quando este se afasta da boca do morteiro por efeito da explosão, o ramo da mola l igado ao morteiro é arrastado. Fig. 7 Provete pistola Foi inventado por Saint-Remy em 1 697. Tem a forma de uma pistola de fechos de sílex. No sítio da câmara está disposto verticalmente um pequeno morteiro sobre o qual assenta um obturador, solidário com uma roda dentada, que uma mola prime, travando os dentes. O número de dentes que a roda anda em tomo do eixo mede a força da pólvora. Fig. 8 Provete português Foi inventado em 1 843 pelo membro da Academia Real das Ciências e Tenente da Escola do Exército Francisco Pedro Celestino Soares. Consiste numa câmara composta de dois cones unidos pelas bases que são abertas. A meia altura do cone inferior, existe outro cone, bastante pequeno, destinado a receber a c arga da pólvora pelo funil. O vértice do cone inferior termina por um tubo munido de torneira para extração da pólvora que se não tenha combustado. Um tubo de ferro bem calibrado, com a forma de U, comunica por um dos seus ramos com o cone inferior. A abertura da câmara para este tubo é resguardada por um ralo, ou rede de arame de malha muito fina, para evitar que a pólvora não inflamada passe através dele. Um pequeno candeeiro está disposto de forma que a chama se dirija para o vértice do pequeno cone que contém a pólvora a ensaiar. No tubo em U lança-se mercúrio até à altura de 28 polegadas e, no seu ramo externo, aplica-se uma haste de metal apoiada num êmbolo de miolo de sabugueiro. No cimo da haste, próximo da boca do tubo, está 62 Fig. 8 Fig. 8 - Provere pisrola (59), provere proruguês (60) e proveres hidrosráricos ( 6 / ) e (62). Reprodução da Esrampa /2. de MARDEL, /893 a adaptado num pincel embebido em tinta gorda. Acima do ramo exterior do tubo, há uma régua metálica graduada. Preparado o provete, abre-se a torneira e deita-se pelo funil uma porção de pólvora, tornando-se a fechar a torneira. Faz-se depois incidir a chama do candeeiro no vértice do pequeno cone até este chegar ao rubro. Inflama-se então a pólvora e os gases desenvolvidos fazem subir, no ramo exterior do tubo, o mercúrio e o cursor. O pincel deixa um vestígio de tinta na régua graduada, indicando a altura máxima a que sobe, e mostrando assim a força da pólvora. Feita a descarga, abre-se a torneira para recolher a pólvora que se não inflamou, descontando-se o seu peso. Este provete, segundo o seu autor, podia com vantagem substituir os então existentes, pois, além da exactidão que lhe atribuía, era de fácil transporte e podia usar-se em qualquer local. Provetes hidrostáticos o primeiro provete deste tipo foi construído por Regnier e·m 1 867. Constava de um pequeno morteiro, de ferro ou de bronze, montado no extremo de um tubo de l atão, graduado, que se apoiava num flutuador em forma de areómetro. Colocado o provete num vaso metálico com água destilada e provocada a explosão da pólvora no morteiro, o flutuador era impul­ sionado para baixo, lendo-se no tubo graduado a descida máxima provocada. O provete construído por Melsens em 1 862 era a de maior precisão Fig. 8 que o anterior, estando ambos representados na Fig. 8 . Pêndulo balístico Cassini utilizou, pela primeira vez, na medição da velocidade inicial dum projéctil a quantidade de movimento por este transmitido a um corpo de massa muito maior, susceptível de oscilação. Robins, em 1 740, aproveitou a ideia de Cassini para pôr a fuCionar um pêndulo 64 balístico de 22 kg com vista a avaliar a velocidade de uma bala de espingarda e a resistência do ar. Outros pêndulos deste tipo, mais apereiçoados, foram construídos em finais do século XVIII e inícios do século XIX. Os pêndulos antigos reduziam-se a uma haste de ferro tendo em suspensão uma massa considerável de madeira, na qual se dava o impacto dos projécteis. Além da madeira, outros materiais foram utilizados para a massa em suspensão, como o ferro fundido ( 1 820), o chumbo, areia fortemente comprimida em sacos de couro contidos em vaso de ferro ( 1 836) e até argila seca, para projécteis de pequeno calibre. Em 1 840 foi construído em Metz, por Morin e Didion, um pêndulo basicamente constituído por um receptor de ferro fundido, suspenso do eixo por meio de hastes. A alma do receptor tinha o fundo arredondado e era cheia de areia seca e calcada, sendo a boca tapada por uma folha delgada de chumbo, que evitava a saída da areia e a correspondente variação de massa. Na parte inferior do pêndulo existia um arco de círculo de cobre graduado, medindo-se o desvio produzido. Canhão-pêndulo e espingarda-pêndulo Estes dois instrumentos consistem de dois pêndulos: um com um canhão, ou uma espingarda, e outro com um receptor (alvo), constituído por uma caixa cónica na qual penetrava o projéctil . Os desvios máximos observados em cada pêndulo eram medidos por um cursor que se deslocava por arrastamento ao longo dum arco graduado. Inicialmente, era medido o desvio sofrido pelo pêndulo que suportava o canhão (ou a espingarda), em consequência de um disparo de pólvora seca (sem projéctil). Depois era disparado o projéctil e medido o desvio do pêndulo do receptor, sendo-lhe descontado o valor observado no disparo com pólvora seca. Os valores registados, bem como outras variáveis, eram introduzidos numa equação matemática para calcular a velocidade do projéctil. A utilização da electricidade, permitindo a construção de aparelhos electrobalísticos capazes de avaliar intervalos de tempo muito curtos e 65 de outros que registam graficamente a medida desses tempos, foi a causa da substituição do pêndulo balístico em finais do século XIX. Cronóscopos e cronógrafos eléctricos A utilização destes instrumentos, que apareceram em meados do século XIX, generalizou-se não só à balística, mas também a outros ramos científicos como a astronomia e a fisiologia. Os instrumentos electrobalísticos têm geralmente o nome de cronóscopos quando se utilizam para medir tempos muito curtos e cronógrafos quando registam a medida desses tempos. Wheatstone apl icou pela primeira vez, em 1 840, o electroma­ gnetismo à medição de intervalos de tempo muito pequenos, e, particularmente, à determinação da velocidade dos projécteis. O funcionamento baseava-se no princípio de projéctil cortar sucessivamente os fios de dois circuitos eléctricos, cada um deles montado num alvo e ligado a um pêndulo isócrono. O intervalo de tempo empregado pelo projéctil em percorrer a distância entre os dois alvos ficava marcado nos mostradores pela paragem automática de ponteiros dos pêndulos. Desde então, apareceram grande número de cronóscopos e cronógrafos, cada vez mais aperfeiçoados, chegando-se em finais do século XIX a poder medir 1 / 1 00 000 do segundo. O cronógrafo apresentado em 1 863 pelo major de artilharia Le Boulengé, de nacionalidade belga, e sucessivamente aperfeiçoado, estava adoptado em quase todas as nações europeias em finais do século XIX. Provavelmente era deste tipo o cronógrafo instalado em Barcarena, como mostra uma planta da Fábrica, datada de 1 883 (fig. I S). 66 4 - ALGUMAS FÁ BRICAS ANTIGAS EM PORTUGAL, NA EUROPA E NO NOVO MUNDO 4.1 Fábricas e Torres da Pólvora em territórios portugueses - Como se afirmou no Capítulo 2, é provável que o conhecimento do fabrico da pólvora tivesse sido introduzido na Península Ibérica pelos Á rabes e que esta mistura já pudesse ter sido aqui utilizada com finalidades incendiárias no decurso do século XIII ou mesmo antes (EUIEA). Mas foi o seu aproveitamento com fins balísticos que levou seguramente ao incremento do fabrico. Foi a partir do momento em que pela primeira vez se empregaram armas pirobalísticas em Portugal (seguramente, no cerco de Lisboa, em 1 384) que as primeiras fábricas devem ter aparecido, se bem que não fossem mais do que pequenas oficinas ou unidades artesanais. F. Sousa VITERBO, 1 896, contraria a opinião expressa por Augusto PALMEI RIM et ai., 1 855, de que as primeiras oficinas de pólvora datem apenas da época de D. Manuel, uma vez que existe documentação indicando que já anteriormente essa indústria havia atingido um elevado grau de desenvolvimento. As primeiras menções de artífices polvoristas de que se tem conhecimento datam do reinado de D. Afonso V (VITERBO, 1 896) tal como as primeiras disposições régias visando o armazenamento da pólvora (RODRIGUES, 1 974). Como já se referiu no capítulo anterior, conhecem-se duas cartas em que o rei faz mercê de tenças anuais ao 67 mestre do salitre e da pólvora Affonso Vasques, datadas de 1 442 e de 1 443, respectivamente. Noutra carta, datada de 1 466, o rei concede licença ao bombardeiro Balthazar de explorar salitre em todos os lugares do reino, o que leva a crer que também se dedicaria ao fabrico da pólvora. Conhece-se ainda uma carta dirigida por D. Afonso V, em 1 0 de Abril de 1 470, aos procuradores dos mesteres da cidade de Lisboa, em que o rei proíbe que se recolha pólvora em casas e armazéns da cidade, lembrando que devia ser armazenada na Torre da Pólvora. Pela primeira vez aparece referida esta Torre, local de armazena­ mento controlado pela autoridade real, sem que, todavia, haja indicação da sua localização exacta. Do reinado de D. João II conhecem-se pelo menos três mestres: Jorge, Pero ou Pedro Flamengo e Fernando (VITERBO, 1 896). O pri­ meiro era bombardeiro e em 1 490 foi encarregado pelo rei de ensinar o seu ofício ao segundo, assim como de fazer pólvora e todas as mais coisas do serviço de guerra que ele soubesse. Quanto a Pero ou Pedro Flamengo, a sua existência apenas está atestada pela carta régia enviada a mestre Jorge. Na carta régia enviada a Fernando, refere-se, tal como se indicou no capítulo anterior, que era castelhano, bombardeiro e mestre do salitre. É, porém, muito provável que se dedicasse também ao fabrico da pólvora. Uma das referências mais significativas que atestam o grau de desenvolvimento da indústria da pólvora no reinado de D. João II é a que vem citada no cap. LXII da Crónica de D. João, de Garcia de Rezende (VITERBO, 1 896). Nela se refere que em 1 486, tendo os rei s católicos, Fernando e Isabel, posto cerco a Málaga, cidade d o reino de Granada, se esgotou a pólvora no arraial cristão, havendo aqueles sobe­ ranos solicitado a D. João II "ajuda e socorro de polvora ou salitre emprestado ". ° rei mandou imediatamente armar uma grande caravela que, comandada por Estevão Vaz, transportou para a zona de conflito uma grande quantidade de pólvora e de sal itre, fornecida gratuitamente, e que veio possibilitar a tomada de Málaga em poucos dias. As primeiras fábricas da pólvora referenciadas documentalmente datam do reinado de D. Manuel I, encontrando-se uma delas localizada nas Portas da Cruz (uma das portas antigas de Lisboa, a última das da marinha, situada j unto da cadeia dos condenados às galés e perto da 68 ermida do Senhor Jesus da Boa Nova), ficando a outra localizada em Barcarena, onde também se construiu uma fábrica de armas (PALMEIRIM et al., 1 855). D. Manuel mandou também erigir às Portas da Cruz as tercenas, para casa (ou torre) da pólvora, oficinas de armas e fundição de artilha­ ria (OLIVEIRA, 1 89 1 ). A torre ficava contígua à fábrica e à fundição, o que em termos de segurança veio a levantar problemas. Estas tercenas que ocupavam todo o espaço onde funcionou mais tarde a Fundição de , Baixo (zona de Santa Apolónia) foram destruídas por um grande incêndio em 1 726. Como o fabrico da pólvora e a preparação dos fogos de artifício constituíam então ofícios a cargo de indivíduos apelidados polvoristas e artfices de fogo e uma vez que os artilheiros também eram obrigados a saber destes mesteres, é muito provável que existissem ainda outras pequenas unidades artesanais de fabrico. Com a expansão ultramarina, polvoristas houve que instalaram unidades fabris em vários pontos do Império. A maioria das referências documentais corresponde ao reinado de D. João III e a épocas poste­ nores. Mestre João Lu ís, condestável mor da Í ndia, ,exerceu a sua acti­ vidade nos reinados de D. Manuel e de D. João III a qual constava em guarnecer e aparelhar as armadas de artilharia, bombardeiros e artifícios de fogo (VITERBO, 1 896). Além de mestre da pólvora, era principalmente mestre fundidor de artilharia. A sua fábrica da pólvora situava-se em Goa e sabe-se que inventou um engenho que evitava os perigos a que habitualmente estavam sujeitos os operários. Numa carta por ele enviada ao rei em 1 527 faz a seguinte citação: "E asy ate ora os ingenhos da poluora que moyã com jente, onde pelligraua jente pelo foguo de se aceder nelles, e ora tenho feito hum ingenho nouamente que amdã as rodas fora da casa, em que ha de mou hua besta, onde ora nã pode pelligrar nenhua cousa " (Torre do Tombo, Corpo Chronologico, Parte I, maço 35, doe. 70, cit. por VITERBO, 1 896, p. I 8, 1 9). Outro importante mestre polvorista que exerceu a sua actividade la ) Í ndia, no reinado de D. João III, foi Pedro Affonso (ou Pedrafonso), cuja unidade fabril se situava em Chaul. Numa carta enviada por Ruy Dias da Silveira ao rei, datada de 1 548, refere-se que Pedro Affonso 69 inventara um engenho que funcionava com uma pedra muito pequena, que permitia a produção diária de quatro quintais de pólvora, com o gasto (também diário) de dois pardaus de oiro. Refere-se ainda que esta unidade apresentava uma rentabilidade superior à de João Luís, em Goa, que com quatro rodas e engenhos muito grandes produzia diariamente, apenas, três quintais de pólvora com o gasto de seis pardaus de oiro. Outro condestável mor dos bombardeiros de Goa, que também tinha a seu cargo o fabrico da pólvora, foi Guilherme de Bruges. Na sua carta de nomeação, datada de 1 538, refere-se que os engenhos da pólvora de Goa dispunham de pias e pilões. Em B açaim deve também ter existido, nesta época, uma oficina da pólvora, segundo se depreende duma carta enviada desta praça, em 1 548, pelo vedor da fazenda Simão Botelho, na qual este refere produzir diariamente ali , nessa data, três quintais de pólvora com um engenho pouco custoso que mandou fabricar (VITERBO, 1 896). Na época do governador Nuno da Cunha ( 1 529 - 1 538) os arsenais da Í ndia parece terem alcançado um elevado grau de aperfeiçoamento pois tudo o que respeitava a material de guerra lhe merecia um especial cuidado (ap. cit. ) . No reinado de D. João III foi recebida na Torre da Pólvora, entre Agosto de 1 524 e Outubro de 1 53 1 , dos mestres que a fabricavam, 23 quintais e 1 2 arrátei s de pólvora de bombarda e 32 quintais, 2 arrobas e 29 arráteis da de espingarda (ap.cit. ) . Numerosos devem ter sido os acidentes causados por explosões nas unidades fabris artesanais e nos armazéns da pólvora, e que punham em risco a vida e os bens dos moradores nas áreas contíguas. Uma das maiores catástrofes que houve em Lisboa ocorreu no dia 1 3 de Dezembro de 1 576 e resultou de uma explosão da pólvora que se encontrava armazenada em grande quantidade (250 quintais) nas ter­ cenas situadas próximo da igreja de Santos. Esta explosão matou e feriu um grande número de pessoas. El-rei D. Sebastião, que habitava nessa época os paços de Santos-o-Velho (OLIVEIRA, 1 887-94) havia, por sorte, partido dois dias antes para Guadalupe (Castela). V ários mestres polvoristas foram vítimas destes acidentes. F. Sousa VITERBO, 1 896, refere três que apresentavam cegueira em resultado, provavelmente, de explosões. , 70 Com o início do século XVII, e à medida que as necessidades da pólvora aumentavam, o número de estabelecimentos fabris e de arma­ zéns deve ter acompanhado tais solicitações, se bem que a produção nacional não fosse de modo nenhum suficiente para satisfazer as necessidades do País (em 1 642 só havia no reino três polvoristas), tendo-se recorrido a importações da Flandres, Alemanha e Biscaia (PALMEIRIM et ai., 1 855). No reinado de Filipe II de Portugal a fábrica de Barcarena sofreu melhoramentos, com a construção de novos engenhos, o que consta de uma carta régia de 1 6 1 8 dirigida ao vice-rei da Í ndia (VITERBO, 1 896). Em data indeterminada, mas provavelmente em finais do século XVI / inícios do século XVII, foi elevada uma torre da pólvora no sítio da Pampulha que veio a ser desafectada em finais do século, pelo perigo que constituía para os moradores da cidade (OLIVEIRA, 1 887). No decurso do século XVII assistiu-se, principalmente, à instalação de fábricas da pólvora no Ultramar. Uma importante fábrica da pólvora foi construída em Goa, por conta da fazenda nacional, no governo do vice-rei D. Francisco da Gama, tendo sido concluída em 1 630 pelo Conde de Linhares. Situava-se em Panelim entre o hospital e a capela de S. Marçal, e, sobre a porta princi­ pal por debaixo de uma imagem de Santa Catarina, podia observar-se a seguinte inscrição (VITERBO, 1 896, p. 1 2) : REINANDO E PORTUGAL O CATO­ UCO REI DOM FIUPE 3° M ANDOU A CIDADE FAZER TODA A FA­ BRICA DESTA CASA DA POL­ VORA DO DINHEIRO DE H U M POR CENTO SENDO VISO REI DESTE ESTADO DOM FRANCISCO DA GAMA CONDE ALMIRANTE O QUAL A PRINCIPIOU E A ACA­ B OU E POS NA PERFEIÇAM EM QUE ORA ESTÁ O VISO REI DOM M IGUEL DE NORONHA CONDE DE UNHA­ RES ANNO DE 1 630 71 A fábrica encontrava-se dentro de altos muros com todas as instalações necessárias separadas (instalações para as caldeiras do refino e da cristalização e para os engenhos, peneiros e estufa) havendo muita abundância de água. Eram utilizados búfalos para mover os engenhos e a pólvora fabricada e enxuta era imediatamente transfe­ rida para depósitos na fortaleza da Aguada e Reis Magos. Durante a invasão de 1 739 esta unidade fabril foi transferida para Mormugão (PALMEIRIM et aI., 1 855). Quanto ao Brasil, se bem que as primeiras unidades fabris muito provavelmente se tivessem estabelecido no decurso do século XVI, nas principais capitanias, a informação de que se dispõe é bastante escassa. F. Sousa VITERBO, 1 896, refere que, para finais deste século, ser provável que Manuel de Padilha, além de mestre do salitre, tivesse sido polvorista com oficina em S. Salvador, na Capitania da Baía de Todos os Santos. Outro mestre da pólvora estabelecido seguramente nesta cidade, então sede do goveno geral, foi António Luis Santa Cruz nomeado por alvará de 1 6 1 3 mestre da póLvora do estado do Brasil. Existem ainda referências a fábricas da pólvora noutros pontos do território português : desde meados do século XVI terá existido uma unidade na Ilha Terceira, segundo se depreende de uma carta real de 1 589 em que se refere que mestre Mice de Torres fora condestável dos bombardeiros da Ilha Terceira e polvorista dela durante mais de trinta anos. Em iníc ios do século XVII o licenciado António Ferreira de Betencor ofereceu-se a Filipe II para mandar vir para os Açores um salitreiro para descobrir e lavrar salitre, e um polvorista para fabricar pólvora, a troco de certa benesse. El-rei por alvará de 1 6 1 9 aceitou a oferta, com condições (VITERBO, 1 896). Uma outra localidade onde terá existido uma unidade que talvez tenha apenas funcionado de modo provisório é Ceuta. Sabe-se que Affonso Martins acompanhou D. Sebastião ao norte de África, como mestre da pólvora, e que refinou toda a que havia em Ceuta (op. cit. ). No reinado de D. João IV as necessidades em pólvora aumentaram bruscamente em consequência da guerra da Restauração, havendo o rei protegido, muito particularmente, a actividade dos polvoristas. Nessa época existiam em Lisboa diversas fábricas ou moinhos, o que punha em perigo as casas próximas e em sobressalto os seus moradores. 72 Por tal facto, houve repetida correspondência entre a Câmara de Lisboa e o poder central para afastar essas fábricas da urbe, evitando-se desse modo danos resultantes de explosões que eram frequentes. No quadro seguinte apresenta-se a localização, em Lisboa e nos seus arredores, das unidades de que se tem conhecimento, para a segunda metade do século XVII, bem como o nome dos respectivos mestres pol voristas: Lisboa NÚMERO LOCAL DATA DA DE ENGENHOS Rua de S. Boaventura ? Portas da Cruz NOME DO POL VORISTA REFERÊNCIA DOCUMENTAL Affonso Matheus 2 1 627 (a) Fi l ippe Ribeiro 1 65 1 (a,c) Manuel Matheus 1 65 2 (c); 1 65 3 (a,b) Carlos de Sousa Azevedo 1 67 3 (c) 4 António da Maia 1 650 (b) Bai rro Alto I João Matheus Penha Longa 3 Antonio da Maia S i mão Matheus 1 65 5 (b) I Lucrecia Antunes 1 653 (b) Rua da V i nha (Bai rro Alto) S i mão Matheus (Madalena ?) Rua Formosa 1 650 (b); 1 655 (b) 1 65 5 (b) 1 65 2 (b); 1 654 (b) (S. M i guel ?) Arredores próximos de Lisboa LOCAL NÚMERO DE ENGENHOS NOME DO POLVORISTA DATA DE REFERÊNCIA DOCUM ENTAL Campo Pequeno I S i mão José 1 65 5 (c) Alcântara 5 Carlos de Sousa Azevedo 1 690 (c) Junqueira ? C. Sousa Azevedo (filho) 1 70(c) (demolição) a) VITERBO, 1 896; b) OLIVEIRA, 1 887-94; c) PALMEIRIM et al. , 1 855. 73 A existência de tantos engenhos no interior da cidade causava na reali­ dade situações de angústia permanente aos moradores das vizinhanças, como se infere da seguinte descrição relativa à oficina de Simão Matheus, no Bairro Alto, e que consta de uma petição da Câmara ao Rei datada de 1 650 (OLIVEIRA, 1 89 1 , p. 244): " ... tendo n 'eLle mostrado a experiência multiplicados desastres no mesmo moinho, nos quaes, se a misericórdia de Deus não obrára, como evidentemente obrou, no tempo da última notificação se pudera occasionar ruína de todo aqueLle bairro e da maior parte da cidade, porque os oficiaes que foram fazer a dita notificação acharam no moinho alguns homens abrazados e uma mula, só do fogo que se accendeu no pisão, que se entrára n 'outra casa em que estavam mais de 80 barris de pólvora, não ficára no bairro, nem em muita parte da cidade, pessoa viva, nem edfício em pé". Como resultado das sucessivas petições que a câmara enviava ao rei para proibir a laboração das fábricas de pólvora localizadas na área urbana de Lisboa, os polvoristas foram a pouco e pouco transferindo as suas unidades para a zona de B arcarena, em particular. Por outro lado a realização de um contrato, em 1 68 1 , entre o Estado e o mais importante polvorista da época, Carlos de Sousa Azevedo, em que este se obrigava "a fazer toda a pólvora, para que houvesse salitre " estabeleceu o monopólio de facto, acabando indirectamente com todas as outras pequenas fábricas (PALMEIRIM et ai. , 1 855). De todos os polvoristas atrás citados, sobressaiu-se, pelo espírito engenhoso manifestado, Simão Matheus, que inventou, como atrás se disse, um sistema de moinhos de vento diferentes dos ordinários, com casa fixa e com quatro asas que se moviam em circuito podendo trabalhar com todos os ventos. Por tal invenção concedeu-lhe D. João IV privilégio através de um Alvará de 1 654 (VITERBO, 1 896). Este mesmo mestre da pólvora instalou um engenho na cidade de Elvas que laborou a partir de 1 650 (OLIVEIRA, 1 89 1 ) . Desta época tem-se também informação de unidades fabris existentes no Brasil, nas capitanias do Rio de Janeiro e da Baía de Todos os Santos. No último ano do reinado de Filipe III foi nomeado António Matheus, em Março de 1 640, para polvorista do Brasil com assento na B aía. Em 1 648, D. João IV nomeou Manuel Matheus, para 74 polvorista da capitania do Rio de Janeiro, devendo substituir na B aía António Matheus, se porventura este j á tivesse falecido (VITERBO, 1 896). Há também referências desta época a uma oficina de refinação de pólvora que terá sido montada em Angola pelo capitão engenheiro Luiz Mendes Henriques, entre 1 680 e 1 694. Este capitão, além de se ter notabilizado como arquitecto e cartógrafo, construiu todos os aparelhos necessários ao refino da pólvora, o que lhe permitiu elaborar fogo de artifício, com que se intimidou o gentio, e carregar duzentas granadas (op. cit. ) . Em meados d o século XVII a Torre d a Pólvora, situada próximo das Portas da Cruz existia ainda, o que levantava problemas de segurança, como se verificou na descrição contida num documento de 1 652 (OLIVEIRA, 1 89 1 , p. 353): "os armazens para o tráfego e quantidade de pólvora são limitados: é só a torre, cujo armazem do meio é abobadada, e o que a cobre telhado com forro como de qualquer casa; os que ficam por baixo dos da vivenda, sendo trez e os mais pequenos, são os mais seguros; o que chamam os dos paioes, que é o maior de todos, e aloja a maior quantidade de pólvora, é de telhado, também o forro mui fraco; o de Sto. António, que novamente se fez, também da mesma forma forrado, e todos estes correm risco com o fogo que continuamente se deita nas festas das igrejas circunvizinhas, que sobre estes telhados veem muitas vezes cair os foguetes". Em 1 67 1 iniciou-se a construção da Torre da Pólvora da Lapa da Moura, cuj a construção ainda não estava terminada em 1 693 (PALMEIRIM et ai., 1 855). Nos primeiros anos do século XVIII construiu-se uma nova torre em Beirolas para depós-to da pólvora, ficando a da Lapa da Moura para salitre e enxofre (op. cit. ) . Além destes armazéns, construiu-se outro em Braço de Prata, ou VaI Formozo, em 1 748 (op. cit. ) , sabendo-se ainda ter existido uma torre perto da Pimenteira. Em 1 728 foi edificada, por António Cremer uma nova fábrica em Alcântara, havendo estabelecido neste local as oficinas necessárias, com quatro engenhos, movidos a bois, e os pratos e galgas de pedra, que mandara vir da Holanda. Estes engenhos deixaram de funcionar em 75 1 763, passando, apenas, a realizar-se nesta unidade a trituração das matérias primas. A partir de 1 786 apenas se passou a processar, em Alcântara, a refinação do salitre e do enxofre. Augusto PALMEIRIM et al., 1 85 5 , referem a existência, em meados do século XVIII, das fábricas de pólvora do Conde de Villa-Nova e do Cartaxo, explicando a sua existência como sendo provavelmente o resultado de o contrato que havia conferido o exclusivo a Cremer haver terminado em 1 740. Estas fábricas parece, todavia, não haverem prosperado, pois nada mais constou a seu respeito. A partir de meados do século XVIII a quase totalidade da pólvora, em Portugal Continental, era produzida em Barcarena. O produto da venda da pólvora fabricada em Portugal chegou a ser considerável em finais do século XVIII - inícios do século XIX, o que se explica pelo domínio dos canais comerciais com uma vasta área do Novo Mundo. Entre 1 778 e 1 807 a venda da pólvora foi, indubitavel­ mente, uma fonte de riqueza para o Estado português (PALMEIRIM et al., 1 855). Em 1 8 1 1 foi construída, por conta do Estado, a Fábrica da Pólvora do Rio de Janeiro, tendo definido a Carta Régia de 22 de Julho, para mercado da sua produção, toda a costa da Á frica Portuguesa, o que veio a limitar muito a exportação da pólvora produzida na fábrica de Barcarena. O comércio da escravatura com o Brasil, que se encontrava em mãos portuguesas, atingia nessa época o auge e na maior parte dos · casos fazia-se a troco de pólvora. Todos os navios de longo curso eram armados em guerra adquirindo pólvora para este armamento, de que também se serviam para o comércio. Contavam-se por centenas os que anualmente entravam e saíam do Tejo com destino às colónias portuguesas do Brasil, Á frica e Á sia (ap. cit. ). Com a independência do Brasil, que dispunha de outras unidades fabris além da do Rio de Janeiro, como a fábrica da capitania de Minas Gerais (cujo inspector geral era Nogueira da GAMA, 1 803), a situação mais se agravou, tendo-se assistido à proibição da entrada da pólvora portuguesa em muitos portos brasileiros. Mas, se bem que em meados do século XIX o Brasil ocupasse urna importante posição no comércio da pólvora para Á frica, os Estados Unidos e os países que constituíam a América espanhola também se encontravam envolvidos neste circuito comercial. 76 o contrabando e o fabrico clandestino da pólvora também ganharam, nesta época, notável incremento com prejuízo da Fazenda. De entre as fábricas clandestinas sobressaíram as do Porto, a de Lixa (dirigida por um antigo mestre de Barcarena) e outra situada próximo de Guimarães (op. cit. ) . De referir, finalmente, ter a Comissão dirigida pelo brigadeiro Augusto PALMEIRIM, 1 855, focado no seu Relatório, a possibilidade de se fundar em Luanda uma fábrica da pólvora, com base na abundância de enxofre e salitre existentes em Angola, parecer que, todavia, nunca foi concretizado. No final do século XIX dá-se o apareci mento das pólvoras nitrocelulósicas (ou pólvoras sem fumo, como eram conhecidas) com o registo da patente de Nobel em 1 888. Com um atraso de apenas 1 0 anos relativamente a esta data, surge em 1 898 a Fábrica de CheIas, destinada à produção daquele tipo de pólvoras, cuja construção esteve a cargo do ilustre técnico e político António Correia Barreto ( B ARATA, 1 980). 4.2 Algumas fábricas antigas da Europa e do Novo Mundo - 4.2.1 Fábricas de Espanha e de Nova Espanha - Apresentam-se algumas notas sobre fábricas de pólvora espanholas movidas a energia hidráulica, localizadas no continente europeu, tendo como base a obra de Ignacio T ASC ÓN, 1 987. Trata-se de obra bastante completa, viabilizando descrição resumida das principais instalações do país vizinho. Pamplona A fábrica da pólvora de Pamplona dispunha em 1 742, essencial­ mente, dos seguintes sistemas: - O carvão moía-se numa atafona de galgas movida por animais de tiro. - Uma roda hidráulica de pás, de tipo vitruviano, accionava um total de 40 pilões para a mistura dos ingredientes. 77 - Salitreira, secador de pólvora e armazém com abóbodas de segurança. Esta fábrica deixou de funcionar, ainda no século XVIII, em resultado de uma grande explosão. ViIlafeliche Este complexo industrial aragonês utilizava uma acéquia ou canal de derivação do rio Jiloca. A sua caracterização, para o século XVIII, pode ser feita do seguinte modo: - Utilizava-se carvão de salgueiro que não sofria moenda prévia. - O enxofre era depurado por fusão, esfriado e moído em atafonas de galgas. - A mistura destes ingredientes com o salitre purificado fazia-se nos almofarizes dos pilões, sendo aqueles de pedra e estes de Fig. 3 madeira. - Cento e sessenta e cinco moinhos, accionados por outras tantas rodas de pás (tipo vitruviano), dispunham-se ao longo do canal, dispondo cada moinho de três pilões. - A granisação era feita num arneiro de pele e a lustração em barris giratórios de madeira accionados pelas rodas hidráulicas dos pilões. Em finais do século XVIII o número de moinhos aumenta para 1 80, entrando o complexo em rápida decadência no século XIX. Múrcia As duas fábricas de pólvora de Múrcia (Fábrica Velha e Fábrica Nova) situavam-se numa horta nas imediações de Múrcia, na margem esquerda do rio Segura, e foram descritas por Tomás de MORLA ( 1 800) . Na época deste autor pode caracterizar-se, resumidamente, o sistema da Fábrica Velha, do seguinte modo: - Dispunha de dezasseis moinhos, cada um deles accionado por uma roda hidráulica de pás, de tipo vitruviano. 78 - Cada roda accionava oito pilões em madeira de azinho, sendo as pias de pedra calcária ou mármore. - A granisação da pólvora era feita num edifício específico, bem como a lustração, realizada em dois tonéis rotativos accionados por uma roda hidráulica. - Após a secagem em mantas, a pólvora passava para crivos de calibração. Quanto à Fábrica Nova, um canal de derivação da acéquia principal da Huerta, bifurcava-se em dois, que entravam no recinto da fábrica. Cada canal tinha nas suas margens dois edifícios com moinhos, tendo existido um total de 1 0 moinhos. No centro do recinto encontrava-se o edifício de lustração cuja roda recebia água de uma derivação de um dos canais. Granada No século XVIII existiam duas fábricas próximo de Granada, nas faldas da serra Nevada referenciadas por Tomás de MorIa. Uma das fábricas, situada a três quartos de légua de Granada, tinha dois moinhos; a outra, a uma légua e um quarto da cidade apenas dispunha de um. Cada moinho possuía uma roda de cubos (azenhas) que accionava dez pilões para a trituração e mistura. A fábrica dispunha ainda de engenhos para moer o salitre e o enxofre, movidos por uma roda vertical. A granisação e a lustração faziam-se de modo análogo ao das outras fábricas descritas. Ruidera A fábrica de Ruidera, situada proxlmo de Alcázar de San Juan (Ciudad Real), utilizava as águas de antigo leito do Guadiana, tendo sido edificada entre 1 770 e 1 780. Uma das lagoas de Ruidera, a "laguna deI Rey " actuava como sistema regulador. O canal de alimentação divide-se em dois: o mais importante accionava as rodas de pás dos moínhos dos pilões, instalados a vários níveis, aproveitando a topografia acidentada; o menos importante accionava os engenhos de 79 moagem (galgas) do carvão, do salitre e do enxofre, que se encontravam separados uns dos outros. As pias eram talhadas na pedra e os pilões idênticos aos de Villafel iche. Manresa A fábrica de pólvora de Manresa (Barcelona) dispunha de moinhos, accionados por rodas de pás, cada uma das quais fazia mover quatro pilões de madeira que misturavam os i ngredientes em pias de pedra calcária. O veio dos excêntricos dos pilões era refrigerado através de um canalete que vertia água nos locais de maior atrito. Para a lustração utilizavam-se barris rotativos accionados por uma roda hidráulica independente. Em finais do século XIX as UnIcas fábricas estatais em funcionamento eram as de Múrcia e de Granada (MARDEL, 1 893). Referem-se de seguida as principais fábricas da pólvora movidas a energia hidráulica, localizadas na Nova Espanha com algumas notas descritivas extraídas de T ASC Ó N, 1 987, e, principalmente, de TASC ÓN et ai. , 1 99 3 . Os sistemas de fabrico da pólvora instalados no Ultramar Espanhol apoiaram-se em modelos desenvolvidos no Continente Europeu, em particular no de Villafeliche. Os engenhos de pólvora mais antigos de que há referências, são os que se instalaram, cerca de 1 550, a oeste da cidade do México (Cosio, 1 975, p. 26 1 , cito por TASC ÓN, 1 987), aproveitando o canal de abastecimento que ia de Chaputelpec para a cidade. Passado pouco tempo, a Real Fábrica de Pólvora de Nueva Espana foi ampliada, adicionando-se três novos moinhos e um engenho de lustração. Esta fábrica explodiu em 1 784. Em 1 780 construiu-se uma outra fábrica, próximo de Santa Fé, a três léguas da capital, cujos engenhos de pilões eram accionados por rodas hidráulicas. Oitenta mestiços faziam mover os granisadores. Também no Perú se construíram fábricas de pólvora. A primeira referência à util ização de rodas hidráulicas em fábricas de pólvora data 80 de 1 589 e é relativa à aldeia de Santa Inês. Na Fundação de Lima de Bernabé Cobo, terminada em 1 639, há uma referência a três engenhos de pólvora instalados ao longo de canais nas margens do rio Rimac (TASCÓ N et al., 1 993). Estes engenhos vieram a ser substituídos pela Real Fábrica da Pólvora, construída intramuros de Lima, sob mandato do Vice-Rei Amat ( 1 76 1 - 1 776). Os novos engenhos (três) tiveram como modelo os de Villafeliche, sendo as rodas de pás de tipo vitruviano. O grande químico francês Loui s Proust, director do Real Laboratório de Química de Segóvia, ao analisar, em 1 787, amostras de pólvora de Lima verificou ser esta de qualidade superior à produzida em Villafeliche que na época era afamada. Em Santiago do Chile também se estabeleceram moinhos de pólvora, aproveitando as águas do rio Mapocho, como fonte energética. Em 1 800 estabeleceu-se uma acéquia a partir deste rio, conhecida pelo Canal da Pólvora, que dava força motriz a uma grande roda hidráulica que accionava, mediante excêntricos, vinte e dois pilões. No reino de Nova Granada houve uma fábrica de pólvora em Tunja (Colômbia), que já não era utilizada na segunda metade do século XVIII, e outra em Antioquia com nove engenhos. Esta última foi desenhada pelo sábio e herói de Popayán Francisco José de Caldas ( 1 768 - 1 8 1 6) e apresentava, como inovação mais notável, as pias assentes em leitos de borracha tendo em vista o amortecimento dos impactos dos pilões, o que reduzia a possibilidade de saltarem chispas, diminuindo, pois, o risco de explosão. É de referir, finalmente, uma fábrica de pólvora construída nas Filipinas, em San Juan Baptista de Calamba (Luzón). Num documento que representa o estado de situação das obra, assinalam-se dois engenhos com as respectivas rodas hidráulicas e outros quatro projectados. Outro documento, datado de 1 773, representa um moinho que tem como modelo Villafeliche (engenho com uma roda de pás e três pilões). 4.2.2 A lgumas fábricas europeias - Apresenta-se de seguida uma breve referência a outras fábricas europeias que laboravam em finais do século XIX, segundo Luiz MARDEL, 1 893. 81 Quase todas as nações europeias dispunham de uma ou mais fábricas dependentes do Ministério da Guerra, sob a direcção da Arma de Artilharia, com os objectivos essenciais de se precaverem da indústria particular, e de poderem fazer estudos e ensaios de novas pólvoras. As principais unidades estatais eram as seguintes: país Á ustria Baviera Bélgica França Holanda Inglaterra Itália Noruega Prússia Rússia Suécia Suíça fábricas Stein Ebenhausen Não possui fábrica estatal ; recorre à de Wetteren Angoulême; Esquerdes; Saint-Médard; Saint-Pouce; Toulouse; Sevran-Livry; Pont-de-Buis; Vouges; Saint-Chamas; Ripauld; Bouchet Muiden Waltham Abbey Fossano; Scafati Skars Spandau; Hanan Okhta; Chostka; Kazan Aker; Torsebro Worblaufen; Kriew ; Croire; Lavaux 82 5 A FÁ BRICA DA PÓ LVORA DE BARCARENA - 5.1 Nota histórica - As origens da Fábrica da Pólvora de Barcarena remontam ao século XVI, época de florescimento comercial e industrial, em que a desco­ berta do caminho marítimo para a Í ndia tem papel relevante. O intercâmbio comercial então estabelecido é estimulante e enriquecedor; as primeiras caravelas levam até às " partes do Oriente" as nossas peças de artilharia e os nossos barris de pólvora (PEREIRA, 1 979, p. 1 1 9). Da Í ndia, entre muitos e valiosos produtos provém o salitre, compo­ nente indispensável ao fabrico de pólvora em grandes quantidades, de forma a corresponder às crescentes necessidades daquele composto. Como consta do Alvará de 1 8 de Maio de 1 6 1 7, determinava-se que as naus vindas da Í ndia trouxessem a maior quantidade possível de salitre. Nos finais do século XV, reinado de D. João II, tinha Portugal salitre e pólvora em abundância o que permitiu, como j á foi referido, o seu fornecimento aquando da conquista de Málaga aos Muçulmanos, pelos Reis Católicos, durante a qual, devido a prolongado cerco, a sua escassez se fazia sentir (VITERBO, 1 896) . No entanto, devido à conquista e estabelecimento de comércio com a Í ndia, tornou-se urgente a reorganização e reforço da armada e arma­ mento. Tendo como base um bom nível técnico devido a melhoramen­ tos obtidos, no advento do século XVI, impôs-se a criação de oficinas e 83 fábricas de pólvora, que assim foram instituídas por D. Manuel em dois locais distintos: uma às Portas da Cruz Uá antes mencionada) e outra em Barcarena, onde é instalada uma oficina com um moinho de pólvora. Em ambos os locais são também criadas oficinas de armas, distinguindo-se a de B arcarena, intitulada "Ferrarias d'EI Rei" (SILVA, 1 863, p. 292 ) . Nela se fabricavam armas brancas e de fogo, as últimas das quais se produziram até finais do século XVII ou inícios do seguinte. Deste modo, estabeleceram-se em B arcarena vários mestres ver­ sados no fabrico de pólvora, que nesta altura constituía um ofício, sendo designados como polvoristas. Para esse efeito foi escolhida uma propriedade, junto à ribeira de Barcarena pertencente ao vínculo instituído por João de Dorido, sendo firmada posteriormente por escri­ tura de 2 de Fevereiro de 1 589. Segundo consta, poderia "arbitrar à fazenda servir-se desta propriedade pelo prazo de quatro moios de trigo por anno" . Segundo MARDEL ( 1 893, p. 68), assim organizou D. Manuel as primeiras fábricas da pólvora ou moinhos de pilões, muito semelhantes aos usados ainda nos finais do século XIX, mantendo-se o processo estabelecido por Harcher, em 1 435, em Nuremberg, referido em tratado de pirotecnia de 1 540: . . . de todos os processos de fabrico da pólvora, o mais seguro e que oferece menos trabalho e difficuldades, é o de fazer a trituração n 'uma oficina onde a água faz mover uma grande roda, cujo eixo, levante pilões fortes e pesados de madeira rija ou de bronze, para depois cabrirem em cavidades abertas n 'uma viga de carvalho. . . . . . No reinado de D. Filipe II, foram instalados em Barcarena novos engenhos aumentando assim a sua produção (VITERBO, 1 896, p. 9). No entanto, estes melhoramentos, criados por iniciativa real, não chegavam para suprir as crescentes necessidades daquele produto, pelo que, no reinado de D. João IV, foram montadas algumas fábricas por particulares na freguesia de Barcarena e em Lisboa. O governo contratava-lhes o fornecimento de pólvora mediante preço estipulado por quintal ; em contrapartida, fornecia o salitre. Além da importação deste produto da Í ndia, procurava-se explorá-lo também no Rei no. Estabeleceu- se uma fábrica em Lisboa e outra em Torres Novas, em 1 644, por iniciativa do francês Antoine Rutier, ao serviço de Portugal " ". 84 quando das Guerras da Restauração. ° contrato celebrado a 3 1 de Maio de 1 644 estendeu-se a outros técnicos. Porém, o salitre obtido em Portugal no século XVII "nunca chegou a ter quantidade tal que dispensasse a sua importação, principalmente da Índia " (CORDEIRO, 1 854, p. 7), como já se referiu. Apesar do perigo que constituiam, dada a sua proximidade de povoações em crescimento, após a restauração de 1 640 devido à escassez de pólvora sentida estas fábricas continuavam a sua laboração. Porém como eram contínuas as explosões e i ncêndios, foram desmanteladas em 1 65 1 , ficando apenas em funcionamento a Fábrica de B arcarena, que assim via acrescido o seu estatuto e importância. Com efeito, esta medida abrangera também as fábricas da Rua Formosa e das Portas da Cruz em Lisboa (apesar desta resolução, a das Portas da Cruz só seria arrasada mais tarde, dada a grande escassez de pólvora). Segundo consta de diversos documentos, em 1 642 só existiam três polvoristas em todo o Reino. No que respeita a B arcarena, sabe-se que a 1 2 de Janeiro de 1 645 era feito contrato de arrendamento a Afonso Matheus, polvorista, do moinho da Fábrica de B arcarena, passando depois esse contrato a Manuel Matheus. A este último, por despacho do Conselho da Fazenda de 28 de Fevereiro de 1 652, é também entregue a oficina das Portas da Cruz, antes da sua destruição após a resolução de 1 65 1 . Aí residia com a sua família. Após o seu falecimento em 1 673, é apresentado à Câmara requerimento de seu irmão Simão Matheus e sobrinho, Carlos de Sousa Azevedo, solicitando a concessão dos moinhos de B arcarena. Para evitar confrontos, e por critério de antiguidade (B ARREIRA, 1 986, p. 3), concedeu-se ao Tenente General Simão Matheus os moinhos de Barcarena e a Carlos de Sousa Azevedo o das Portas da Cruz. Manuel e Simão Matheus, polvoristas, eram filhos de António da Maia, que possuía uma fábrica de pólvora em Elvas. Em 1 65 3 Simão Matheus possuía na fazenda de Gaspar Freire de Andrade, junto à ribeira de B arcarena diversos moinhos (OLIVEIRA, 1 89 1 , p. 402, 403). Verifica­ -se, deste modo, que a administração e exploração do fabrico da pólvora por conta do Estado, através da Tenência criada por D. João IV, passa, de novo, a caber aos polvoristas. Apesar de todas estas diligências, fabrica-se pouca pólvora em Portugal, continuando a ser importada, em grande parte, da Holanda 85 (PALMEIRIM et aI. , 1 855). A 9 de Agosto de 1 679, obtém Carlos de Sousa Azevedo alvará para fabrico de pólvora, nos moinhos de Barcarena pelo período de 2 anos. ". . . . Que eLLe fabricante se obrigava a entregar 2400 arrobas de pólvora por anno e pelo preço de 1 1 $000 réis o quintal. Que lhe seria entregue o sitio do moinho que estava arruinado em Barcarena, na fabrica da pólvora de sua A lteza a qual fabrica, elle polvorista reedificaria à sua custa . . . . " (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. 1 2). Reedificando a Fábrica e comprometendo-se a fabricar toda a pólvora com o salitre de que dispusesse e lhe fosse fornecido, estabele­ ceu Sousa Azevedo um verdadeiro monopólio comercial, mantido pelos seus descendentes, uma vez que também se lhes reservava o direito de comercializar em seus entrepostos a pólvora obtida. Tal dinâmica deverá estar na origem do desaparecimento de pequenas fábricas que então começavam a surgir e de que não há mais referência. Após o contrato de 1 2 de Outubro de 1 686 com Carlos de Sousa Azevedo, considera o Estado que este fabricante já não fornecia a pólvora necessária para consumo, sendo-lhe ordenado por Decreto de 28 de Março de 1 687 que ele manufacturasse toda a pólvora necessária ao consumo do reino e ao das suas conquistas, fortalezas e armadas. De entre as suas obrigações, incluía-se a de estabelecer uma nova fábrica (crê-se que talvez no sítio da Junqueira, perto de Alcântara, onde existia uma fábrica, já antes referida, que fora demolida em 1 700, PALMEIRIM et aI. , 1 855, nota 24) . Constava ainda do contrato que o fabricante se comprometia a produzir pólvora de igual peso às 4000 arrobas de salitre fornecido, recebendo 900 réi s por cada quintal de pólvora produzida, vigorando esse contrato pelo período de doze anos (de Julho de 1 687 a Julho de 1 699) e estendendo-se aos seus herdeiros. Ainda para o estabelecimento de novos moinhos e ampliação da fábrica existente na ribeira de Alcântara requereu Carlos de Sousa Azevedo concessão (por escritura de 1 0 de Janeiro de 1 690 já era possuidor de cinco moinhos na propriedade de Alcântara). É de salientar que fre­ quentemente a administração da fábrica de B arcarena era exercida a par da de Alcântara, facto que se verifica desde esta época, apesar de se revelar sempre a superioridade da de Barcarena como principal Fábrica da Pólvora e Fábrica Real. Com a deflagração de estado de guerra com a Holanda que era o 86 país donde se importava grande parte do salitre para a pólvora consumida em Portugal, desobrigou-se Carlos de Sousa Azevedo dos seus compromissos, através de declaração datada de 2 1 de Agosto de 1 69 1 . Como nesta altura as ferrarias e oficinas de Barcarena se encontrassem de novo ao abandono, é concedido a Sousa Azevedo, pelo Alvará de 1 3 de Agosto de 1 695, novo arrendamento das mesmas após o seu requerimento e na condição de as transformar em Fábrica de Pólvora "de que havia mais carência do que de armas " e ainda de instalar mais dois moinhos novos além dos três j á existentes (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. 1 6). Em 1 697 e de acordo com novo contrato efectuado com a Junta dos Três Estados, de 28 de Setembro, Carlos de Sousa Azevedo compro­ metia-se a cumprir o contrato firmado em 1 687. Falecido este polvorista, sucede-lhe o filho do mesmo nome que vê a sua concessão aumentada por mais dois anos. Segue-se novo contrato, igualmente celebrado pela Junta dos Três Estados, aprovado por Alvará de 1 2 de Fevereiro de 1 703 em vigor por 1 0 anos. Dele constava que receberia o fabricante durante os últimos quatro anos 1 4$500 réi s por cada quintal de pólvora, sendo-lhe conferidos igualmente privilégios aquando do estabelecimento de nova fábrica em local à escolha. Por AI vará de 29 de Setembro de 1 7 1 2 é concedida a um outro Carlos de Sousa Azevedo, neto do primeiro, a continuação do contrato estabelecido com seu pai, com a obrigação de entregar 6000 arrobas de pólvora por ano, saldando a dívida de 1 2000 arrobas contraída por aquele. Todavia, por não cumprimento das suas obrigações foi-lhe movida acção judicial baseada na falta de entrega de pólvora, face à quantidade de salitre recebida. Tal situação deu origem à abertura de concurso para arrematação das fábricas da pólvora. Terminava assim a primeira época de algum vulto em termos de produção de pólvora da Fábrica de B arcarena, ". . . No dia 8 de Dezembro, principiou a trabalhar a Fábrica da Pólvora de Barcarena. António Cremer, Cavalleiro Professo na Ordem de Christo, Intendente e Administrador das Fábricas da Pólvora deste Reino, depois de haver dado conta ao Senhor Rei D. João V de ter executado as suas reais ordens e posto correntes os quatro moinhos de = galgas = , que mandou vir da Província de = Namur = na Real 87 cu rso de ge n t e , a ssi m da CÔrte , co: mo d a q u eJ l as v iz i n h a nças , e de a l­ g u ns Estra n gei ros , l u e tendo v isto a l g u m as fa br i c a s d e pol v o r a d a E u ­ rop a , . confessá ra o s e r est a s u p e rio r a m u i ta s p e l a soberba , e regu l a rida­ d e d a Obra. N o im da M i s s a , ê n o a c t o da o pera ç i o ho u v ê ra o m a i s de nov e n t a t iros d e bombas , q u e i· zerao m a i o r a sua sol cm n i d a d e. No d i a U , d e Dez e n h .o p r i n c i. p i o u a t ra ha l h a r a Fabrica da po l v o. ra de Darcare n a . A n t o n io Crcmer , C a v a l l c i ro professo na Ord e m de GBNETE HSTOICO, /J J J , QUE A SUA .l AG ESTA DE FID ELISSIMA, Chri�o , JI1 !�nJc ntc , e \d \ j II i s t ra;; ,d' _das, fa bricas da' pol vora d es t e Rdno ," depois d e ha ver d'do c o n t a a o Sen hor R e i D. Joío V. de: re ' exe­ e,u,oado' as suas R eaes O rd ent , e p ós­ i' correntes' 09 q u a t ro moinhós de :: Ga lgas :: que m andou, v'i r da P r o· 1ineia de = N a m u r ::: ia ' R ea l' Fa­ brica da polvora de Barca rena , d u as legoas d istante de Lisb o a', e que' d e­ seja v a começassem' a s u a pr i m e i ra ope raçáo' no d i a d a Conceiçâo d e Nossa' Sen ho ra , Padroeira dste Rei­ o SEN HOR REI .. D. 'OAO V[. �M o D I A DE S E U S F E L I C I S S I M O S A N N O S, IS D E M A I O DE 1 8 1 8, O FFERECE , ' Fr. CLAUDIO DA CONCE IÇAO , E:-Dei7Iidor , Examinado,' .ynodal do Patriar­ cha Jo de Lisboa , Prégador Regia , e Pa­ dre da Provi/lcia de Sal/ta Maria d' Árrabida. l he deo ' princi pio) faze ndo d izer pri m e i ro Missa n o novo Oratorio ; que m a ndou edi icar d'entro da mes­ ma Fabrica . pelo Parroch o d a Fre­ �uezi a' d a q ue l l e' si tio, que por' o rd e m o P a r r i a rc ha tinha i d o visit a r a d e� eencia d e l l e ; e h a vendo este d ep o i s de acabada a M i s s a dado a benção àos moinhos, s e l e v a n t á râ o a s :: ec l u ­ sas :: , e c o m e ç o u a a goa a dar-l hes O seu pr i m ei r o m o v i m e nto-, e e l les a l a h o r a r com grande fac i l jdade, sen­ do h u m a m aq u i na de su nl ma gra n­ �:?! � á vista de Jl u m grande con- DO , I I F ; l' O f O VI I I� ' 1 \· \" 1 L I S B O A : NA I IIP R ESSÃO REG I A . A N N O 1 020. CO, Liclfa da Commiuro de Cenura. D 2 - Reprodução fac-simile da notícia da inauguração da Fábrica de Baixo em 8 de Dezembro de 1 729 ( CONCEIÇà O. 1820. p, 50-5 1 ) e do frontispício da referida obra, Fig_ 9 88 Fábrica da Pólvora de Barcarena (. . . . . ) depois de acabada a Missa dado a benção aos moinhos, se levantarão as = eclusas = e começou a agoa a dar-lhes o seu primeiro movimento (. . . . . ) á vista de hum grande concurso de gente, assim da côrte, (. . . . . ) e de alguns Estrangeiros, que tendo visto algumas fábricas de pólvora da Europa, confessarão ser esta superior a muitas pela soberba e regularidade da obra . . . . . " Fig. 9 CONCEIÇ Ã O, 1 820, p. 50-53. É desta forma, com "pompa e circunstância" que é reinaugurada em 1 729 a Real Fábrica da Pólvora de B arcarena correspondendo a um dos seus mais altos períodos de prosperidade, graças à eficiente admi­ nistração do holandês António Cremer, que a 22 de Outubro de 1 725 vencera o concurso de arrematação das fábricas de pólvora. António Cremer ( "verdadeiro homem de negócios ", no dizer de MACEDO, 1 982, p. 72), era Comissário Geral do Almoxarifado e ex-pagador das tropas holandesas ao serviço de Portugal. A ele se refere MARDEL, 1 893, p. 1 52 : "Cremer (. .. ) arrematamante das fábricas da pólvora desde Outubro de 1 725 a quem se deve incontestavelmente o apefei­ çoamento do fabrico da pólvora entre nós. . . . ". ' Pelo seu contrato de 2 de Março de 1 726, aprovado pela P rovisão, ficava Cremer autorizado a criar novos engenhos desde que fosse comprovada a sua superioridade face aos anteriores, sendo obrigado a converter 8000 arrobas de salitre ao mesmo peso em pólvora em cada ano, paga a 900 réis por quintal . Poderia ainda estabelecer outras fábri­ cas, salientando-se que ". . . . . nenhuma outra pessoa o poderia fazer em público ou em segredo sob pena de confisco ..... " (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. 1 9) . É de grande importância esta cláusula pois permitia ao Comissário Cremer um monopólio total do fabrico de pólvora. Com efeito, até à data, os seus antecessores tinham exercido esse monopólio de facto e não de direito não constando de nenhum dos contratos cele­ brados. Tomando posse das fábricas de Barcarena e Alcântara, o novo administrador introduz-lhes grandes melhoramentos a nível técnico, mediante a utilização de galgas e pratos de calcário, importados, assim como no processo de fabrico de pólvora. Não só reedifica as fábricas, como contrata novos mestres versados no ofício e gere com talento e capacidade o seu negócio. A produção e fornecimento de pólvora são constantes, assegurando as necessidades do País. Recompensado pelo êxito da sua empresa, Cremer vê-se agraciado com o título de "Intendente das Pólvoras do Reino". 89 Após a sua morte, cabe a administração das fábricas à sua esposa D. Catarina Cremer de Wanzeller, que mantém o título que fora atribuído a seu marido (SILVA, 1 863, p. 292), revelando-se merecedora de tal mercê, dado o bom nível na produção de pólvora durante a sua administração. No entanto, por decreto de 29 de Janeiro de 1 753, fora decidido que a referida concessão lhe fosse atribuída por arrematação e não por sucessão. Por decreto de 30 de Junho do mesmo ano, passa a Junta dos Três Estados a superintender no "negócio da pólvora" por se considerar que seria mais seguro para o reino que o seu fabrico se efectuasse por conta da Fazenda sob alçada do Ministério da Marinha. Era, pois, restaurada, pelo Marquês de Pombal, a Tenência criada por D. João IV. É de salientar, no contexto da indústria pombalina, a importância da produção de pólvora de B arcarena, uma das maiores oficinas industriais da época em Portugal (MACEDO, 1 982 a, Documento IX, N/A, 1 762). A administração da fábrica passa a fazer-se directamente pelos Condes de Rezende ou Condes Almirantes. A gerência era confiada a um feitor e o fabrico aos mestres, havendo um administrador comum às duas fábricas, a de Barcarena e a de Alcântara, sendo nomeado para tal Tosé António de Macedo e Vasconcelos, e a administração directamente exercida por José da Costa. Segue-se novo período de abandono, em parte devido à desordem administrativa gerada desde 1 753, mas iniciada anteriormente. A média anual do fabrico em 1 75 3 e 1 754 é de 4467 arrobas, muito inferior à atingida no tempo de Cremer. É nesta situação que o fabrico da pólvora em B arcarena se encontra quando Martinho de Mello e Castro, ou apenas Martinho de Mello, toma posse como Ministro da Marinha, sobre cuja alçada permanecia esta fábrica. Em 1 774, verifica-se uma grande explosão, que teve lugar no pátio de enxugo da fábrica, pelo que o recém-empossado Ministro da Marinha, após rigorosa inspecção à fábrica, revelando grande interesse (esse interesse seria atribuível à suspeita de guerra entre Portugal e Espanha, devido ao Brasil, PALMEIRIM et aI. , 1 85 5 , p. X, nota 36), e entrevendo-lhe grandes potencialidades, elabora um plano de reedificação (que incluía a construção de dois novos moinhos) e a sua ampliação mediante a criação de novas oficinas, bem como o aperfeiçoamento do sistema hidráulico e finalmente a adopção de sérias 90 medidas de segurança. É atribuída a direcção deste projecto a B artholomeu da Costa, célebre artilheiro e fundidor da estátua equestre de D. José, no Terreiro do Paço. Aumenta de novo a produção da fábrica: a média anual é de 1 0546 arrobas e 2 arráteis em 1 775 e de 22032 arrobas em 1 776. Em 1 776 B artholomeu da Costa é incumbido da cOhtrução de carros para transporte da pólvora de Barcarena a Caxias e de melhoramentos técnicos nos ensaios da pólvora. Até 1 776, esse transporte era fei to por intermédio dos carros dos lavradores vizinhos, que usufruiam assim de certas isenções pela prestação desse serviço. Pretendendo fazer face à indisciplina e irregulariedades verificadas no serviço, é colocado como Director o Sargento Mor de Engenheiros Luís António de Almeida Pimentel (a 28 de Março de 1 776) sucedido pelo Major José Joaquim Talaia (a 1 de Janeiro de 1 790). É de referir a existência de documentação (fotocópias autenticadas) no Arquivo Histórico Municipal, relativa ao Maj or José Joaquim Tallaya, cujos originais se conservam no Arquivo Histórico Militar. Trata-se de dois documentos; um, datado de Dezembro de 1 80 1 : Rellação a Entrada e Sahida da Real Fabrica da Pólvora de Barcarena ( T ALLA Y A, 1 80 1 ) e outro, de 1 802: Parte do trabalho da Real Fabrica da Pólvora de Barcarena da semana que acabou em 30 de Janeiro de 1 802. De novo, pelo Decreto de 1 4 de Janeiro de 1 79 1 , é abolida a Tenência e criado o Arsenal do Exército que englobava, entre outras dependências, as Fábricas de Pólvora e as Fundições de Armas (BARREIRA, 1 986, p. 3 e B ARREIRA, 1 994, p. 2). Neste período prevaleceu a confusão administrativa. Em 1 788, ainda sob a Tenência, a administração das duas fábricas de pólvora deixa de ser exercida pelos Condes Almirantes, passando a sê-lo pelo Marquês de Penalva; porém, era directamente efectuada por um administrador interino por este nomeado, José da Costa Salano. A este'" respe-to, . referem PALMEIRIM et ai. , 1 85 5 , p. IX, nota 35: "Pode-se avaliar a confusão dos negócios, e da administração n 'esta epocha, sabendo-se que em Barcarena havia um Major de Engenheiros, Director da Fábrica; que o pertencente á direcção fabril estava a cargo de Bartholomeu da Costa; e que o Ministro de Estado não dirigia a sua correspondência a nenhum d 'estes, mas sim a um terceiro indivíduo inteiramente estranho àquelles". 91 A B artholomeu da Costa (nomeado por aviso de 2 1 de Janeiro de 1 793), que já tinha sido encarregue da direcção técnica da fábrica da pólvora em data anterior a 1 785, é entregue a Administração. Recebia uma pensão de 1 000$000 réis, bem como o usufruto dos pomares anexos da fábrica. Durante a sua administração é ampliado o património de terras da fábrica, que atinge mesmo grande prosperidade, tendo os seus lucros custeado em 495 contos as obras do dique do Novo Arsenal da Marinha. A Bartholomeu da Costa sucedeu o Tenente-Coronel de Engenheiros José António Raposo como administrador Interino (por Aviso de 8 de Setembro de 1 80 1 ), que desde 1 790 Administrava j á a fábrica de Alcântara. A 1 2 de Janeiro de 1 802 é criada a Junta da Fazenda do Arsenal do Exército, que administrará as duas fábricas como depen­ dências do Arsenal Real do Exército. Como inspector das duas fábricas do Arsenal, é nomeado o Tenente Coronel de Artilharia Carlos Napion, pela Portaria de 6 de Fevereiro daquele ano. Esta nomeação estaria na origem do RelatóriolDescrição das operações elaborado por aquele técnico (NAPION, 1 802). Este documento encontra-se depositado no Arquivo Histórico Militar, existindo fotocópia autenticada no Arquivo Histórico Municipal de Oeiras. Napion propõe a introdução de medidas tendentes a melhorar o sistema de fabrico de pólvora; para director da fábrica é proposto Leonardo Aleixo de Chalup, Major do Regimento de Artilharia de Estremoz (nomeado por Portaria de 7 de Junho de 1 803). Nesta época, o fabrico da pólvora desenvolve-se a nível técnico, aumentando muito os conhecimentos no que desempenha papel relevante o tratado de Artilharia de Johann Muller. A 1 7 de Agosto de 1 805 , dá-se nova e catastrófica explosão na Fábrica de Barcarena; morrem o Director Chalup e mais 3 1 pessoas. Após esta explosão, é a fábrica imediatamente limpa por diversos batalhões de infantaria, vindo a ocorrer nova explosão a 25 de Outubro, no decorrer desses trabalhos, que vitimou nove pessoas (ROCHA, 1 805 ). Ao fim de seis meses, encontrava-se novamente a fábrica já reconstruída sendo responsável pelo projecto de reconstrução o Inten­ dente da Junta do Arsenal, José Botelho da Silva. Foi planeada a construção de diversos edifícios de modo a não paralizar a produção de pólvora em caso de novo sinistro. Todavia, este plano não tinha a aprovação de Napion que a 8 de Julho de 1 806 apresentava outro plano. 92 Por Aviso de 28 de Setembro de 1 805, é expropriada a Quinta da Fonte Caiada, propriedade de António de Salema Lobo de Saldanha, em virtude da destruição duma azenha ali situada quando da explosão de 1 805 . Anexada à Fábrica Real , é proposto edificar naquele lugar a oficina do graniso o que, no entanto, não foi concretizado. Napion insiste na necessidade de se nomear novo director, após a morte de Chalup, mas não foi atendido. O empenho verificado na reconstrução não se estende à melhoria do processo de fabrico nem à quantidade da pólvora, nada se obtendo de considerável até às Invasões Francesas, verificando-se então o afastamento de Napion, que acompanhou D. João VI ao Brasil. Durante o período da dominação francesa, a Junta da Fazenda do Arsenal nomeou, por portaria de 27 de Novembro de 1 807, o Coronel Carlos Julião para o cargo de Director Geral das Fábricas. Posterior­ mente, era nomeado o Tenente Coronel de Artilharia Manuel Ribeiro Araújo (Aviso de I O de Maio de 1 809). Em Julho do mesmo ano reco­ meçam os trabalhos nas fábricas, embora em menor escala, devido aos fracos meios do Governo. Lê-se no Relatório de 1 85 5 : "Os trabalhos do Arsenal absorviam nesta época toda a atenção do Inspector das oficinas, e por isso as fábricas de Alcântara e Barcarena ficaram entregues à disposição de homens incompetentes que nas mesmas residiam que influindo no ( . . . . . ) Tenente Coronel fizeram com que o mesmo alterasse o doseamento e todos os melhoramentos que Napion introduzira no fabrico ". A 30 de Setembro de 1 8 1 0, era nomeado para a inspecção e direcção das fábricas de pólvora o Major de Engenheiros Francisco Raposo, não assumindo, contudo, a direcção superior das fábricas. Devido a esta desorganização administrativa, as fábricas de Barcarena e de Alcântara caem num estado de desordem, que se reflecte na dívida de salários aos operários. Estando já a fábrica de Barcarena em plena decadência e com um rendimento medíocre, é determinado pelo Governo (através da Portaria de 28 de Dezembro de 1 822) uma inspecção pela Junta da Fazenda do Arsenal que não obteve grandes resultados. A esse respeito é de sal ientar diligências promovidas pela Junta no sentido de proceder a averiguações na fábrica susceptíveis de conduzir a melhoramentos. Tal se concluiu do manuscrito datado de 9 de Março de 1 809 Relação dos Empregados na Fábrica da Pólvora de Barcarena . . . . , conservado . 93 no Arquivo Histórico Militar, de cujo original existe cópia autenticada no Arquivo Histórico Municipal de Oeiras (PEREIRA et al., 1 809) . N o final de 1 823, Mário Dias Alves B ranco, de Chaves, requere ao governo l icença para estabelecimento de uma fábrica de pólvora no Norte do País, o que lhe foi negado; foi , porém, admitido a demonstrar em Barcarena as suas aptidões na qualidade de mestre, revelando-se úteis os melhoramentos por ele propostos no sistema de fabrico e nos produtos obtidos. A confusão administrativa continou, reflectindo-se em desordens internas. Tentando obstar a este estado de coisas, é nomeado, para Director, o Brigadeiro de Engenharia Pedro Celestino Soares (Decreto de 4 de Julho de 1 825). São tomadas medidas de melhoramento na produção e qualidade da pólvora, sendo criadas, a 26 de Agosto de 1 825, três qualidades de pólvora com fins diversos: a pólvora superfina destinada à caça; a fina destinada às armas da Infantaria; e a grossa, para a Artilharia. Simultaneamente, é solicitado ao novo Director parecer sobre a possibilidade de introduzir em B arcarena oficinas de refinação de salitre e também a elaboração de um novo regulamento de serviço, tentando restaurar a ordem interna. Estas diligências não tiveram prosseguimento e a desordem administrativa continou, reflec­ tindo-se no fabrico. Como prevalecesse a má qualidade da pólvora manufacturada, e após várias portarias e avisos na tentativa de suprir esta situação, foi considerado responsável o Director Pedro Celestino Soares, exonerado a 28 de Março de 1 832. Seria substituído pelo Tenente-Coronel de Engenharia João Chrysostomo do Couto e Mello, que de imediato recomendou melhoramentos no fabrico da pólvora, especialmente na de caça. Propôs a adopção de diversas medidas, na senda das de Napion. Novos desentendimentos prejudicam, porém, a actuação deste director, o qual acaba, pouco depois, por ser também exonerado. O termo médio de produção anual em 24 anos fora de 1 0 86 1 arrobas e 1 7 arráteis; a partir de 1 824 o fabrico da pólvora decai bastante, sendo necessário recorrer ao erário público, em 1 824 e 1 832, para se proceder ao pagamento dos operários. Sob a responsabilidade do Tenente-General Luís Ignácio Xavier Pal­ meirim, nomeado a 25 de Janeiro de 1 83 3 , é inspeccionada a fábrica e realizadas ali diversas experiências de iniciativa governamental sobre a 94 qualidade de pólvora produzida, a 4 de Fevereiro de 1 83 3 . De tais experiências, concluiu-se que ". . . . . as pólvoras experimentadas não eram inferiores às francesas e suissas. . . . . ". Durante este período da direcção de Couto e Mello, é produzida maior quantidade de pólvora não obstante as dificuldades geradas por sucessivos anos de desorganização administrativa. Tal situação teve consequências na hierarquia intena da fábrica, mantendo-se por l argos períodos a indisciplina e irregularidades no serviço. Só em 1 834 é melhorado o fabrico da pólvora, passando a Fábrica a ser administrada no âmbito do Contrato do Tabaco, durante quinze anos. Em 1 849 é de novo administrada pelo Arsenal do Exército. Do que se passou durante estes anos pouco se sabe. É ainda o Relatório de PALMEIRIM et ai. , 1 855 o elemento documental mais importante. A 1 7 de Março de 1 862, ocorre uma grande explosão e incêndio na Fábrica de Barcarena, sendo ouvida a deflagração à distância de l 5km; arderam 1 500 kg de pólvora. Imediatamente atalhado o incêndio, esta explosão não teve mais repercussões, graças à rápida intervenção dos próprios operários, a qual foi reconhecida e premiada pelo governo, na pessoa dos oficiais intervenientes. Ao comandante foi conferido o grau de oficial da Torre e Espada. Nesta data, possuía a Fábrica cerca de 80 operários e produzia a pólvora necessária ao Exército, contituindo a sua venda uma receita considerável do Estado. Essa prosperidade é atribuída à acção de Casimiro José de Carvalho, Maj or de Artilharia, então Director da Fábrica. Em 1 86 1 fora reduzido o preço da pól vora pelo que aumentou a procura e, consequentemente, a sua produção na Fábrica de Barcarena. Apesar disso, a Fábrica já não conseguia então abastecer todo o mercado, pelo que foi aprovado, em sessão legislativa, a verba de 7000$000 réis para obras de ampliação e construção de duas oficinas, para além da ribeira de B arcarena. Na Exposição Industrial de 1 888, realizada na Avenida da Liberdade, em Lisboa, é patente o grau de desenvolvimento atingido pela fábrica nos anos anteriores. Este período de florescimento é ates­ tado por documentos coevos : . . . . . Nos últimos anos têm tomado um grande desenvolvimento, satisfazendo não só as exigências do Exército como da Armada ( . . . . . ) a produção annual tem sido em média de 120 toneladas. . . . . ". (PEREIRA e RODRIGUES, 1 906, p. 1 1 5). Consta ainda do mesmo documento que grande parte da pólvora manufacturada se " 95 destinava ao comércio, caça e minas, além do armamento naval e do exérc ito. Desde 1 869 a fábrica possuía administração autónoma, o que obviamente favoreceu a produção; o Arsenal do Exército fôra des­ membrado em vários departamentos, desligando-se assim da gerência da fábrica. O Arsenal deu origem a diversos estabelecimentos. É restaurado em 1 895 englobando de novo, entre outros, a Fábrica da Pólvora de Barcarena (BARREIRA, 1 994). É escassa, para o período que respeita a finais do século XIX - princípios do século XX a documentação relevante que foi compulsada. Em 1 927, pelo Decreto de 1 9 de Agosto, é criada a Fábrica de Pólvoras Físicas e Artifícios (N/A, 1 947, p. 22 e GEPB). No mesmo ano, é extinto o Arsenal do Exército, adquirindo a Fábrica certa autonomia: ". . . . . Da cómoda tutela orçamental, passa Barcarena à vida dura de concorrência em que se põe à prova a capacidade de cada um nas condições de luta pelos recursos com que a técnica sustentará económica e financeiramente um digno passado de alguns séculos que respeitará sem ficar estática, vivendo da sua história . . . . . " (N/A, 1 947). Este ano de 1 927 é ainda marcado por um facto sombrio na história da Fábrica de Barcarena. Dá-se uma explosão a 1 2 de Maio, vitimando um operário, ocorrendo outra tragédia, com a morte de mais sete operá­ rios, em nova explosão verificada a 29 de Abril de 1 93 3 (N/A, 1 933). Desta explosão também há notícia através de documento de grande interesse. Trata-se do elogio fúnebre, manuscrito, dos familiares, amigos e companheiros de trabalho das vítimas, datado de 29 de Abril de 1 934, e recentemente exumado no cemitério de Barcarena (N/A, 1 995). Seria consagrado por mausoléu, que nunca chegou a ser edifiFig. 10 cado. Em 1 947, pela Lei 2020, é criada a FMPE - Fábrica Militar de Pólvoras e Explosivos que em 1 95 1 . . . . . é dada de arrendamento a uma sociedade mista, a Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena, (CPMB" por 25 anos (BARREIRA, 1 994, p. 2). Em 1 957 é construída em Barcarena a Fábrica de Pólvora M I , sendo de imediato encerrada e entregue à FNMAL, Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras. Em 1 972 produz-se nova explosão, tendo vitimado quatro operários e inviabilizando definitivamente a produção " 96 Fig. 1 0 - Manuscrito encerrado em tubo metáLico recentemente exumado no cemitério de BarcO/"ena e alusivo às vítimas mortais das explosões na Fábrica de Barccl/'ena, em 12 de Maio de 1 92 7 e 29 de Abril de 1 933. Fôra depositado na fundação de mausoléu que acabou por não ser construído. de pólvora negra. Em 1 976 é reaberta para proceder à produção de pólvora de caça (BARREIRA, 1 986, p. 6), considerando a dificuldade de im-portação de tal produto. Designar-se-ia então como Fábrica de Pólvora e Explosivos de Barcarena, sendo com essa designação que encerraria definitivamente em 1 988. Nos últimos anos de funcionamento, nomeadamente na segunda metade do século XX, a Fábrica da Pólvora de B arcarena pro­ cede (pela CPMB) ao carregamente de munições de morteiro, artilharia e bombas de avião, exportando para a Alemanha nos anos 50 e 60 e ainda para a guerra Irão / Iraque Uá então integrada na INDEP, empresa pública constituída em 1 98 1 ). A produção de pólvora química deteve alguma importância em Barcarena na década de 1 960. Com o definitivo encerramento, 1 982, da Fábrica de Cheias, e para que não se perdesse o importante património de experiência acumulada " (BARCARENA, 1 986, p. 6), foi decidido reabrir a Fábrica da Pólvora M I , para produção de pólvora de base simples. Nos mais de quatrocentos anos da Fábrica de B arcarena, sucederam­ -se as vicissitudes de uma importante instituição que deteve, em alguns momentos da sua história, papel relevante no contexto nacional. O fabrico da pólvora negra, a que se deveu quase exclusivamente a sua importância, envolvia perigos reais, expressivamente documentados pelas numerosos acidentes mortais ali ocorridos. O esforço de gerações de técnicos e operários encontra-se, de alguma forma, registado no património edificado do notável complexo da era pré-industrial e industrial, que constitui a Fábrica da Pólvora de Barcarena, conjunto único no País que importa valorizar. Deste modo ficarão compensadas as graves delapidações nele verificadas em época recente, desde a venda da sua preciosa panóplia de instrumentos metá­ l icos, como se de sucata se tratasse, em 1 976, até à pilhagem da sua dependência museológica, onde se guardavam exemplares únicos de projécteis de artilharia, militar e naval, passando pela venda de peças notáveis do seu património artítico, como a gárgula que ornava a caldeira da Fábrica de Baixo. " 98 S íntese dos Arrendatários e D irectores da Fábrica da Pólvora de B arcarena ANO NOME OBSERV AÇ ÕES 1 2/ 1 / 1 645 Afonso Matheus Contrato de arrendamento dos moinhos de Barcarena, para fábrica de pólvora. de 1 65 1 a 1 673 Manuel Matheus Contrato de arrendamento dos moinhos de Barcarena, para fábrica de pólvora. 1 673 Simão Matheus Contrato de arrendamento nos termos dos anteriores. Desde 1 653 possuía moinhos de pólvora em Barcarena, especialmente na Fazenda de Gaspar Freire de Andrade. 9/8/ 1 679 Carlos de Sousa Azevedo Celebra vários contratos de arrendamento de moinhos e oficinas em Barcarena. Reedifica a fábrica. ! O/7/1 700 Carlos de Sousa Azevedo (filho) Obtém a renovação do contrato estabelecido com seu pai. Celebrando­ -se novos contratos, destaca-se o Alvará de 1 2/2/ 1 703, concedido por 1 0 anos. 29/9/ 1 7 1 2 Carlos de Sousa Azevedo (neto) Continuação do contrato estabelecido com seu pai. Herda a dívida contraída por este, que não consegue saldar. É ­ -lhe movida acção judicial. 2/3/ 1 726 António Cremer Vence o concurso para arrematação das fábricas da pól vora (22/ 1 0/ 1 725). Reedifica a Fábrica de Barcarena. É-lhe concedido o Título de Intendente da Pólvora do Reino. 99 Catarina Cremer de Wanzeller Após o falecimento de seu marido, continua na gerência das fábricas, mantendo também o Título de Intendente da Pólvora do Reino. 30/6/1 753 José António de Macedo e Vasconcelos Administrador Termina o arrendamento e gerência a particulares. O Estado passa a superintender a gerência da Fábrica através da Junta dos Três Estados, que nomeará os seus administradores. Até 1 783 a Administração é confiada aos Condes Almirantes ou de Resende que nomeiam José António de Macedo e Vasconcelos. 28/3/1 776 Sargento Luís António de Almeida Pimentel Director Foi o primeiro oficial militar encarregado da direcção da fábrica. 1 / 1 / 1 790 Major José Joaquim Talaia - Director Exonerado a 4 de Junho de 1 803. de 1 788 a 1 799 José da Costa Salano Administrador Nomeado pelo Marquês de Penalva, que desde 1 788, superintendia na administração da fábrica, substituindo os Condes de Resende. Nomeia para Administrador Interino José da Costa Salano. 2 1/ 1 / 1 793 Brigadeiro Bartholomeu da Costa ­ Administrador Era director técnico da fábrica da pólvora, desde data anterior a 1 785. Durante a sua administração é ampliado o património das terras da Fábrica. A produção atinge um nível e lucro considerável. 8/9/ 1 80 1 Tenente-Coronel José António Raposo Administrador Desde 1 790, administrava a Fábrica de Alcântara. 1 00 4/3/ 1 802 Tenente-Coronel Carlos Napion Sendo Inspector das oficinas do Arsenal, foi-lhe incumbida a inspecção das fábricas de Alcântara e Barcarena (Portaria de 6/2/ 1 802). Mudou o sistema de fabrico da pólvora. Introduziu melhorias técnicas. 7/6/1 803 Major Leonardo Aleixo de Chalup - Director Morre na explosão de 1 7 de Agosto de 1 805. 27/ 1 1 1 1 807 Coronel Carlos Julião Director Substituira Napion na inspecção das oficinas do Arsenal. (Napion ôra para o Brasil, acompanhando o Príncipe Regente). 10/5/ 1 809 Tenente Coronel Manuel Ribeiro de Araújo Inspector e Director Tinha sido nomeado por Decreto de 1 3/ 10/ 1 808, Inspector das oficinas do Arsenal. A gerência das Fábricas de Barcarena e Alcântara foi-lhe atribuída como decorrente do seu cargo de inspector. 30/9/1 8 10 Major Francisco António Não assumiu a Direcção superior da Raposo - Inspector e fábrica, ficando sob as ordens do Director I nterino Tenente-Coronel Manuel Ribeiro de Araújo. 417/ 1 825 Brigadeiro Pedro Celestino Soares Director É considerado responsável pela má qualidade da pólvora obtida e por desordem administrativa, sendo exonerado a 28 de Março de 1 832. 1 832 Tenente Coronel João Chrysostomo do Couto e Melo Nomeado para substituir o Brigadeiro Pedro Celestino Soares. 1 �62 Comandante Casimiro José de Carvalho Foi agraciado com o grau de oficial da Torre e Espada, em reconhecimento pela sua acção na explosão de 1 7 de Março de 1 862. 10 1 S íntese dos acidentes ocorridos na Fábrica da Pólvora de B arcarena ANO TIPO DE ACIDENTE OBSERVAÇ Õ ES 1 774 Explosão Teve origem no pátio do enxugo da Fábrica. A 9 de Agosto desse ano, a Fábrica é visitada por Martinho de Mello e Castro, Ministro da Marinha, que elabora um plano de recontrução da mesma, que incluiria a construção de dois moinhos e o aperfeiçoamento das oficinas . 1 7 de Agosto Explosão Vítima o Director, Major Leonardo Chalup e mais 3 1 pessoas, incluindo o mestre do graniso. Provocou a ruína dos telhados e das paredes de muitas oficinas, não afectando os engenhos (esta explosão provocou a ruína de uma azenha na propriedade de António de Salema Lobo de Saldanha). Esta propriedade é mais tarde expropriada tendo-se previsto aí a construção de oficina de graniso (que não chegou a concretizar-se). 25 de Outubro de L 805 Explosão Ocorrida no decorrer dos trabalhos de Limpeza dos estragos provocados pela anterior (de 1 7 de Agosto de 1 805). Provocou a morte de nove pessoas. L 7 de Março de L 862 ExpLosão Grande expLosão ouvida a 1 5 km de distância. Ardem 1 500 kg de pólvora. O incêndio é atalhado rapidamente graças à intervenção dos operários. O seu comandante é agraciado com o grau de oficial da Torre e Espada. 1 2 de Março de 1 927 Explosão Provoca a morte de um operário, de nome Carlos Joaquim da Silva. 29 de Abril de 1 933 Explosão Morrem sete operários. É projectada a construção de mausuléu para as vítimas (não chegou a ser edificado). L 972 Explosão Provoca a morte de quatro operários. Desactiva a linha de fabrico de pólvora negra. de 1 805 102 5.2 - O comércio da pólvora e a Fábrica de Barcarena São escassas as fontes e documentação relativas ao comércio da pólvora em Portugal, destacando-se o Relatório sobre a Fabricação e Administração da Pólvora, de 1 85 5 , do Brigadeiro Augusto Xavier Palmeirim e outros, publicação de índole oficial constituindo parecer sobre: ". . . . . os meios de abastecer de pólvora da fábrica nacional as nossas possessões ultramarinas, fonecendo ao seu commércio um genero tão procurado e valioso n 'a queLlas localidades, a que concorre hoje em abundância a pólvora estrangeira . . . . " (p. 1 27). Vê-se pela análise da documentação estudada sobre o comércio da pólvora da Fábrica do Estado ou Fábrica Nacional e Real no contexto da produção e comércio da pólvora de Portugal, que a partir de finais do século XVIII, aquela chama a si a exclusividade de produção de pólvora em território nacional. Tal facto é comprovado pelo recomendação contida na Descrição das Fábricas de A lcântara e Barcarena de 1 762, N/A, 1 762, em relação ao fecho da Fábrica de Alcântara, verificado mais tarde. Assim, assume definitivamente a Fábrica de Barcarena, o estatuto de Fábrica Nacional e principal pólo de fabrico de pólvora no País. Neste âmbito é de salientar que, embora esse estatuto não se alterasse desde essa época, funcionavam algumas outras fábricas de pólvora, de que há notícia da de Goa, onde era fabricada a pólvora destinada à Í ndia e Macau (PALMEIRIM et aL. , 1 855, p. 1 28). Em, meados do século XVII, em época anterior à Restauração, era utilizada pouca pólvora, destinando-se sobretudo à Artilharia e fogos de artifício, uma vez que as armas de fogo portáteis se encontravam ainda pouco generalizadas. Após 1 640 era ainda limitada a sua produção: . . . . . eram poucas e de pequena monta as fábricas de pólvora, não bastando a sua produção ao consumo do Goveno na despesa do Estado. . . . . " (PALMEIRIM et ai, 1 855, p. 50). Consequentemente, seria insignificante a parte destinada ao comércio, dada a referida escassez do produto. Pelo mesmo regulamento era apenas consentida a venda da pólvora que não fosse necessária ao consumo no Reino, sendo rigorosamente controlada por um oficial destacado para esse efeito. Nesse período essa parte era ínfima, tanto que- ainda se importava grande quantidade de pólvora, especialmente da Holanda, que se destinava sobretudo ao consumo interno. . " 103 Como arrendatários exclusivos dos moinhos de Barcarena, Carlos de Sousa Azevedo e seus sucessores gozavam do exclusivo da produção de pólvora nesse local, de importância acrescida, devido ao facto de se tratar da principal e nesta época única fábrica de pólvora, após a resolução de 1 65 1 que obrigava à demolição de outras fábricas e oficinas de particulares. Essa exclusividade estendia-se ao comércio da pólvora aí produzida, assumindo os contornos de "negócio em forma de monopólio ", uma vez que aos mesmos polvoristas era reservado esse direito nas terras sob a sua administração. Em 1 725, entra António Cremer na posse desse monopólio comercial confirmado legalmente no contrato celebrado em 1 726 atra­ vés de cláusulas que determinavam a exclusividade na produção da pólvora e na sua venda, gozando ainda o arrendatário dos privilégios já concedidos a Carlos de Sousa Azevedo. Nesta altura desenvolve-se actividade comercial com as colónias, apesar das proibições governa­ mentais a esse respeito. Deve-se este processo ao alargamento do armamento naval aos navios mercantes e aos de guerra que apoiavam os primeiros e à generalização das armas de fogo portáteis. Na segunda metade do século XVIII, como prevalecesse a deficiente produção de pólvora resultando da má qualidade deste produto, o Governo chamou a si a administração do seu fabrico. Nessa primeira fase era promovida e imposta a venda pública da pólvora em todo o Reino, mas, com a generalização deste produto, aumentou bastante o número de desatres. Assim, foi determinado que se criassem casas afastadas para guardar a pólvora e onde esta se vendesse por miúdo (Alvará de 9 de Julho de 1 954). Ao administrador da Fábrica de B arcarena, foi incumbida a fiscalização dessa venda que era vigiada directamente por oficiais estrangeiros por ele nomeados. Realizava-se assim desde 1 755 em casas contruídas para esse efeito: . . . . . uma em Buenos A ires, outra em Campo lide, outra na Cruz dos Quatro Caminhos e a última na Cruz do Taboado. . . . . " (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. 53). Mais tarde era ainda estabelecida outra casa junto à Fábrica de Alcântara. No entanto, a pólvora produzida por conta do Estado, sobre­ tudo na Real Fábrica de Barcarena, destinava-se unicamente à venda em Lisboa e territórios limítrofes, pois no resto do País e nas colónias o comércio era feito com pólvora importada. Durante a superintendência " 1 04 da Junta dos Três Estados, a fábrica tinha um cofre, que era adminis­ trado pelo Almoxarife da Fábrica, que se encarregava da distribuição do produto pelas casas de venda, arrecadava nesse cofre os dividendos da venda. De 1 762 e 1 768 foi proibida a venda e exportação de pólvora devido ao estado de guerra, só terminando em Setembro desse ano (A viso de 2 de Setembro de 1 768). Contudo, foi só após a inspecção realizada na sequência da explosão de 1 774 à Fábrica de B arcarena pelo então Ministro da Marinha, Martinho de Melo e Castro que este viu: ". . . . . a possibilidade de forma r um grande estabeLecimento muito rendoso para o Estado . . . . ". Mediante a criação de medidas de protecção ao consumo e comércio da pólvora produzida pela Real Fábrica da Pól­ vora, decretadas pelo Alvará de 1 3 de Julho de 1 778. Deste Decreto destaca-se a medida n° 4: . . . . Que em quanto à póLvora fabricada no Reino, podesse ser transportada de uns para outros portos sem pagar direito a Lgum de entrada ou saída, podendo-se com eLa negociar e traficar no interior das mesmas conquistas. . . . . " (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. 56). Ainda no propósito de fomentar o comércio, Martinho de Mello, influenciará o Alvará de 28 de Janeiro, que abolia os privilégios de exclusividade de venda no Reino por particulares e libertava de direitos a exportação da pólvora portuguesa para países estrangeiros. Esta prorrogativa assegurava assim um monopólio estatal no fabrico e venda deste produto num processo interligado directamente com a orientação administrativa assumida na Fábrica de B arcarena desde 1 75 3 pela Junta dos Três Estados. Nesta época atinge-se um período de prosperidade a nível do comércio da pólvora. Em 1 778 é criado no Arsenal do Exército um cofre, denominado Cofre Grande da Pólvora, com um tesoureiro próprio. A pólvora nacional era então levada a todas as possessões ultramarinas: Açores, Madeira, Cabo Verde, e nos portos dominados pelos portugueses em Á frica, na América, Á sia e Brasil onde este comércio atingira grande expansão. No entanto, foi breve este estado de prosperidade devido à Revolução Francesa e às repercussões sentidas e m toda a Europa, na venda de pólvora, com acentuado encarecimento, escasseando ainda o salitre indispensável ao seu fabrico. O Governo viu-se assim obrigado a dar entrada livre à pólvora estrangeira, pelo . " l OS Decreto de 3 1 de Outubro de 1 796 e ainda a importar de Inglaterra 580 1 barris de pólvora até 1 799. Esta situação fez-se igualmente sentir no comércio ultramarino devido à escassez de pólvora, não chegando para o comércio nas colónias e para o próprio armamento dos navios mercantes. Esta crise esteve na origem da cessação de toda a venda de pólvora pelo aviso de 28 de Agosto de 1 800. Até 1 805 mantiveram-se essas dificuldades como revela o aviso de 8 de Outubro de 1 803 pelo qual não era permitida a venda a cada navio de mais de um barril de pólvora. Tentando revigorar o comércio em decadência, propõe a Junta da Fazenda do Arsenal em 1 8 de Setembro desse ano a venda livre no interior do País e nas suas possessões, isentando de direitos a pólvora portuguesa, e proibindo a entrada em território nacional da pólvora estrangeira revogando o Decreto de 8 de Outubro de 1 802, onde constava tal proibição. Durante 30 anos a venda da pólvora constituíra uma fonte de riqueza para o Estado, apesar do elevado preço de venda e das dificuldades que se opunham à liberdade do seu comércio. Deve-se em grande parte este bom rendimento ao comércio estabelecido com as colónias portuguesas, especialmente com o Brasil, com quem o Estado mantinha a exclusividade, às dificuldades na importação de pólvora estrangeira e ainda pelo facto de todos os armamentos nas embarcações para as colónias serem feitos nos portos de Lisboa e Porto e nunca em PQrtos estrangeiros. Todavia, a prosperidade alcançada é de novo cerceada devido novo estado de guerra com os Franceses. O comércio da pólvora sofre consideráveis alterações; é aberta a entrada à pólvora estrangeira, de novo proibida pelo Decreto de 20 de Fevereiro de 1 8 1 0, que declara o fabrico e venda da pólvora como privilégio e exclusividade do Estado. Nesta época ganha incremento o contrabando de pólvora, apesar das medidas que o contrariavam. Em 1 8 1 7 como se se verificasse uma quebra na venda da pólvora, a Portaria de 30 de Abril diminuía o preço daquele produto. Pelo A viso de 14 de Outubro de 1 8 1 8 era facilitada a exportação da pólvora. Finda a guerra com o Brasil, assiste-se a uma reanimação do comércio. A administração da venda da pólvora é atribuída a magistrados de cada território. No período seguinte, entre 1 823 e 1 83 3 e devido à Indepen­ dência do Brasil, decai bastante o comércio nacional, afectando o con­ sumo de pólvora no Reino. Esta situação é ultrapassada pela Portaria de 106 20 de Janeiro de 1 837, em que se solicitavam medidas ao Governo conducentes ao aumento do consumo da pólvora. Tais diligências têm como resultado a celebração de contrato com os Contratadores do Tabaco, realizando-se a partir daí a venda por intervenção dos mesmos (contrato de 5 de Abril de 1 83 1 ). Todavia, não era fornecida pela fábrica a quantidade requerida pelo que cessava a venda nesse mesmo ano. De novo vem o Director da Fábrica de Barcarena, pelo ofício de 24 de Outubro de 1 837, propor medidas conducentes à venda de pólvora nas possessões de Á frica. Assim, ordenou o Governo, pelo Decreto de 28 de Abril de 1 838, que se estabelecessem estanques de pólvora nas Províncias da Á frica Oriental e Ocidental e nas Ilhas adjacentes. Em 1 843 e 1 844 tenta-se aplicá-lo a Cabo Verde e a São Tomé, ao que parece sem grande êxito. Após um período de confusão admi­ nistrativa e desentendimentos entre os contratadores do tabaco e o Director da Fábrica, é a venda da pólvora suspensa pela Portaria de 9 de Março de 1 849, época em que a Fábrica é de novo anexada ao Arsenal do Exército. No que respeita ao comércio ultramarino PALMEIRIM et al., 1 855, p. 1 20 e sego ". . . . . acreditam que a de Barcarena poucas vezes seria levada ao mercado da África e que portanto não disputaria mesmo a de fabricação estrangeira que além de muito melhor era também de preço muito mais favorável, sendo além d/isso conduzida por muitas vezes em bandeira portuguesa . . . . ". Este facto deve-se a diversos factores de peso, destacando-se a forte concorrência do comércio estrangeiro e do próprio acolhimento das populações autóctones. Esta situação transparece do Decreto de 5 de Agosto de 1 844, que concedia facilidades nas possessões ultramarinas em relação ao comércio estrangeiro, face às queixas dos colonos, pelas tentativas de proibição governamental de entrada e circulação da pólvora estrangeira. Criando medidas mais tolerantes procurava o governo desencorajar o contrabando. Sabe-se ainda que, em 1 879, era livre o comércio da pólvora (Disposições regulamentares sobre a liberdade da indústria e comércio da pólvora e dynamite, Lisboa 1 884), como consta da carta de lei de 23 de Junho de 1 879. Estabelece ainda a mesma carta o pagamento nas alfândegas de direitos pela importação de pólvora de países estrangeiros. . 107 5.3 - O fabrico da pólvora em Barcarena e a evolução tecnológica da Fábrica A fábrica instalada em Barcarena, por iniciativa de D. Manuel, era de moinhos de pilões, tal como a sua congénere das Portas da Cruz, em Lisboa; constituiam as primeiras instalações de características fabris para a produção de pólvora em Portugal. O processo de mistura dos componentes, através da sua moagem conjunta, reduzindo-os a pó, em moinhos de pilões, era, então, já bem conhecido, tendo-se mantido quase inalterado até ao fim do século XIX (MARDEL, 1 893, p. 68). Em fábricas de Espanha, segundo TASCON ( 1 987, p. 37 1 ), os pilões tinham grandes maços de madeira e as cavidades, com forma Fig. 3 aproximadamente esférica, eram abertas geralmente em calcário ou em mármore. Por seu turno, a Enciclopédia de DIDEROT e D'ALEMBERT ( 1 762- 1 772) representa almofarizes de bronze ou de madeira cuja Fig. 4 parte mais rapidamente degradada pelo impacto do pilão podia ser substituída. Um dos contributos mais interessantes deste trabalho foi ter confirmado a existência de moinhos de pilões na primitiva Fábrica de B arcarena, a que alude documento de 1 649 (PALMEIRIM et al., 1 855, p. VI). Com efeito, em fotografia antiga, observa-se, no leito da ribeira de B arcarena, um empredado a jusante do açude, cujo degrau se encontra definido por uma fiada de almofarizes de pedra calcária, todas de dimensões idênticas. As rochas calcárias recolhiam, por certo, preferência, por serem pouco propensas à produção de faíscas. Tais elementos (em número de, pelo menos cartoze) encontram-se, presumivelmente, ainda no local, sob camada de betão que ali foi aplicado (talvez após as grandes cheias de 1 967 ou de 1 983) para diminuir a erosão do leito da ribeira - razão que aliás, presidiu à Fot. 2 e 3 construção do empredado e à reutilização dos almofarizes, no local referido. À época da fundação da Fábrica, no reinado de D. Manuel, se deverá atribuir uma pedra com as armas reais, actualmente colocada sobre a Fot. 4 porta da Fábrica de Cima. A presença deste documento vem, assim, 108 demonstrar o carácter real do empreendimento primitivo, no qual esta pedra deveria figurar em destaque, tal como se verifica no último reaproveitamento que dela se fez. - FoI. 2 Vista geral dos almofarizes da antiga fábrica de engenhos de pilões, ulteriormente aproveitados para a soleira de protecção do leito da ribeira de Barcarena a jusante do açude de derivaçio para a Fábrica (fotografia antiga). 109 Remonta ao século XVI a ocupação "industrial " do vale da ribeira de Barcarena, cerca de 1 km a montante desta povoação. Ali se estabe­ leceram, além da oficina para o fabrico da pólvora, já mencionada, pequenas unidades de fabrico de armas - as Ferrarias d'El Rei - as quais produziram armas brancas, arcabuzes e mosquetes. Situavam-se ao longo da margem direita da ribeira, cuja tradição ainda hoje se conserva pelo topónimo de "Ferrarias" (c f. Ponte da Ferraria, Planta de 1 8 1 7). Fot. 3 - Pormenor d e dois al mofarizes d a FoI. 2 (fotografia antiga). 1 10 Fot. 4 - Escudo de armas de D. Manuel /, reutilizado para encimar o portão da Fábrica de Cima. A planta levantada em 1 8 1 7, por seu turno, representa, também na margem direita, uma já então "antiga azenha, para amoLação de espadas ". Rainer Daehnhardt conserva, na sua colecção de armaria antiga diversos exemplares de mosquetes de muralha por ele atribuídos às "ferrarias" de Barcarena, produzidos no final do século XVII e destinados à fortaleza de Cascais; tais peças figuraram, conjuntamente com outra, também ali fabricada por cerca de 1 690 (em cujo fecho se encontra o nome de R. D., Roland Duelos, conhecido espingardeiro francês que comandava as oficinas de Barcarena naquela época) em exposição do Museu Nacional do Traje em Lisboa (Abril / Agosto de 1 979) (N/A, 1 979). I I I Com efeito, aquele espingardeiro e Claudio de Gamboa alugaram e tomaram por dez anos as ferrarias de B arcarena com os seus engenhos e moinhos (estes moinhos eram de farinha e não de pólvora na opinião de PALMEIRIM et aI. , 1 855) para estabelecimento de uma fábrica de arame, arcabuzes e mosquetes (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. VIII, nota 26). Pouco depois, faleceu Gamboa; fez-se então o sequestro de tudo o que se encontrou nas ditas ferrarias, que foram de seguida abando­ nadas. Tal situação explica o termo definitivo da produção de armas, ali verificado no final do século XVII. O mesmo não aconteceu aos moinhos de pólvora. O sistema de galgas foi introduzido em Portugal por António Cremer, que, depois de ter arrematado o fabrico da pólvora em Barcarena (transformado em monopólio), inaugurou a Fábrica de Baixo, em 1 729. Embora o sistema de trituração fosse diferente do anterior, os componentes e o produto final eram, no essencial, idênticos, pouco se alterando ao que em 1 540 foi descrito: "a trituração, mistura e encasque dos elementos, a granisação da matéria, a lustração e a calibração do grão, são as operações principais do fabrico da pólvora " (MARDEL, 1 893, p. 69). O encasque, como atrás se referiu corresponde à operação de mistura dos três elementos fundamentais que constituem a pólvora, o carvão vegetal, o salitre e o enxofre, por forma a se obter uma massa ou pasta compacta e humedecida, mediante a adição de diversos líquidos. Em Barcarena, foram então instalados até seis engenhos de galgas: a Fábrica de Baixo possuía quatro, situando-se os dois restantes na zona onde, mais tarde, viria a edificar-se a Fábrica de Cima. Tais engenhos, correspondendo essencialmente a duas mós de pedra rolando vertical­ mente sobre um prato, também de pedra, movidas por uma roda de veio horizontal (azenha), accionada pela água, serviam para o encasque das massa, que seguia para a fábrica de Alcântara, para se ultimar (PALMEIRIM et aI. , 1 85 5 , p. IX, nota 32). Este sistema, accionado pela água, vigorou até ao advento da introdução da energia hidroeléctrica, em · 1 925, não sem que antes houvesse proposta de alterações ao primitivo sistema de moagem por pilões, por parte do General Manuel Ribeiro de Araújo, em 1 832, que não teve seguimento (PALMEIRIM et ai., 1 85 5 , p. 37). Talvez que tal facto se explique atendendo à maior força da pólvora se obter quando 1 12 aquela era fabricada de unir baixo de pesadas galgas. Pouco depois da proposta referida, uma outra preconizava a transformação do movimento circular das galgas em rectilíneo, pretendendo-se aSSIm evitar os fogachos, a qual também não teve seguimento. FoI. 5 - Vista geral da zona da Fábrica de Baixo e edficíos anexos . obtida da margem direita da ribeira de Barcarena (fotograia de 1 7 de Outubro de 1 963). 1 13 A Fábrica de B aixo é, das duas, a que maior interesse arquitectónico e patrimonial possui. Nela é mais evidente o cuidado posto na sua Fot. 5 construção, como se pode observar no robusto cunhal de cantaria aparelhada do ângulo sudeste do alçado nascente, bem como na zona do alçado poente que suporta o canal de alimentação de água às azenhas. No referido cunhal e no que lhe fica oposto, na fachada meridional, observam-se duas fases construtivas bem diferenciadas. Com efeito, as características do acabamento dos blocos de calcário aparelhado observávei s na parte inferior daquele cunhal, bem como o tamanho, são diferentes, comparativamente aos do troço superior, menores e de acabamento mais regular. Tais aspectos configuram duas Fot. 6 fases construtivas da Fábrica de Baixo, correspondente a mais recente à reconstrução em consequência da destruição parcial devido a explosão ou, em alternativa, a uma simples alteamento do edifício. A primeira hipótese poder-se-ia relacionar com uma das mais importantes explosões verificadas: a de 1 774 que, apesar de muito violenta não . deve ter produzido estragos de monta nos edifícios, por se ter verificado no pátio de enxugo da pólvora, a céu aberto, e a de 1 805 provocando grandes destruições na Fábrica de Baixo, especialmente nos seus telhados. É de referir, a propósito, que os edifícios da Fábrica de Barcarena onde se preparava ou manuseava a pólvora, se caracterizam por coberturas muito leves, contrastando com a robustez das paredes. Tal evidência explica-se pela preocupação de possibilitar a rápida expansão do ar, decorrente da explosão, obviando a maiores estragos. Desta forma, é provável que a explosão de 1 805 , além de ter danificado fortemente o telhado da fábrica, induzisse também estragos na parte superior das paredes, explicando-se deste modo, mais do que em con­ sequência de simples alteamento, as diferenças registadas na estrutura. A reconstrução dos edifícios atingidos foi rápida. Os nichos que se observam na fachada principal da Fábrica de Baixo, dando-lhe um certo ar monumental, em estilo neoclássico, datam provavelmente desta época. Foi , também, por esta altura que se terá começado a discutir a conveniência da construção de uma nova fábrica - a Fábrica de Cima a qual, em 1 8 1 7, j á se encontrava concluída (NAPION, 1 805). 1 14 FoI. 6 - Fábrica de Baixo. Cunhal sudeste da fachada principal constituído por blocos de cantaria evidenciando. pelo tamanho e acabamento. duas fases construtivas. A mais recellte. representada por blocos de menores dimensões e aparelho mais regular. poder-se-á atribuir à recollstrução subsequente à explosão de 1805. 1 15 Fig. I I - Planta dafábrica de pólvora, em Barcarena, mandada fa:er por Martinho de Mel/o, datada de 22 de Agosto de / 775 (original no Centro de Estudos A rqueológicos de Engenharia Militar). - - . � � • � + I � Fig. 12 - . � � � � � Fragmento da planta de 1775 relativo à Fábrica de Baixo (original no Centro de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar). Corresponde à situação actual, excepto no que respeita à alimentação da caldeira de baixo, realizada por canal que dava ligar a um aqueduto coberto muito próximo da caldeira, onde entrava pelo lado nascente. À esquerda, há a casa do engenho do cuque, representada com uma mó. É interessante observar que, tanto da explosão de 1774 como da de 1805, sobrevieram importantes melhoramentos para a produção de pólvora em Barcarena. Assim, na época que se seguiu à primeira, procedeu-se à construção de mais dois moinhos, atrás referidos, na zona que viria a ser ocupada pela Fábrica de Cima, os quais figuram já na planta mandada levantar por Martinho de Mello, em 1775; foi também promovido nessa altura o "augmento, e aperfeiçoamento officinas" 117 Fig. 11, 12 e 13 consubstanciaram-se, sobretudo, pela acção de Bartholomeu da Costa, que mandou "construir novos granisadores, e peneiros de mão, para fazer a granisação, limpeza, e a separação da pólvora com mais facilidade e economia, em quanto se não apromptava um grande engenho de granisar, movido a bois, que depois foi destruído na explosão acontecida em 1 805 " (PALMEIRIM, et aI. , 1 855, p. 30). Fig. 1 3 - Fragmento da planta de / 775 relativo à zona da Fábrica de Cima, onde existiam dois engenhos (original no Centro de Estudos A rqueológicos de Engenharia Militar). A água provinha dum canal, provavelmente com origem no actual açude, e. depois de accionar as azenhas, seguia por canal para a Fábrica de Baixo. 1 18 j - th/m ). !l l 1. ó p� V.ó 14�' p.\Iü.o-> à.c rlW'Ó : e�pfi�·, {Vt<.ô)e �à} . crW. r E i R A S rE Rt{ ,_ Pl O PER F.EHCEJVTE I fAlR/CI / • . . - . - . - - - - . .' B . " . " . " . " . ", c� 'l \O'1 �H' t Ii 181i . .l)� . c � ) Ill (\) \ ".C 1 U \ .)1. 'J. , 11> 4 W' m1 j«t J E " , . . - . _ - - .' _ . . " ­ 1 . C a l d e i ra e e n g e n hos de c i m a 2 . C a l d e i ra e e n g e n ho s de b a i x o 3 . P á t i o de e n x u g o da pó lvora 4. A ç u d e 5 . Antiga azenha C i rc u ito h i d rá u l ico p r i n c i p a l : _A - _ ' M�� J O� ? � 'O = = � � 3 O= � O= " C � � � = , O= = = � ' O= = = = = � � � = = = � = = � A8 C D. E. C"rreú-" f,' . "{"rtr.""" J.I,.." rtt Fig. 14 - /" !ur6Jlll:raúc. t T,/Iu".." v'lr" ., ur'ur'.,_\' �. Phil/a do kml FâiJrim ti,· 1 '1Í1\'(}/ de 3arcarel/a. de I X I 7 (g/'{/l'II// il/ PALMEIRIM eT ai .. IX55). COIII realce 1 19 A c é u a b e rto A d u çã o da c e n t r a l h i d ro e l éc t r i c a - '''j''. dos circlli((ls -, ii!níll/icos li dl / I ' I e.\Slnlles e adiçüo do circllilll ltidrâu/ico da ceI/Irai hidroeléurica de C i rc u i t o h i d rá u l ico sec u n d á r i o : _ - _ E m a q u ed uto s u b t e r râneo I.",'u urru,,,a!u """,1, .r€ I'r['lul" '�/lÚtltccr " OH'C':l4 I., .." .,',,'1(' .I . 4r" n t fn '(lr" /.' UÜIICI"S J. Ob,�·,·n" i.yru,, ,'�.?r"",h , ..' O/;�,'''fI c é u aberto E m a q u ed uto s u b t e r râneo 1 925. . - - _ .. _ . _ . _ . - e Aquele técnico promoveu também a substituição das galgas e pratos de pedra por outros, de bronze, que se fundiram em Lisboa, no Arsenal do Exército, por forma a diminuir a ocorrência de fogachos, tendo porém conservado um "engenho de galgas, e pratos de pedra para triturar o enxofre e o carvão " (idem, ibidem). Talvez as duas galgas mantidas em uso neste último engenho sejam as que ainda hoje se conservam junto da entrada principal, comunicando com o pátio da Fábrica de Baixo. A substituição das galgas de pedra pelas de bronze obviaria, assim, à inutilização, por incêndio, das "tarefas" , quantidade determinada de Fig. 14 pólvora que, de cada vez, era encascada nas galgas. O tempo de preparação do encasque de cada tarefa, que poderia variar entre 20 e 30 kg, era determinado pela experiência; verificou-se que moagens muito prolongadas concorriam para menor poder explosivo da mistura (MARDEL, 1 893, p. 7 1 ); o número de rotações por minuto das galgas variavam entre 8 e 1 0. No tempo de Bartholomeu da Costa, o encasque realizava-se do seguinte modo (MARDEL, 1 893, p. 7 1 ) : "Espalhada, com igualdade, no prato a tarefa, tritura va-se primeiro a secco; em seguida regava-se com 2 por cento de água, operação que se repetia todas as vezes que a supeificie da pólvora se tonava pulvorenta. Logo que a trituração e a mistura se considerava suficiente, o que o operario reconheceria pela apparencia do producto, diminuia-se a velocidade das mós, continuando ainda por algum tempo vagarosamente para que o encasque adquirisse o grau de humidade determinado e a densidade conveniente ". O tempo de cada operação dependia, naturalmente, do tipo de pólvora produzido. Bartholomeu da Costa estabeleceu os seguintes limites (PALMEI RIM et aI. , 1 855, p. 30) : - pólvora de guerra - primeiramente 2 h, depois 1 ,5 h e finalmente Fot. 7 1 h; - pólvora de caça (chamada do Príncipe) 3 a 4 h. - A manufactura destes dois tipos de pólvora encontra-se descrita em pormenor em PALMEIRIM et aI. , 1 855 (p. CLXXXIV a CLXXXVIII). As percentagens em que entravam os símplices na preparação da pólvora do Príncipe, foram mantidas secretas (idem, p. 30); a mistura dos símplices, era concomitante com a sua própria moagem. Tal solução tinha o inconveniente de promover uma deficiente homogenei­ zação do produto, traduzindo-se também pela sua deficiente qualidade. 121 Em 1 802 ainda se produzia assim a pólvora. Foi NAPION, 1 802, quem propôs, naquele ano, entre outros melhoramentos, o de triturar separadamente e misturar depois os símplices antes do encasque (MARDEL, 1 893, p. 7 1 ). Porém, sob a direcção técnica de Bartho­ lomeu da Costa, tinha-se construído um pequeno aparelho chamado urso mantido em uso ainda em 1 855, para aquela finalidade. É provável que tal máquina servisse, apenas, para o fabrico da pólvora do Príncipe, pelas razões atrás apontadas. FoI. 7 - Caixas de lata para a comercialização de diversos tipos de pólvora produzidos em Barca rena. metodologia que passou a ser adoptada em Portugal no fabrico da pólvora consistia em adicionar o carvão com o enxofre, sendo o salitre triturado ou não isoladamente, por sair já em pó da refinação (idem, p. 7 1 ) ; tal produto, para assegurar a sua pureza, sofria cinco a seis refinações sucessivas (PALMEIRIM et ai. , 1 855, p. 30), sendo prepa­ rado, ao menos parcialmente, na fábrica de Alcântara e depois, também em Barcarena. Além das galgas, outros aparelhos se passaram a usar em Barcarena para a preparação de pólvora, no tempo de Napion; alguns, atribuiram mesmo a grande explosão de 1 805 "á nova machina de trituração, que Napion estabelecêra " (PALMEIRIM et ai., 1 855, A 1 22 p. 33). As máquinas de trituração descritas em 1 855 (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. 1 37) consistiam em "barricas que giram sobre eixos collo­ cados horizontalmente, postos em movimento pela roda hydraulica ". Desta referência se conclui que a energia hídrica servia para accionar tais máquinas, para além das galgas. Em 1 8 1 3, segundo MARDEL ( 1 893, p. 72), no decurso da trituração isolada dos símplices, então já plenamente adoptada, o salitre era passado pela ciranda para se separar o mais miúdo; o mais grosso era triturado n 'um engenho movido por manivella e composto de dois cylindros raiados, á similhança dos moinhos de café, reduzindo o salitre a grão fino. O enxofre era moido n 'uma galga movida a bois, sendo depois passado por peneiro a que dava movimento de vae-vem. O carvão triturava-se no mesmo engenho e peneirava-se n 'um peneiro cylindrico de rede fina de arame. A mistura de 20 partes de enxofre com 32 de carvão, era levada aos cylindros ou toneis onde havia 75 arrateis de bolas de bronze, e ali se triturava de novo, duas horas antes do encasque" . Os três ingredientes para o fabrico da pólvora tinham origens distintas. Para a produção do carvão, como atrás se referiu, dispunha a Fábrica de B arcarena de um terreno na margem sul, em Rilvas, perto do Rio Frio (Alcochete) cuja planta foi levantada em 1 83 1 e se apresenta como anexo ao trabalho de PALMEIRIM et aI., ( 1 855). Na fábrica ali situada procedia-se à carbonização da madeira. O produto era depois expedido para B arcarena. Segundo os referidos autores (p. XIX, nota 60), "em 1813, o corte das madeiras fazia-se de Junho a Agosto, cortando pelo pé as arvores que tinham de 9 anos para mais; para a polvora ordinaria fazia-se o carvão de madeira de amieiro e salgueiro, e para a do Príncipe, de sanguinho. A carbonização tinha logar nos mezes de Maio a Setembro. Cada fonada gastava 20 horas, e estava abafada 8 dias; o carvão era ensacado, conduzido para Caxias e d'aqui para Barcarena ". Deve, porém, notar-se que na planta de 1 8 1 7 já se encontra assinalada uma dependência na margem direita da ribeira Fig. 14 de Barcarena, destinada a oficina de carbonização, e de armazenamento do produto. Mais tarde, procedia-se ali, também à destilação do carvão, em voga em 1 855. No que respeita ao enxofre e ao salitre, o primeiro era principal­ mente importado, em canudos, de Itália e o salitre, não refinado, de Inglaterra (ver 3 . 1 ). O enxofre foi como já se disse, durante muito " 1 23 tempo, refinado em Alcântara não referindo PALMEIRIM et ai. ( 1 855, p. LXXXIV) tal prática em B arcarena. Em esboço da planta da Fábrica, de 1 883, guardado no Gabinete de Desenvolvimento Municipal da Câmara Municipal de Oeiras, aparece a designação salitre para referir Fig. 15 instalações onde se sabe seguramente ter sido feita a sua refinação e não só o armazenamento. Assim se obviavam os inconvenientes decorrentes da anterior dispersão, com o consequente aumento de preços de produção, a quebra do controlo de qualidade do fabrico e propiciando, ainda roubos e desvios durante o transporte. Tais inconvenientes, tinham levado a considerar, em 1 834, a vantagem da "reunião das oficinas de carbonisação, e de refinação do enxofre, e salitre no sítio das Laveiras" , ( idem, ibidem). Tal sítio correspondia ao extinto convento dos frades cartuxos, ainda hoje existente. Com efeitos, a "Carta Topographica e Cadastral dos arredores de Lisboa" de 1 855, assinala os referidos edifícios (SERR à O, 1 994). A operação seguinte consistia em adicionar ao composto obtido da mistura do carvão e do enxofre, o salitre, na proporção de 75 partes de salitre, para 1 0 de enxofre e 1 6 de carvão, efectuando-se esta nova mistura no "urso" , demorando o encasque 2 horas, sendo cada tarefa regada com 2 canadas de água. As experiências conduzidas em Barcarena no ano de 1 85 3 , vieram demonstrar que se podia reduzir a quantidade de água sem que daí adviesse qualquer perigo; ao contrário, melhorava-se a eficiência da mistura explosiva (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p . 1 1 2) . Nesta época, alterou-se também o doseamento dos símplices, passando adoptar-se o doseamento francês (PALMEIRIM et aI., 1 855, p. LXXXV). Até então vigoravam, com alterações menores, os doseamentos introduzidos por Napion (em 1 802 preconizou o abandono do doseamento português, passando a adoptar­ -se para a pólvora de guerra o da pólvora do Príncipe, que era de 36 partes de salitre para 5 de enxofre e 7 de carvão. Mais tarde, as dosagens foram alteradas; de 1 836 a 1 845, década em que a Fábrica laborou regularmente, utilizavam-se as seguintes percentagens (PALMEIRIM et ai., 1 85 5 , p. XXXIV, nota 1 08): - para a pólvora comum - 74 de salitre, 1 6 de carvão e 0 de enxofre; - para a pólvora do Príncipe - 75 de salitre, 1 3 de carvão e 1 2 de enxofre; 1 24 Em B arcarena, as galgas movidas por água ou a sangue, tanto na Fábrica de Baixo como na de Cima, destinavam-se tanto à moagem como ao encasque dos símplices, efectuando-se este ulteriormente segundo o seguinte processo: depois de distribuída a tarefa no prato, procedia-se ao encasque durante 1 h, sem adição de água, dando as galgas seis voltas por minuto. A rega fazia-se ao fim da primeira e da segunda hora, das três que durava a operação (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. LXXXIX). Para os trituradores, cuja função era idêntica à das galgas, desde 1 879 que se utilizou em Barcarena, a máquina a vapor (MARDEL, 1 893, p. 7 1 ), substituindo a energia hídrica, que se continuou a usar nas galgas. Sucedia-se a granisação, operação cujos objectivos foram anterior­ mente apresentados. Em B arcarena "era costume aproveitar as agoas de inveno para fazer o encasque (. . . . . ), e granisa-la de verão " (PALMEIRIM et aI., 1 855, p. 1 1 1 ). A época mais vantajosa para granisar a pólvora era aos quinze dias depois da encascada, segundo experiências efectuadas em Barcarena em 1 852. A granisação era completada por outra operação que, em Barcarena se efectuava-se na casa da harpa, "oficina de separação da pólvora " (idem, ibidem, p. 33); tratava-se de crivar o graniso, separando-o por tamanhos pré-estabelecidos. Tal operação executava-se, primitivamente, em um "peneiro com malha de certa dimensão por onde o encasco, depois de esmigalhado a massa, era com um rolo, forçado a passar" (MARDEL, 1 893, p. 76). A harpa, em uso no ano de 1 833 compunha-se de dois crivos de couro e um peneiro (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. LXXXIX). A harpa que se encontrava em uso em 1 8 1 3 era idêntica, senão a mesma. Ainda em 1 845 a separação da pólvora se fazia no referido aparelho, "sendo o trabalho d 'este feito a braços, além de violento, arriscado, pelo que se dava uma gratficação aos operários, empregados n 'este trabalha " (PALMEIRIM et al. , 1 855, nota 1 8) . O abandono d a harpa ocorreu antes 1 854. Com efeito, o relatório nesse ano apresentado ao Brigadeiro Augusto Palmeirim refere a sua substituição por um cilindro de separação com respectivo peneiro, movido por um motor hidraúlico, tal como acontecia com os granisadores e lustradores. A adopção do granisador Lefevre em Barcarena deve ter-se verificado nessa altura; a planta de 1 883 assinala o local onde se encontrava instalado. Tal aparelho constava de um caixilho octogonal 1 26 Fig. 15 de 2, 50 m de diâmetro, recebendo de oito a doze peneiras no seu interior. Cada unidade, ou granisador propriamente dito, era constituído por três peneiras sobrepostas. Deste modo, cada unidade funcionava independentemente, sendo alimentadas por funis, por onde era intro­ duzidos o encasco, ainda húmido. Segundo MARDEL ( 1 893, p. 77, a granisação da pólvora neste aparelho de Barcarena era considerada uma operação perigosíssima. Por esse motivo, os operários vigiavam-na "de uma quarto próximo e separado da oficina por um muro muito espesso, por uma especie de fresta fechada com um vidro muito grosso " (idem, p. 77). Mais tarde, adoptaram-se granisadores de rotação, accionados hidraulicamente, e que são aparelhos análogos aos trituradores, de forma cilíndrica, ou prismática; revestidos de rede de arame de latão ou de couro, com aberturas de tamanho idêntico e pré-estabelecido, tendo em vista a selecção granulométrica, após o que fica a pólvora pronta para ser embarrilada. Dentro do granisador era deitado o encasco, em fragmentos pequenos juntamente com cubos de madeira rij a, que promoviam a melhor desagregação daquele. Durante a operação de rotação a que era sujeito o granisador, acumulava-se no envólucro exterior deste, consti­ tuído por peneiro de malha muito apertada, uma poalha ou pó verde, a qual poderia ser reunida aos pequenos fragmentos de encasco que não se desagregaram dentro do granisador - o burgau - para nova operação de encasco. A tal mistura dava-se o nome de "cuque " (MARDEL, 1 893, p. 76). Para o reprocessamento do cuque existia, em 1 837, "uma prensa de encascar, produzindo tanta pólvora quanta o fariam quatro engenhos hydraúlicos; dispensando muitos homens, e tendo a água por seu motor " (PALMEIRIM et al. , 1 85 5 , p. XXX, nota 1 0 1 ). Os autores acrescentam que tal máquina, intalada por Pedro Celestino Soares (filho), que sucedeu ao B rigadeiro do mesmo na direcção técnica da Fábrica, constava de uma caixa de bronze, munida de um parafuso e de lâminas de cobre. O cuque era disposto em camadas de uma polegada, entre cada par de lâminas de cobre, sendo depois regado com água. A prensagem era executada por seis homens. . Esta prensa apenas serviu algumas vezes, em época de maior escassez de água, encontrando-se abandonada em 1 85 3 . 1 27 Pedro Celestino Soares (filho) promoveu outros melhoramentos em Barcarena, não só no que concerne aos ensaios da pólvora (concepção de um morteiro-provete português) como quanto à trituração, granisação e lustração. Para esta última operação recuperaria uma máquina fora de uso, que lustrava a pólvora por balanço, poupando o trabalho de 24 homens. Os resultados, porém, não foram animadores, continuando tal operação a ser feita manualmente. Em Barcarena, no tempo de Napion, produzia-se pólvora de, pelo menos dois calibres, e dentro destes, de diversas qualidades. A sua eficiência foi testada em 1 4, 1 5 e 23 de Agosto de 1 804 na praia do Alfeite; os ensaios com o morteiro provete, então efectuados, demons­ traram que à pólvora fina, feita com carvão destilado, correspondia um alcance de tiro de 1 33 ,50 braças, pouco inferior às 1 35 braças atingidas com a pólvora fina inglesa, enquanto que, com a pólvora grossa, se atingia apenas a distância de 96,75 braças (PALMEIRIM et aI., 1 835, p. 35). Tais resultados vieram desmentir, concludentemente, as acusa­ ções de negligência de que Napion viera a ser objecto. O posterior declínio da qualidade da pólvora é bem demostrado pelos resultados dos ensaios de 22 e 24 de Novembro de 1 825 em que o alcance foi apenas de 1 1 9 braças. O melhor resultado com a pólvora grossa foi obtido com a do ano de 1 8 1 6: atingiu-se a distância de 97,7 braças, apenas ligeiramente superior à correspondente à homóloga, da experiência de 1 802 ( idem, p. 38). A decadência da Fábrica de B arcarena, após a gestão de Napion, era, assim, directamente aferível pela degradação de qualidade dos produtos. A qualidade do produto continou a descer; novas experiências efectuadas no Campo Grande, em 1 1 de Junho e em 5 de Julho de 1 827, vieram demonstrar acentuada quebra (idem, p. 40). O recurso a campos de ensaio longe de Barcarena não era justificável. Porém, só em 1 85 1 se estabeleceu um lugar para a instalação do morteiro provete e sua carreira (PALMEIRIM et aI., 1 855, p. 1 05). Esta informação, bem como os ensaios realizados tanto no Campo Grande como no Alfeite, parecem contraditórios com a indicação, na planta de 1 8 1 7 , de uma "carreira do morteiro provete ", situada numa terra de pão pertencente à fábrica, na encosta direita da ribeira de B arcarena. A pólvora, após granisação, poderia ser submetida a outra operação, a da lustração, a qual foi anteriormente descrita. Tal tratamento tinha, 1 28 como consequência, o aumento da densidade do produto. Lotes de pólvora fina lustrada fabricada em B arcarena foram ensaiados conjuntamente com outros, de pólvora fina não lustrada, os quais deram melhores resultados (ensaios de 22 e de 24 de Novembro de 1 825, efectuados no Campo Grande, cf. PALMEIRIM et al., 1 855, p. 38). Em Barcarena, fizeram-se experiências no ano de 1 853 para testar a eficiência de pólvoras lustradas e não lustradas, bem como quanto à conservação da qualidade de umas e outras no tempo. A aparente menor eficiência da pólvora lustrada era invertida no tempo, em consequência de menor absorção de humidade, resultante do tratamento dado à superfície dos grãos. O referido tratamento era obtido pela simples fricção dos grãos entre si, dentro de um tambor de madeira rotativo, semelhante aos granisadores e, tal como estes movidos pela água (op. cit, p. 1 39). A carga unitária era de 200 kg, durando cada operação de 7 a 8 h, a 1 5 Lp.m., para o lustrador francês da Fábrica de Barcarena (MARDEL, 1 893, p. 80). Para o lustrador comum a carga é de 50 kg, e a operação dura uma hora, a 20 Lp.m. Para a trituração, lustração e granisação, eram, como atrás se disse, empregues aparelhos movidos por veios horizontais accionados hidrau­ l icamente e, depois pelo vapOL Tais equipamentos encontrar-se-iam em dependências contíguas à das galgas (as oficinas), de onde resultavam i nconvenientes funcionais, além de aumentar a probabilidade de ocorrência de acidentes. Para obviar a tal situação, PALMEIRIM et aI., ( 1 85 5 , p. 1 39) propõe a instalação em oficinas separadas; aproveitar-se­ -ia, para o efeito, uma azenha arruínada assinalada na planta de 1 8 1 7 (letra C da fig. 1 4). Desta forma, nos edifícios das fábricas, propriamente ditas, passaria a produzir-se apenas o encasque da pólvora, nas galgas. Em 1 879 foi introduzida a máquina a vapor para o movimento dos trituradores, sendo provável que tal energia motriz fosse então também adoptada nos outros tipos de equipamentos (MARDEL, 1 893, p. 7 1 ). A secagem ou enxugo da pólvora podia fazer-se antes ou depois da lustração em qualquer dos casos, tinha por finalidade a extracção de parte da humidade evitando o empastamento, sendo igualmente apli­ cável ao encasco antes da granisação (MARDEL, 1 893, p. 8 1 ). Em pólvoras não lustradas, pode considerar-se esta a última operação antes da embarrilagem. A secagem era efectuada primitivamente ao ar livre; em B arcarena, existe um vasto recinto - o pátio do exugo - destinado a 1 29 tal fim, delimitado por muros muito altos, para obviarem ao risco de incêndio. A secagem, efectuada em tabuleiros, considerava-se con­ cluída ao fim de um dia com 5 a 6 h de exposição solar. Quando tal operação se não podia eonc1uir em um só dia, era a pólvora novamente guardada. A grande dependência das condições atmosféricas, a par da contaminação produzida pelas poeiras trazidas pelo vento, e a gretagem nos grãos decorrente de uma abrupta exsicação, levou a introduzir melhorias recorrendo a estufas, cuja instalação fora recomendada por PALMEIRIM et ai. , 1 855, p. 1 42. Em B arcarena existia em 1 893, uma estufa para a secagem que permitia o enxugo diário, por metro quadrado, de 90 kg de pólvora, enquanto que ao ar livre apenas seria possível enxugar 7 kg. A temperatura mantinha-se em 60 °C, sendo o aquecimento obtido por água quente, que circulava em canalização (MARDEL, 1 893, p. 82). A introdução de água para o aquecimento terá sido concomitante com a adopção das máquinas a vapor, já mencionadas, em 1 879. Com efeito, no "Catalogo do Material de Guerra manufacturado nos estabelecimen­ tos fabris do Comando Geral de Artilharia", de 1 888, N/A, 1 888, pode ler-se (p. 1 0) : "Até ha poucos annos, os trituradores, misturadores, galgas, granisadores, peneiras e lustradores, que são os apparelhos empregados no fabrico da polvora, eram postos em movimento por motores hidraulicos ou a sangue. Recentemente, depois do uso das peças de carregar pela culatra, estabeleceram-se motores a vapor que dão movimento a estes engenhos e a prensas adquiridas para o fabrico das novas polvoras . . . . )" . Porém, no Inquérito Industrial de 1 890 (publicado em 1 89 1 ), e no que à Fábrica de B arcarena diz respeito, são apenas mencionados sete engenhos hidráulicos (quatro na Fábrica de Cima e três na de Baixo), a que correspondiam a totalidade de 50 CV. É provável, pois que tal informação dissesse respeito apenas aos engenhos de moagem - as galgas - e não aos outros engenhos, a vapor, que, por serem mais numerosos e de menor importância não foram des­ criminados; citam-se, apenas, 3 caldeiras. A importância da aplicação da força motriz com origem no vapor aumentou, naturalmente, acompanhado o próprio desenvolvimento da Revolução Industrial. PEREIRA e RODRIGUES ( 1 906, p. 1 1 5) referem já a existência de "4 motores a vapor da força total indicada de 1 60 cavalos; um d'elles de reserva e os restantes estão sempre a trabalhar ". Conquanto não se pormenorize em que equipamentos, presume-se que sejam os mesmos 1 30 referidos anteriormente (em 1 888), muito embora, repita-se, as galgas tenham funcionado por energia hidráulica até pelo menos 1 9 1 0, conforme consta da planta nesse ano efectuada. Como se verifica na planta da Fábrica de 1 8 1 7 as instalações desenvolviam-se praticamente apenas na margem esquerda da ribeira de Barcarena. As instalações então existentes na margem direita ou que nela estavam projectadas respeitavam apenas aos seguintes equipa­ mentos: - carreira do "morteiro provete"; - oficina de carbonização situada em zona próxima do local da central hidroeléctrica de 1 925; - oficina de graniso, projectada para o local onde existia uma azenha em ruínas; - armazéns para os utensílios da oficina de granizo e "provete" . Segundo o esboço de planta datado de 1 6 de Novembro de 1 883, da autoria de Joaquim Nunes da Matta (cujo original se guarda no Fig. 15 Gabinete de Desenvolvimento Municipal da Câmara Municipal de Oeiras), as instalações situadas na margem direita da ribeira haviam sido entretanto ampliadas, para compreender as seguintes estruturas: - oficina de carbonização, situada no extremo sudoeste dos ter­ renos da Fábrica; - carreira do " morteiro-provete" , já existente anteriormente, e a Í instalação para o cronógrafo, aparelho invert}do em 1 863 ; - edifício do locomóvel n.O 2, de que se desconhece a função (o do locomóvel n.o 1 situava-se junto da Fábrica de Cima); - outro edifício de funções não identificadas, o qual, conj unta­ mente com o anterior, se situava na zona das centrais eléctricas Diesel dos anos vinte; - edifício estreito e alongado, com orientação aproximada norte-sul, constituído por nove compartimentos designados por "oficinas a vapor", sendo a do extremo meridional muito estreita; - três depósitos entre as "oficinas a vapor" e o granisador " Lefêbvre", que se sabe ter estado implantado próximo do passadiço da fonte caiada; - o granizador "Lefêbvre". 131 I ! r - -2 'l" o- o , �· _ -· _·-- l I I \ \ - - -- - - -- .- \\ ., \ \ . , " \. \ . , .\ ':" ' .�. , .. \ " , .•.. ,-' Fig. 1 6 - Fábrica da Pólvora de Barcarena. Fragmento da planta de 1918 (zona sul, margem direita). 1 - Trituração de salitre e enxofre e sua mistura; peneiração e depósito de enxofre e carvão. 2 - Telheiro e pátio de secagem da madeira de salgueiro. 3 - Carbonização. 4 - Mistura manual e mecânica e tanque. 5 Morteiro provete. 6 - Tanque para alimentação das caldeiras da central. 7 - Casa das caldeiras. 8 - Estufa. 9 - Acumulador de vapor, prensa hidráulica, lustradores, prensa hidráulica e tanque. la - Depósitos de pólvora. 1 1 - Granisadores. o A planta a que se reporta a descrição apresentada não possui qualquer referência às funções das oficinas a vapoL Existem, contudo duas plantas mais recentes, ambas à escala de 1 / 1 000, uma de 1 9 1 8 e Fig. 1 6 outra de 1 927, não representada nesta obra, onde o s edifícios estão numerados e acompanhados das respectivas legendas. 1 32 r-·- ' ! .. . ! Fig. 1 7 Planta da zona da caldeira de baixo, Fábrica de Baixo e pátio de enxugo, em que os pontos representam os suportes dos tabuleiros da pólvora (da planta à escala 1/1000, de 1 939). Mostra-se o açude (a vermelho) para onde era distribuída a água das azenhas da Fábrica de Baixo, o canal dele derivado e, a montante. um passadiço que suportava um pequeno aqueduto (não representado) com origem a montante da caldeira de baixo para rega da margem direita (destruído pela cheia de 1 96 7). - 50m - - - Fig. 1 8 Planta da ona a sul da Fábrica de Baixo (da planta à escala /1/000. de / 939). 60 Granisadores. 66 Pavilhão da pólvora negra, destruído por explosão em / 972. 6 7 Depósitos de pólvora. 69 - Casa do morteiro prove te. 72 - Refinação do salitre. 73 A rmazém de lenhas. 74 a 76 - Engenhos de galgas. 77 Misturadores. manuais e mecânicos. 79 - Cronógrafo. 80 - Trituradores e peneiros de mistura binária. 83 Carbonização. 84 e 85 - Centrais eléctricas Diesel. 86 Esufa. 88 Central hidroeléctrica. - - - - - - A análise conjunta das plantas de 1 9 1 8 e de 1 927 e respectivas legendas permite atribuir aos compartimentos do edifício alongado atrás referido, de sul para norte, as seguintes funções: - acumulador de vapor da prensa hidráulica (planta de 1 9 1 8) e motor eléctrico (planta de 1 927); - oficina da prensa hidráulica; - duas oficinas de lustrador; - oficina de calibração mecânica; - três oficinas, sendo duas de peneiração; - duas oficinas para prensa de pólvora e lustração. - Oficina adjacel/te i Fábrica de Cima, em plena laboração. Um veio geral acciona vários equipamentos. por meio de sistema de tambores e correias (fotografia al/tiga). FoI. 8 1 35 Fig. 1 9 - Planta da zona entre a Fábrica de Cima e a à Fábrica de Baixo (da planta à escala ///000, de / 967). / Caldeira de cima. 2- Fábrica de Cima. 3 Antigo bairro operário. 4 - A begoaria. 5 Depósitos de pólvora encascada pertencentes aos engenhos de baixo. 6 - Caldeira de baixo. 7 Fábrica de Baixo. 8 - Antiga tanoaria. 9 Ponte-canal para a central hidroeléctrica, / 925. - - - - - Em ambas as plantas observa-se, junto do edifício anterior, um edifício de planta hexagonal e cobertura em seis gomos, servindo como "acumulador da prensa" . Observa-se também nas plantas de 1 9 1 8 e de 1 927 uma construção atribuída na primeira à "casa das caldeiras" e na segunda à velha "central eléctrica (Diesel)" , apenas construída três anos antes. Aliás, o número de equipamentos deste tipo, instalados em 1 890 encontra-se à época indicado, N/A, 1 89 1 , p. 254. Evidencia-se uma nítida evolução tecnológica da Fábrica, de 1 9 1 8 para 1 927: a importante utilização das máquinas a vapor deu lugar à de motores eléctricos, se bem que em 1 9 1 8 já existissem alguns, para accionamento dos granisadores que em 1 883 utilizavam o vapor. De facto, MARDEL ( 1 893, p. 7 1 ), cita a máquina a vapor para accionar tri turadores. A importância da electricidade é reforçada pelo edifício da central hidroeléctrica inaugurada em 1 925 e respectivos engenhos de galgas movidos a electricidade. A planta de 1 939 não possui sensíveis alterações face à de 1 927, o que sublinha a ausência de desenvolvimento assinalável da Fábrica nesse período. Porém, em 1 929 foi instalada, em edifício já existente, uma segunda central eléctrica Diesel , de apoio à central hidroeléctrica de 1 925. Nos anos 40, o desenvolvimento do fabrico de novos explosivos, justificam a introdução em B arcarena de uma linha de pólvora química. Em consequência, construíram-se novas instalações e ampliaram-se outras. Com efeito, a planta à escala 1 / 1 000, de 1 967, mostra o grande desenvolvimento das instalações na margem direita, com vista à produção de nitrocelulose, pólvora química, e carregamento de munições, além do fabrico da pólvora negra, que continua até 1 972, altura em que uma violenta explosão no edifício alongado, representado pela primeira vez na planta de 1 883, tornou inviável a recuperação da respectiva linha de fabrico, como atrás se referiu. Incêndios e explosões constituiram, com efeito, uma ameaça permanente, havendo especiais cuidados na prevenção e combate aos sinistros. 1 37 Fig. 17 Fig. 18 Fot. 8 Fig. 19 Fot. 9 Fot. 9 - Interior do edifício com carros de bombeiros. de tracção e bombagem manual fotografia antiga). 1 38 6 - SISTEMAS HIDRÁ ULICOS DA FÁ BRICA DE PÓ LVORA DE BARCARENA 6.1 A água e a Fábrica da Pólvora - A localização da fábrica de pólvora de B arcarena foi muito influen­ ciada pela presença da ribeira de B arcarena, que apresentava alguma regularidade do caudal, conferida pelas condições hidrogeológicas da bacia hidrográfica. Tais condições permitiram também a captação de caudais subterrâneos apreciáveis, mediante a abertura de minas. A utilização da força motriz hidráulica em B arcarena no fabrico da pólvora, essencialmente nas operações de moagem, mistura e encasque, foi sucessivamente realizada nos três sistemas a seguir mencionados que se caracterizam neste estudo: - sistema hidráulico primitivo; - sistema hidráulico correspondente às instalações construídas por Cremer, inauguradas em 1 729, e às posteriores ampliações; - sistema hidroeléctrico, que iniciou o seu funcionamento em 1 925. A água captada na ribeira e nas minas, devidamente aproveitada, podia facultar a força motriz necessária para mover os engenhos utilizados no fabrico da pólvora. Por outro lado, a água das minas tinha a pureza que era exigida pelos processos intervenientes naquele fabrico, sobretudo no encasque da pólvora e na purificação do salitre. Com 1 39 efeito, no contrato de arrematação da fábrica a António Cremer era estipulado que "toda a pólvora que fizesse seria de salitre, enxofre, carvão e água limpa e clara, tudo de boa qualidade " (PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. 1 9) . O aproveitamento da energia hidráulica e a relativa estreiteza do vale determinaram que as instalações se dispusessem ao longo da ribeira, o que também se verificou nas ampliações realizadas já neste século, em que veio a ser ocupada, sobretudo, a margem direita, ao contrário do que até então acontecia. As condições torrenciais da ribeira, com cheias por vezes muito importantes, terão sido reconhecidas pelos construtores das instalações, que diagnosticaram a necessidade de as proteger quer das inundações quer do efeito destruidor das correntes. Assim, os pavimentos dos edifícios construídos por Cremer e as ampliações posteriores foram estabelecidos muito acima do leito da ribeira; as paredes dos edifícios e os muros adjacentes são de construção sólida, em geral com revestimento de cantaria, que atinge cerca de 8 m de altura. Não obstante, as instalações têm sido inundadas por cheias de carácter excepcional, como as que num passado recente ocorreram em 1 967 e 1 983. A preocupação de defesa contra a acção erosiva das correntes está também patente na construção de empedrados no leito da ribeira, a jusante do açude de derivação para a fábrica, e na zona em que um pequeno afluente da ribeira de Barcarena passa sobre o trecho de montante do aqueduto. A ribeira de Barcarena era também utilizada para receber as Fot. 10 emissões dos sanitários dos trabalhadores da fábrica. Alguns dos sanitários estão instalados em pequenas guaritas, construídas em consola sobre os muros adjacentes à ribeira. A drenagem da água pluvial, cuja necessidade é acrescida pela concentração do escoamento das encostas para os terrenos da fábrica, é assegurada por amplos e numerosos sumidouros e por uma rede de colectores largamente dimensionados e de valetas. A vala que segue ao longo da estrada para Queluz e "recebe as águas das montanhas em tempos de chuvas " continua até à ribeira através de uma 'funa " sob os terrenos da fábrica, junto à entrada desta (PALMEIRIM et aI. , 1 85 5 , p. CCXLI). 1 40 Fot. I (l - Muros COIII revestilllento de cantaria de boa qualidade marginando a ribeira de Barcarella. Obsen'a-se em prillleiro plano IlIl1a guarita de sanitários. 6.2 Origens da água c 6.2.1 - Ribeira de Barcarena A ribeira de Barcarena, que nasce a uma altitude de cerca de 230 m, a nordeste de Vale de Lobos, tem inicialmente um percurso de 5 ,2 km no sentido aproximado de nordeste para sudoeste e depois segue o de norte-noroeste para sul-sudeste ao longo de 1 2,5 km até a foz no estuário do Tejo, junto de Caxias, onde perfaz o desenvolvimento de 1 7,7 km. O açude para derivação de água da ribeira para a fábrica de Pólvora de Barcarena localiza-se numa secção do leito à altitude aproximada­ mente de 75 m, sendo de 5 ,9 km o percurso da ribeira entre essa secção e a foz. A bacia hidrográfica na secção do açude apresenta a área em planta de 24 km2 e a precipitação anüal média na bacia hidrográfica da ribeira de Barcarena naquela secção pode ser avaliada em 850 mm. As condições geológicas da bacia hidrográfica dão lugar a que o escoamento na ribeira receba contribuição apreciável do escoamento que seguiu percurso subterrâneo. A importância das nascentes que alimentavam a ribeira de Vale de Lobos, como é conhecida a ribeira de B arcarena no seu trecho de mon­ tante, está documentada na História do Abastcimento de Á gua a Lisboa, PINTO, 1 972, p. 36-4 1 , no excerto a seguir incluído: "Aquelas famigeradas nascentes da Mata e de Molhapão, que alimentavam o rio de Vale de obos e vinham assim engrossar substancialmente o caudal da ribeira de Barcarena, eram de uma importância vital para uns quantos agricultores, industriais e moleiros, que não poderiam prescindir da água com que regavam as suas hortas e pomares, que utilizavam nos seus circuitos fabris ou com que faziam mover as suas azenhas. Por isso, apenas tiveram conhecimento do relatório apresentado pela direcção da empresa na assembleia dos associados de 1 de A gosto, logo se apressaram a dirigir ao Rei uma extensa representação, datada de 1 7 de Setembro desse ano de 1 856, na qual se salientava a ganância com que os 1 42 adjudicatários do fonecimento de água da capital pensavam resolver o seu problema, lançando na miséria algumas centenas de famlias que tadicionalmente viviam da exploração de 26 quintas, 7 fábricas e 9 azenhas. "Que fossem buscar a água mais longe, onde ela não estivesse sendo aproveitada ". . . " A empresa era a primeira Companhia das Águas de Lisboa e o relatório da sua Direcção mencionava o projecto do aqueduto da Mata, de 9 km de desenvolvimento, que receberia directamente a água das nascentes da Mata, Molhapão, Grajal, Lagar, Carregueira, Brouco e Castanheiro, sendo as quatro últimas exteriores à bacia hidrográfica da ribeira de Barcarena. Segundo o parecer do eminente geológo Carlos RIBEIRO ( 1 857), o volume diário captável seria de 5 800 m 3 , a que corresponde o caudal de 67 l/s. O aqueduto veio a construir-se no meio de inúmeras dificuldades pelo que o contrato de concessão de fonecimento de água a Lisboa celebrado com a Companhia das Águas de Lisboa assegurava, na cláusula sétima, alguma contrapartida à Fábrica de Pólvora de B arcarena (in FERREIRA, 1 994) : "§r - O Goveno concede à Empreza o direito que tenha as ágoas das nascentes da matta e dos ribeiros affluentes da Ribeira deVal de Lobos, afim de que a dita Empreza as possa derivar para o abastecimento da capital; e para o mesmo fim lhe concede a propriedade das agoas que actualmente servem para mover as machinas da Fábrica da Pólvora de Barcarena. §4° - . . . a empreza será obrigada a garantir e fonecer à dita Fábrica um motor que seja equivalente ao que ela hoje tem . . . " · De acordo com um relatório de contas da Companhia das Águas de Lisboa, o motor terá sido adquirido pela Companhia em 1 870, não se tendo informação se foi ou não instalado em Barcarena, apesar de, nessa década, se ter verificado a introdução do vapor. Uma questão surgida muito anteriormente sobre a utilização da água da ribeira de Barcarena fora regulada pelo Rei D. José I, por meio do Decreto de 3 de Julho de 1 75 8 (in PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. XXXI), que se reveste de aspectos assaz curiosos: 1 43 ". . . porque mandando vir as ditas Consultas, e mais papeis a ellas juntas, por muitos Ministros do meu Conselho, doutos e tementes a Deus, se assentou por elles, de uniforme accôrdo, que além de serem as ditas aguas derivadas de um rio corrente, que era o que bastava para serem da Minha Regalia, e não poder alguem adquirir n 'ellas dominio sem titulo legitimo havido da Corôa, para obterem contra ella, ainda quando o negocio vertesse entre pessoas particulares, bastaria para fundar o claro dominio da dita Fabrica nas referidas aguas a immemorial posse em que se achavam de usar d'ellas as antigas ferrarias e a mesma Fabrica, que no logar d'ellas se estabeleceu sendo a mesma posse, e uso, sempre continuadas e corroboradas com a manufactura constante e permanente do aqueduto por onde correm as sobreditas aguas. . . ". Caracterizada sumariamente a bacia hidrográfica da ribeira de B arcarena e referidos aspectos da utilização da sua água no passado, importa quantificar a ocorrência da água da ribeira, na secção do açude de derivação para a Fábrica da Pólvora. O escoamento anual médio na ribeira de Barcarena, naquela secção, pode ser estimado em 250 mm, ou seja em 6 milhões de m3 , quando expresso, respectivamente, em altura de água uniforme sobre a bacia hidrográfica ou em volume. O correspondente caudal médio é de cerca de 0,20 m 3/s. A estimativa apresentada baseia-se na precipitação anual média na respectiva bacia hidrográfica (850 mm) e nas relações entre valores anuais do escoamento e da precipitação em bacias hidrográficas portuguesas (QUINTELA, 1 967, p. 1 09- 1 1 3). A distribuição temporal do caudal pode ser traduzida pela curva de duração média anual dos caudais médios diários, que representa, em função de um dado caudal médio diário, o número médio de dias em que esse caudal é excedido por ano. Na ausência de medições de caudal na ribeira de Barcarena, tal curva foi estabelecida a partir da correspondente curva para um afluente da margem esquerda do rio Tejo, a ribeira de Lamarosa, com registo de caudais nos anos hidrológicos de 1 938/39 a 1 944/45, na secção de Vale de Postigos. A transposição da curva de duração duma para outra ribeira foi realizada admitindo que se mantinha em ambas a distribuição temporal dos valores da relação entre caudais médios diários e o caudal médio. 144 Foi escolhida como referência a ribeira da Lamarosa porque as condições geológicas da sua bacia hidrográfica propiciam uma con­ tribuição relativamente importante do escoamento subterrâneo para o escoamento fluvial, o que também é o caso da ribeira de Barcarena. Fig. 20 De acordo com a curva de duração estabelecida para Barcarena, os caudais médios diários de 1 00, 50 e 25 l/s seriam excedidos no local do açude, respectivamente, durante 1 20, 1 80 e 240 dias por ano, na média dos anos. Esta avaliação respeita à ribeira de Barcarena anteriormente à influência da ocupação urbana, em virtude da qual as águas residuais deram lugar a acréscimo importante dos caudais em períodos de ausência de chuva. CAUDAL ( l /s) 300 \ 200 �� 1 00 o 50 O Fig. 20 - 1 00 � �--200 150 2 50 300 350 365 DURAÇÃO (dias) Curva de duração média anua/ do cauda/ médio diário na ribeira de Bm·carel/a. na secção do açude que alimelllava a fábrica (estimativa). 6.2.2 Captações subterrâneas - Como se referiu, a ribeira de B arcarena, no seu trajecto de montante era alimentada por diversas minas, antes de estas terem sido captadas para o sistema de abastecimento de água a Lisboa, em meados do século XIX . Tais captações encontram-se, tanto no que concerne à sua 1 45 própria existência, como aos caudais obtidos, em estreita dependência das condições geológicas respectivas, que também foram determinantes na geomorfologia do vale. Como refere RIBEIRO ( 1 857, p. 57), "Na Agualva fórma o valle ume estreita garganta, pela qual a ribeira passa para a região dos basaltos, e seguindo com margens altas mas menos ingremes e mais afastadas, estreita novamente em Barcarena, onde atravessa os calcares de caprinulas (. . . . . ". Foi no trecho correspondente aos terrenos basálticos que se efectuaram diversas captações subterrâneas destinadas ao reforço do abastecimento de água da Fábrica de Barcarena, especialmente nas épocas do ano de maior penúria de água. É ainda RIBEIRO (op. cit. , p. 58, 59) que declara que "pelo testemunho de toda a gente, e pela observação de muitos factos que o corroboram, é na bacia hydrographica destas ribeiras (além da de Barcarena menciona outras, que lhe são adjacentes, tanto a oriente como a ocidente) se conservam a maior parte das nascentes todo o Verão e Outono, mais ou menos diminuidas, segundo a extensão da sêcca (. . . . . ), e com o producto destas nascentes se alimentam as povoações estabelecidas dentro da mesma bacia, se costêa a irrigação de um grande número de propriedades, e se dá emprego a grande número de lavadeiras. " Sem dúvida que as nascentes captadas a montante, em meados do século X IX, na região de Vale de Lobos, reduziram parte do caudal da ribeira de B arcarena disponível na secção da Fábrica da Pólvora. Talvez, ao menos em parte, por esta razão, houve que proceder ao reforço do abastecimento através de captações subterrâneas, extensas e numerosas, na encosta esquerda do vale, dominando o local de implantação da fábrica. Este sistema de captação, através de galerias, encontra-se cartografado à escala 1 / 1 000 (planta de 8 de Setembro de 1 9 1 0, da autoria do Contramestre António da Costa e do Polvorista n.O 56 Arthur da Costa Pereira, cujo original, em tela, se encontra conservado no Gabinete de Desenvolvimento Municipal da Câmara Municipal de Oeiras). Tal planta, podendo não representar a totalidade do sistema de galerias de captação de água subterrânea, evidencia, por si só, a importância conferida a tal contributo no funcionamento do complexo fabri l . Em trabalhos que futuramente se façam, poder-se-ão tratar aspectos que careçam de pormenorização. 1 46 Fig. 21 e o ) .. o o , i l� I � / j i - Planta das caprações subrerrâneas e do respecrivo aquedu[u de aduçãu nU zonu de l ércena (segunda planra de / 9/0. adaprada). As clarabóias e minas enconrram-se represenradas a escala dez vezes maior. Fig. 2 1 FoI. 1 1 - Entrada para uma lIIina do sistema de captações subterrâneas de Tercena . Tabu/eta assina/ando a :0110 de respeito da Fábrica. As captações principais situam-se a norte da linha férrea de Lisboa­ -Sintra, já no concelho de Sintra, encontrando-se marcadas no terreno por guari tas de planta circular ou quadrangular, algumas das quais munidas de degraus interiores, permitindo aceder às galerias que dali partem, em direcção ao aqueduto enterrado. Este aqueduto, percorre 600 m, no sentido de escoamento de água de norte-noroeste para sul-sudeste até à linha férrea, inflectindo depois, progressivamente, para sul. Na parte cartografada, até Tercena, perfaz o comprimento Fot. 11 total de cerca de 1 400 m, recebendo, unicamente do lado ocidental, o contributo de dezasseis captações. De Tercena até à Fábrica de Pólvora, o aqueduto vence desnível acentuado, correspondente à encosta esquerda da ribeira de Barcarena; a galeria que se observa quase em frente do portão da Fábrica de Cima, poderá corresponder-lhe, sendo daí a água canalizada para a Fábrica de Baixo. Um pouco a montante da referida galeria, existe uma outra, Fot. 12 alimentaria o tanque da Fábrica de Cima; com efeito, para além da grande bica, observa-se nele uma outra, como atrás se disse, provavelmente em conexão com a referida captação. Tanto esta bica, como a galeria de baixo encontram-se secas; na galeria que alimentaria o tanque de cima, observou-se um caudal que não ultrapassava de 3 a 4 l/s, em Março de 1 995, manifestamente insuficiente para alimentar o tanque respectivo. Com efeito, não obstante o investimento de recursos humanos e financeiros que a execução de tais captações representaram, os caudais que proporcionariam seriam, sempre, bastante reduzidos, face às necessidades referidas para o pleno funcionamento dos engenhos; mesmo a redução do caudal da ribeira pela derivação das captações de Mata, de Molhapão e de Grajal para o abastecimento de água a Lisboa, seriam pouco relevantes face às necessidades efectivas. Tal facto expl ica-se pelas condições hidrogeológicas regionais. Trata-se de solos e rochas basálticas pertencentes ao Complexo Vulcânico de Lisboa, Formação geológica de idade fini-cretácica e que, na zona de Carnaxide, atinge algumas centenas de metros de espessura. Esta Formação é contituída por sucessivas escoadas lávicas, dando origem a rochas basálticas, alternantes com cinzas e tufos finamente estratificados, constituindo camadas argilosas impermeáveis. 1 49 Fot. 1 2 - Galeria de mina de captação de água. próxima da Fábrica de Cima, com a abóbada em V invertido, de lajes calcárias. paredes de alvenaria e soleira percorrida por caleira central. Desta forma se compreende a tendência para a retenção da água em aquíferos superficiais confinados, de pouca expressão, embora numerosos, e a penúria dos caudais disponíveis. Toda a região em apreço, outrora ocupada por quintas, recorrendo frequentemente a culturas de regadio, encontra-se percorrida por galerias de captação como a que agora interessa, por vezes intersectadas por obras públicas, como as que, nos últimos anos, se vêm executando na região (CREL, alargamento da auto-estrada do Estoril, CRIL). 6.3 Sistema hidráulico primitivo - É escassa a informação disponível sobre o sistema hidráulico utilizado na fábrica de pólvora do Estado na ribeira de B arcarena no período entre o início do seu funcionamento e a construção, no segundo quartel do século XVIII sob a direcção de António Cremer, da nova fábrica, cujos edifícios e circuito hidráulico chegaram à actualidade, embora sem os engenhos. A fonte mais importante de tal informação é ainda o Relatório de PALMEIRIM et aI. , 1 855. A água para o accionamento das rodas motrizes era então captada num açude na ribeira de Barcarena e conduzida por uma levada. Com efeito, em 1 2 de Janeiro de 1 645, o mestre da pólvora Afonso Mateus, a quem fora dada de arrendamento a fábrica de B arcarena, assumiu o compromisso de trazer limpos, à sua custa, o açude e a levada para os moinhos da pólvora, com a condição de que "as quatro terras que Sua Majestade tinha de longo do dito moinho as disfrutasse ". Não há qualquer indicação sobre a localização do açude e dos moinhos e sobre o comprimento, a secção transversal e o tipo de construção da levada. Quanto ao número dos moinhos, sabe-se serem três em 1 695, pois essa indicação consta do Alvará de 1 3 de Maio desse ano, pelo qual a exploração da fábrica foi concedida ao polvorista Carlos de Sousa Azevedo, com o compromisso de construir mais dois moinhos. Trata-se de uma segunda concessão, pois a primeira tivera lugar em 1 679, vindo aquele polvorista a desobrigar-se do contrato em 1 69 1 , em face do estado de abandono da fábrica que resultara das dificuldades criadas ISI pela guerra com a Holanda. As ampliações do prazo de concessão outorgadas ao mesmo polvorista posteriormente a 1 695 permitem supor que os dois moinhos adicionais mencionados tenham sido construídos. A moagem e a mistura dos ingredientes da pólvora e o encasque eram promovidos por maços de bronze no extremo de pilões accionados por excêntricos, montados em veios em rotação que eram movidos pelas rodas hidráulicas. A utilização de maços de bronze em Barcarena é comprovada pelo Fot. 2 e 3 despacho do Conselho da Fazenda de 28 de Novembro de 1 649, segundo o qual eram concedidas ao polvorista Simão Matheus seis arrobas de cobre, pelo preço do custo, para os bronzes e "mãos dos moinhos, em que se fabrica a pólvora " (PALMEIRIM et alo p. VI). Este mesmo sistema era adoptado na fábrica de pólvora de Essonne, em França, na linha de fabrico que utilizava pilões. Em Portugal, manteve-se até à entrada em funcionamento em 1 729 da fábrica da pólvora de Barcarena. Em Espanha, nas antigas fábricas de pólvora mencionadas por T Á SCON, 1 987, p. 37 1 , o sistema de pilões com maços de madeira e recipientes de pedra calcária manteve-se até ao século XX, o que põe em relevo o espírito inovador de António Cremer. 6.4 - Sistema hidráulico das instalações de António Cremer e ampliações ulteriores 6.4.1 Descrição geral - o sistema hidráulico construído por António Cremer para a moagem, a mistura dos constituintes e o encasque da pólvora recebeu ampliações, tendo funcionado, com algumas interrupções, desde a inauguração da fábrica remodelada em 1 729 até à entrada em funcionamento da central hidroeléctrica em 1 925. O Relatório de PALMEIRIM et al. , 1 855 , inclui uma gravura com a planta geral das instalações da Real Fábrica de Pólvora de B arcarena, à escala aproximadamente de I : 2000, obtida do levantamento realizado em 1 8 1 7 . Essa planta é acompanhada de uma explicação pormeno- Fig. 14 rizada. 1 52 /; :" t 1. -_ . ... . . .. _ . . .. . - ... .. ... . . .. .. . : . ' Planta geral da Fábrica de BaIXo e anexos ( se undo plantas de / 9/0. a escala ///00). No canto inferior esque/do I17dicam-se' a t racejado, as galeria s e restituição das a.enha� e gale n'a de d/'enagem . . pluviais. ' da vala da estrada , As sll1a l(l/n-se por p equenos quadrados os sUI11/dou ros de aguas Fio O ' 22 - _ Aquele Relatório descreve as instalações e o funcionamento da Fábrica, dando desenvolvimento aos aspectos relacionados com os engenhos accionados a água e com os circuitos hidráulicos, principais e acessórios. A referida planta mostra um aqueduto com origem num pequeno açude construído na ribeira de Barcarena, o qual, após um percurso de cerca de 260 m, desemboca no tanque (caldeira) dos engenhos da Fábrica de Cima. A água proveniente desta caldeira entrava no canal de alimentação das quatro azenhas dos engenhos de cima, alojadas numa galeria que se desenvolve por baixo do canal anterior. A água, depois de accionar as azenhas, era colectada na parte inferior da referida galeria e conduzida à caldeira dos engenhos da Fábrica de Baixo, por um aqueduto de cerca de 200 m de desenvolvimento. O percurso da água no trecho das azenhas da Fábrica de Baixo é análogo ao anteriormente descrito, sendo daí a água restituída à ribeira de Barcarena, por meio de duas galerias subterrâneas, com o que se Fig. 22 completa o circuito hidráulico principal. Uma destas galerias subterrâneas restituía a água à ribeira a montante de um pequeno açude na ribeira de B arcarena, de onde era derivada para uma azenha na margem direita. A outra galeria restituía a água a jusante do mesmo açude. O funcionamento de uma ou outra era determinado pela manobra de comportas montadas nas duas galerias; a primeira galeria funcionava a maior parte do tempo, sendo colocada fora de serviço durante as cheias, para evitar que a água refluisse no canal de recolha de água das azenhas. Cerca de 20 m a montante da entrada na caldeira dos engenhos de baixo, o aqueduto tem "um registo que se abre e a faz correr encanada " junto ao muro do pomar até atravessar a ribeira por um passadiço Fig. 17 "donde domina os pomares e tanques que lhe ficam a Sul" (na margem direita da ribeira). Todo o circuito hidráulico, à excepção de alguns trechos do circuito hidráulico secundário para a azenha da margem direita, é ainda hoje reconhecível. Sendo bem conhecida a data de entrada em funcionamento dos quatro engenhos de baixo ( 1 729), o mesmo se não passa em relação aos engenhos de cima. 1 54 PALMEIRIM et aI. , 1 855, p. IX, referem que Cremer "mandou edificar em Barcarena até seis engenhos movidos a água " depois de ter instalado na Fábrica de Pólvora de Alcântara quatro engenhos, movidos a bois, com pratos e galgas de pedra que mandara vir da Holanda. Por outro lado, o Códece 606 da B iblioteca Nacional, refere o funciona­ mento de seis engenhos de água na Fábrica de Pólvora de Barcarena (N/A, 1 762). Na planta da Fábrica mandada levantar por Martinho de Mello e datada de 1 775, observa-se o edifício dos quatro engenhos de baixo e a Fig. 12 e 13 respectiva caldeira com a configuração actual e, na zona dos engenhos de cima, um pequeno edifício com dois engenhos, alimentados de água por um canal de que só está representado um curto trecho, mas se admite provir de um açude no local do actual. A água, depois de accionar os dois engenhos de cima, era conduzida para a caldeira de baixo por um canal a céu aberto ou restituída directamente à ribeira. Não existia então a caldeira de cima. N a planta da Fábrica, levantada em 1 8 1 7 e reproduzida por PALMEI RIM et aI. , 1 855 encontra-se representado o actual edifício dos quatro engenhos de cima e a respectiva caldeira. A condução da Fig. 14 água do açude até a caldeira de cima e dos engenhos de cima até à caldeira de baixo tinha passado a ser realizada por aquedutos cobertos, e não por canais. Não está assim esclarecida a data de construção do actual edifício da Fábrica de Cima, que seguramente teve lugar entre 1 775 e 1 8 1 7. Tal construção deverá, contudo, ser ulterior a 1 805 ; com efeito, após a explosão de 1 805 , NAPION, 1 805, alude à necessidade de se edificar uma segunda fábrica, tendo em vista não prejudicar a produção em caso de sinistro. 6.4.2 Açude - o açude para captação de água para a Fábrica da Pólvora de Barcarena localiza-se na ribeira de Barcarena, a cerca de 1 60 m a norte Fot. 13 do limite dos terrenos da Fábrica, numa secção da ribeira com o leito aproximadamente à cota de 75 m. 1 55 o traçado em planta é curvilíneo, aproximando-se da margem esquerda de modo a formar um canal que, estreitando progressivamente para j usante, dá entrada para o aqueduto. A construção é de alvenaria de pedra e evidencia uma execução em duas fases, cuja altura máxima não ultrapassaria 1 m na primeira fase e 2 m na segunda. No açude inserem-se actualmente duas descargas, uma sensivelmente a meio do seu desenvolvimento e a outra adjacente à tomada de Fot. 14 água para o aqueduto. A função das descargas era promover a passagem para jusante do caudal sólido transportado por arrastamento e, assim, evitar a pene­ traç ão deste n a tomada de água para o aqueduto. Com a mesma fi nal idade, a sole i ra da tomada de água s i tua-se cerca de 0,30 m acima da da desc arga de fu ndo adj acente. FoI. 1 3 - A çude d e derivação c o m comporta para o aqueduto d e alimen tação da Fábrica. Evidencia um a/reamento de betão, mais recente. 1 56 As l ajes onde se in stalam os órgãos para manobra das comportas das desc argas de fu ndo são de betão armado, o que atesta uma construção re lativamente recente. N ão é de excluir que a i n stalação das comportas sej a contemporânea da construção em 1 9 2 5 , da central hidroeléctrica, para a qual se poderia pretender maior fiab i l i dade do fu ncionamento da deri vação de água. Al iás, na planta do açude à escala 1 1 1 000, de 8 de Setembro de 1 9 1 0, assinada pelo con tramestre António da Costa e pelo Polvori sta n .O 56 Arth ur da Costa Pere i ra, e x i stente no arquivo do Gabinete de Desenvol vimento Munic ipal da Câmara Munici pal de Oe i ras, n ão figu ram as descargas .de fundo, que, não obstante a escala ser pequena, estariam repre sentadas, se então exi sti ssem, à semelhança do que acontece para pormenores do trecho i n i cial do aqueduto. Imedi atamente a j u s ante do aç ude, o leito da ribeira é empe­ drado com grandes blocos de basalto . - F o t . J 4 Visra geral do aç/lde de derivação //l astrando duas descargas. mun idas de comportas montadas em estrI t u ras de betão . Trata-se de alterações ao açude original. Cerc a de 20 m a j u sante da tomada de água, o aqueduto é coberto num trecho de 5 m por grandes lajes de c alcário que se i n tegram num pavimento empedrado sobre o qual passa um pequeno afluente da margem esquerda da ribeira de B arcarena. 1 57 Este empedrado, realizado com c u i d ado, terá tido por objectivo proteger o aqueduto contra o descalçamento da sua fundação, que a erosão regre s s i v a das águas do afluente poderia origi nar, em espec ial durante as cheias. O empedrado n a zona do aqueduto, que teria sido l i gado ao do açude, termi n a por uma soleira de fixação do leito da ribe i ra de B arcarena, constru ída de alvenari a de grandes blocos de c alcário, a uma d i stânc i a cerca de 50 m do açude. 6.4.3 - A quedutos O s i stema h idrául ico da fábric a da pólvora de B arcarena compreendia dois aqueduto s : um desde o açude até a caldeira de cima (aqueduto de c i ma) e o outro desde o c anal de recolha de água das azenhas de c i ma até à c al de i ra de baixo (aqueduto de baixo). O aqueduto de c i ma desenvolve-se ao longo de 260 m, coberto pelo terreno ou sob construções recentes e apresenta soleira de alvenaria rebocada e abóbada de t ij oleira, n u n s trechos, e lajes de pedra colocadas em V i n vertido, noutros. Num pequeno trecho a montante, é coberto por grandes l aj e s de pedra, di spostas hori­ zontalmente, que se i n tegram na zona empedrada para passagem do pequeno afl uente da ribe i ra de B arcarena, j u nto ao aç ude. Em grande parte do percurso, o aqueduto de cima segue adj acente a muros de suporte de terras, que o acentuado dec l i ve do terreno atravessado torna necessários para e v itar deslizamen­ tos. Era dotado de sete c larabóias, desti n adas à i nspecção e con servação e à remoção de sedimentos que nele se depos itassem. O problema criado pela deposição de sedimentos é assinalado por PALMEIRIM et al. , 1 8 5 5 , p. CCXLI V : numa c l arabóia, a cerca de 95 m do início do aqueduto e numa zona em que este passa pró x i mo da ribeira, "projecta va-se fazer uma ca ixa de água em que ficassem depositados os sedimentos mais pesados livrando as calde iras de se entulha r com tan ta facilidade ". 158 Fig. 14 Algumas das cl arabóias não são hoje fac i l me nte reconhec ívei s e m virtude d e ulteriores construções , j unto o u sobre o aqueduto, ou da densa vegetação. O aqueduto de baixo desenvolve-se ao longo de 200 m, coberto pelo terreno ou sob construções e pav i mentos. O seu traçado não é hoje ev idente , excepto num curto trecho no extremo de j usante, em que segue ados sado a u m edifíc i o . No trecho d e j u sante apresenta a solei ra d e 1 , 50 m d e largura, pés dire i tos de 1 , 1 0 m altura, construídos de alvenaria rebocada e abóbada de t ij oleira de 0,45 m de altura sobre as n ascenças. Não se reconheceram c l arabóias neste aqueduto, não sendo a sua existênc ia referida por PALMEIRIM et a i. , 1 8 5 5 . A l i ás, a remoção de sedimentos neste aqueduto assumiria menor i mpor­ tânc ia do que no aqueduto de c i ma, devido à deposição que teria lugar na c aldeira de c i ma. 6.4.4 Caldeiras - Imediatamente a montante das azenhas da Fábrica de Cima e da Fábrica de Baixo, foram construídos dois grandes reservatórios - as Fig. 14 e 19 caldeiras. A caldeira de cima tem planta triangular com o lado maior de 47 m e altura de 29 m, a que a Fábrica de Cima subtrai um trapézio de 56 m 2 de área, adjacente ao lado maior. A área em planta desta caldeira é, assim, de 624 m2 . Emhora não se ti vesse observado a caldeira vazia de água, tem-se a informação de que a soleira é de grandes lajes sensivelmente rectangulares, como a da caldeira de baixo. A caldeira de cima é alimentada pelo aqueduto de cima através de bica de grandes dimensões e recebe também a água de minas através de uma outra bica, menor. A caldeira de cima liga-se directamente ao canal de alimentação das azenhas de cima. Na secção de jusante deste canal está instalada uma Fot. 15 comporta que permitia proceder à regulação do nível de água e ao esvaziamento da caldeira. Mais recentemente, a comporta permitia Fot. 16 e 17 regular a passagem da água para o aquedute da central hidroeléctrica. 1 59 FoI. 1 5 - Fábrica de Cima. caldeira e canal de alimentaçio das azenhas, separando o edifício dos engenhos, à esquerda. do das oficinas, à direita. A caldeira de baixo era alimentada pelo aqueduto de baixo com saída por gárgula de calcário em forma de cabeça de peixe, hoje integrada numa piscina particular. A sua geometria em planta aproxima-se da combinação de um rectângulo de 32,40 x 22,00 m2 com Fot. 18 um semi-círculo de 8,50 m de raio. A área em planta é de 860 m2 . Esta caldeira confina a sul com as casas "que têem servido de residência aos oficiais que se têem achado à testa d'aquela administração " (PALMEIRIM et al. , 1 855, p. CCXLII), a leste com uma fachada sem aberturas e a oeste com um muro com remate de cantaria, 1 ,75 m acima do fundo da caldeira. As superfícies dos muros em contacto com a água são de reboco sobre alvenaria e o fundo da caldeira é constituído por um lajeado de elementos calcários sensivelmente rectangulares, de dimensões variáveis. A dimensão média dos elementos estima-se em 1 , 1 0 m por 0,55m. Fot. 16 - Fábrica de Cima. A lçada principal. Evidencia construção mais simples do que a correspodente à Fábrica de Baixo. Ver Fig. 25. 161 FoI. 1 7 - Fábrica de Cima . Câmara em abóbada, de cantaria de boa qualidade. para o siSTema de TranslIliçüo do movimellTO ao engenho de galgas. A aberTura 110 fecho da abóbada. para a passagem do veio verTical dos engenhos, enconTra-se obTurada. Ao longo do muro a oeste, estão dispostas conversadeiras e para oeste destas existia um pomar. Para além do aspecto funcional, a caldeira de baixo proporcionava um agradável espaço de lazer. Esta caldeira liga-se directamente ao canal de alimentação das azenhas de baixo por meio de dois vãos de 1 ,00 m de largura e 1 ,30 m de altura, separados por um pilar de 0,30 m de espessura. Sobre aqueles vãos corre um passadiço que continua o corredor de serventia para o pomar, adjacente à zona da residência dos oficias. Por este corredor rIos vigias da água vão observar a sua altura " na caldeira rIp ara avisar os operários para que trabalhem só aqueles engenhos para que conhecem haver água, evitando serem obrigados a parar todos ao mesmo tempo " (op. cito 1 855, p. CCXLlI). Fot. 1 8 - Caldeira d e baixo, c o m água, observando-se a gárgula d e saída do aqueduto de adução (fotografia de 2 de Setembro de 1 963). o nível de água nesta caldeira era limitado por um descarregador constituído por um tubo de chumbo colocado verticalmente sobre a 1 63 soleira do canal de alimentação das azenhas, próximo do extremo de jusante. Esse tubo tem a altura de 1 ,00 m e o diâmetro de 0,25 m. A remoção deste tubo permitia o esvaziamento da caldeira. Um descarregador com saída da caldeira para o pomar, constituído por uma abertura rectangular na parede, de 0,80 m de largura e soleira 0,93 m acima do fundo da caldeira, poderia funcionar em condições excepcionais. Este descarregador estava normalmente obturado por um tampo de madeira. As caldeiras de cima e de baixo teriam como objectivo essencial o de armazenar a água afluente durante os períodos de imobilização dos engenhos, com vista à sua utilização durante o período de laboração. Admitindo uma variação diária de nível de água nas caldeiras de cima e de baixo de 0,80 m, ou seja, uma altura mínima sobre o canal de alimentação de 0,20 m, o esvaziamento dos volumes armazenados (496 e 688 m3 ) durante o período útil de laboração, considerado igual a 8 h, promoveria o acréscimo do caudal utilizado nas azenhas em relação ao caudal diário afluente captado no açude. Esse acréscimo seria de 1 7 e 24 I/s na caldeira de cima e na de baixo, respectivamente. Como as azenhas de baixo também recebem a contribuição do armazenamento das caldeiras de cima, o acréscimo de caudal de que beneficiam é de 4 1 I/s. Para que a caldeira de cima e o conjunto das duas caldeiras pudessem encher durante as 1 6 h de paragem dos engenhos, tornar-se­ -ia necessário que o caudal médio diário afluente fosse respectivamente de 8,5 e de 20,5 l/s, pelo menos. Assim, os caudais utilizáveis das azenhas de cima e de baixo, durante o período de 8 h de laboração diária dos engenhos, variariam, consoante o caudal médio diário na ribeira, do seguinte modo: - seriam iguais ao triplo do caudal médio diário na ribeira enquanto este era menor ou igual a 8,5 I/s (nesta situação, a caldeira de baixo não chega a contribuir para o aumento do caudal utilizável); - seriam iguais ao caudal médio diário na ribeira acrescido, respectivamente, de 1 7 e 4 1 l/s quando aquele caudal era igual ou superior a 20,5 l/s. Os monumentais lagos que são as caldeiras davam origem a acréscimos dos caudais utilizáveis nas azenhas pouco importantes em valor absoluto, pelo que a construção das caldeiras só se teria 1 64 justificado se tais acréscimos fossem importantes em valor relativo, o que implica serem também pouco elevados os caudais utilizáveis nas azenhas. Em conformidade com o exposto e considerando a curva de duração média anual dos caudais médios diários da Fig. 20, ter-se-ão, para os Fig. 20 caudais médios diários de 8, 20, 50 e 1 00 l/s, os seguintes valores da respectiva duração (número médio de dias por ano em que um dado caudal médio diário é igualado ou excedido) e dos caudais utilizáveis nos dois conjuntos das azenhas. Caudal médio diário na ribeira, respectiva duração e caudal utilizável durante 8 h nos conjuntos das azenhas de cima e de baixo Caudal utilizável durante 8 h Caudal médio diário na ribeira, Q (I/s) Duração de Q (dias) Conjunto das azenhas de cima Conjunto das azenhas de baixo 8 270 24 24 20 240 37 61 50 1 80 67 91 1 00 1 20 1 17 141 De acordo com os elementos do quadro anterior, os caudais utilizáveis nas azenhas de cima e nas de baixo que em média são excedidos 1 80 dias or ano foram estimados resectivamente em 67 e 9 1 lIs. Estes valores parecem baixos para assegurar o funcionamento de oito engenhos movidos a água, observado anualmente, em média, durante seis meses. Com efeito, PLEM et a. 1 855 p CCII, transcrevem o ofício do Insector Geral do Arsenal do Exército, Francisco Dyonizio de Almeida, de 30 de Outubro de 1 854, em que são indicados os fundamentos or ele admitidos ao avaliar a produção anual da Fábrica de Barcarena em 0 00 arrobas de pólvora. Esses fundamentos são entre outros: , , . - "0 emprego, durante seis meses, em que á ága de oito engenhos de encascar. - Quatro engenhos movidos por água nos meses e Maio e Setembro, e quato por sangue (como noutas épocas se paticava). - Dois engenhos nwvidos por água nos meses de Junho a Agosto, e seis por sangue ". 1 65 Este ofício, que só descreve a situação em onze meses do ano, mostra o recurso a força motriz animal quando a água escasseava. Os caudais atrás indicados como utilizáveis durante seis meses or ano (67 e 9 1 lJs nos conjuntos das azenhas de cima e de baixo) parecem insu­ icientes para garantir o funcionamento de oito engenhos. eve, orém, notar-se que tais valores não resultam de mediçes de caudais, mas de estimativas e como tal estão sujeitos aos mesmos erros. Além disso, há a ter em conta a contribuição adicional da água captada em minas, diicilmente quantificável, mas provavelmente escassa em valor absoluto se se atender a que a contribuição dos conjuntos das nascentes recolhidas elo extenso aqueduto da Mata seria somente de 67 lJs (alínea 6.2. 1 ). O problema do caudal exigível para o uncionamento dos engenhos será retomado no estudo destes, na alínea 6.4.7. 6.4.5 Canais de alimentação e galerias de alojamento das azenhas - Os canais de alimentação e as galerias de alojamento das azenhas das Fábricas de Cima e de B aixo são análogos nos aspectos de construção e de funcionamento, respeitando as diferenças às formas de regulação do nível da água, mencionadas em 6.4.4. A descrição pormenorizada é feita a seguir em relação às azenhas da Fábrica de B aixo, pois foi possível observar o respectivo canal de alimentação, colocado a seco. A galeria de alojamento das azenhas de cima é actualmente observável com dificuldade. Em ambas as Fábricas, os canais situam-se por cima das galerias de alimentação das azenhas, desenvolvendo-se paralelamente aos edifícios dos engenhos e sendo-lhes adjacentes. As traseiras dos edifícios dos engenhos correspondem às paredes dos canais de alimentação e possuem janelas e óculos de iluminação. O canal de alimentaçao das azenhas de baixo é revestido de cantaria, na zona em contacto com a água, tem o comprimento de 25 m e a largura de 2,30 m, sendo a profundidade normal da água de 1 ,00 m. Na soleira existem quatro aberturas cada uma das quais dá entrada para uma conduta metálica, convergente, que, saindo na abóbada da galeria das azenhas, dirigia um jacto de água para a roda da azenha respectiva. 1 66 Fot. 19 - FoI. 1 9 Registo de bloco calcário para regular o caudar de alimentação de Lima das azenhas da Fábrica de Baixo. Este registo era accionado manualmente por meio de um sistema de alavancas, a partir da sala dos engenhos. A secção de saída da única destas condutas que está relativamente bem conservada é rectangular, de 0,25 m de largura por 0,08 m de altura, situando-se o seu centro cerca de 1 , 1 ° m abaixo da soleira do canal de alimentação. O caudal de água admitido em cada conduta é regulado por uma pesada tampa de pedra, rectangular, que, apoiando-se no bordo de jusante, deixa livre a montante uma abertura que pode variar. Fot. 20 - Conduta metálica que diriga o jacto para uma das azenhas da Fábrica de Baixo Cada tampa tem fixada uma placa de bronze com um olhal para se articular com o extremo duma barra de ferro. A variação da abertura a montante da tampa era conseguida pela manobra dum sistema constituído por uma alavanca e uma outra barra, articulada à que se ligava à tampa. A actuação da alavanca era realizada manualmente a partir do interior da sala do engenho respectivo. 1 68 Fot. 20 PALMEIRIM et aI., 1 855, p. CCXLII, descrevem o sistema referindo-se ao tanque de alimentação como "tanque de registo " e assinalando a existência do "registo de água ", . . . "por meio de coulissas de ferro que ha no fundo d'este tanque de registo, movidas por um varão, que a travessa a parede, e vae terminar nas casas aonde se encasca a polvora, para que o operaria que ali tabalha possa, por meio d'el!as, augmentar, ou diminuir a quantidade da agua precisa ás rodas, que trabalham verticalmente por baixo do mesmo registo ". As tampas ( "registos ") atrás descritas e destinadas a "regular a queda da água, e com ela a velocidade das rodas" foram mandadas construir por Bartholomeu da Costa cerca de 1 782 (op. cit. , 1 855, p. 30). São actualmente visíveis as tampas de pedra e as barras de ferro a elas articuladas, bem como olhais de bronze, que se supõem ter servido de apoio às alavancas referidas. Para cada azenha estão montados olhais na parede traseira do edifício dos engenhos, a dois níveis, ao das janelas daquele edifício e mais acima, levando a supor que o s istema recebeu modificação. As tampas de pedra têm dimensões diferentes, apresentando a de maior área em planta o comprimento de 1 ,05 m e a largura de 0,87 m; a face superior tem duas partes planas, separadas por uma aresta, conferindo-lhe a espessura de 0,08 m junto dos bordos e O, 1 6 m sob a aresta. O caudal escoado para a roda duma azenha varia consoante a posição de abertura da tampa, pois a variação do estrangulamento provocado dá lugar à variação do caudal. Se a abertura da tampa for suficientemente ampla para não provocar estrangulamento, o caudal escoado passa a ser controlado pela secção de saída da conduta e pode então ser calculado pela expressão Q=CS em que é: H Q - caudal (m 3/s), C - coeficiente de vazão (adimensional), S - área da secção de saída da conduta (m2 ), g - aceleração da gravidade (9,8 Is2 ), H - carga sobre o centro da secção de saída (diferença de cotas entre o nível da água no canal da alimentação e o centro da secção de saída). 1 69 FoI . 2 1 - Galeria de alojamento das azenhas da Fábrica de Baixo. 1 70 Considerando o coeficiente de vazão igual a 0,80 e a carga H a 2, 1 0 m, que corresponde à altura de água no canal de alimentação de 1 ,00 m, acrescida da diferença de cotas entre a soleira daquele canal e o centro da secção de saída), o caudal escoado nas referidas condições sena Q = 0,80 x 0,08 x 0,25 V 1 9,6 x 2, 1 0 = 0, 1 03 m 3/s, ou seja 1 03 l/s, que parece excessivo, em relação à potência exigida às azenhas, como se analisa em 6.4.6. No entanto, o caudal pode ser regulado para qualquer valor inferior a este, por meio da adequada abertura da tampa. A galeria em que estavam aloj adas as azenhas é formada por Fot. 21 abóbada, que suporta o canal de alimentação situado superiormente, paredes laterais e soleira, com revestimento de cantaria de calcário. A parede oeste, apresenta, em correspondência com as azenhas, quatro aberturas, com arcos de 3 ,90 m de vão e altura de 1 ,80 m sob o fecho dos arcos. Devido ao ataque químico do calcário, observam-se numerosas pequenas estalactites na abóbada e sob os arcos das aberturas, bem como algumas estalagmites no topo da parede aqueles arcos. Na parede da galeria das azenhas do lado do edifício notam-se marcas deixadas pela acção repetida de sal picos da água que incidia sobre as azenhas. Os corredores onde estavam instalados os veios dos engenhos no piso subterrâneo do respectivo edifício abriam-se para a galeria das azenhas. Hoje tais aberturas estão obturadas com excepção da do segundo engenho contado a partir do norte, em que se nota um parapeito de mármore. 6.4.6 Ediícios dos engenhos (fábricas) - A Fábrica de Baixo foi construída de raiz por António Cremer e inaugurada em 1 729. A data da construção da Fábrica de Cima não está determinada, mas situa-se entre 1 805 e 1 8 1 7. Cada uma das fábricas era destinada à instalação de quatro engenhos movidos a água e, na insuficiência desta, a sangue, mediante a atrelagem de bois. 171 I " l----------------r-, , � ·-- mm � ---llJ , , . . " . . . , , , , - -- -- - - ������:-------�--- ­ � <l .......... . _ - - - - - - , " - - - , , " . . . , , , , , - - -- - , , " N � -- - mm � ll , , , " " , ' ' , t , - - - - . . L. . Fig. 23 - Fábrica de Baixo. Planta do piso O (segundo levantamento de 1 995). 1 72 ..' - - r - - - - - - - - l , I �- I , ! E " I I I � . � .. .... ......... J � N 1 �I -- , -- : . . . ... ....... � --- 11111 -- C -o " ! j L"""". l J li _ _ Fig. 24 - Fábrica de Baixo. Planta do piso I (segundo levantamento de 1 995). No canal de alimentaçüo estio representados os registos para regular o caudal para as a.enhas. ( .. o Alçado Nascente ... 5m Fábrica de Baixo. A lçado nascente (segundo levantamento de 1 995) . É o alçado principal, cuidado, com cunhal revestido a cantaria e nichos do mesmo material. Fig. 25 - A Câmara Municipal de Oeiras promoveu, por uma firma de arquitectura, a ARQUITRA VE, o levantamento do edifício da Fábrica de Baixo, do canal de alimentação e da galeria de alojamento das respectivas azenhas. O levantamento foi realizado à escala 1 /50, com excepção do que respeita ao piso subterrâneo para passagem do veio dos engenhos (escala 1 /20) . São apresentadas as Fig. 23 a 28 elaboradas com base no levantamento mencionado. Um engenho para o encasque da pólvora (que em determinadas épocas executou aquela operação em conjunto com a moagem e a mistura dos componentes) era essencialmente constituído por uma roda hidráulica vertical (azenha), pelo prato e duas galgas, de pedra, e pelo sistema de transmissão do movimento da azenha às galgas. O movimento do veio horizontal da azenha transmitia-se ao veio vertical de accionamento das galgas por meio de um sistema redutor da velocidade de rotação. Ainda se encontram, junto da entrada da Fábrica de Baixo, duas galgas de calcário, de 1 ,98 m de diâmetro, 0,40 m de espessura e uma abertura central, quadrada, de 0,34 m de lado, para passagem de traves de ligação ao veio vertical de movimentação das duas galgas. 1 74 Fig. 23 a 28 lçado Sul o Cote AA Fig. 26 - Fábrica de Baixo. Alçado mi e corte AA (segundo levantamento de 1 995). No alçado notam-se as cal/tarias dos cUl/hais e da galeria de alojamento das a.enhas e LIlI! tallque com toneira de bronzo, O corte abrange a sala dos el/genhos, o caI/ai de alimelltação e a galeria de alojamel/to das azenhas. 1 75 5. \ a e . �f m --- / /\ /\ m . " -I ' J \ ---- m . " \ ' � � = .I � = " --{ ... Alçado Poente 5m Corte BB Fig. 2 7 - Fábrica de Baixo. A lçado poente e corte BB (segundo levantamento -de 1 995). As azenhas estavam em correspondência com as aberturas abobadadas do alçado. No canal de alimentação estão representados, em cortes, os registos e as condutas para dirigir a água para as azenhas, bem como a única abertura actual correspondente à passagem do veio duma azenha. o veio de cada azenha prolongava-se sob o piso térreo do ediício dos engenhos por uma galeria subterrânea que se abre numa câmara abobadada de planta circular e com revestimento de cantaria muito bem 1 76 executado, provida de abertura circular, no fecho, para a passagem do veio vertical que accionava as galgas. Os edifícios são de construção sólida com paredes exteriores de 1 ,00 m na Fábrica de Cima e de 1 , 1 0 m na de B aixo e paredes interiores para separar, por questões de segurança, os compartimentos onde estavam instalados os sistemas de pratos e galgas. No pavimento de cada um destes compartimentos, resvestidos a lajes de calcário, ainda se reconhecem duas aberturas, uma, circular, para a passagem do veio do engenho e outra para acesso por meio de escada de pedra à câmara abobadada do piso subterrâneo. No pavimento dos compartimentos da Fábrica de Baixo, existe uma terceira que se julga destinada ao acesso fácil à chumaceira intermédia do veio da azenha. Na Fábrica de Baixo, os referidos compartimentos são rectangulares, com largura de 4,80 m, os intermédios, e de 6,20 m, os extremos. A planta de 1 775 mostra que os compartimentos extremos tinham comu- Fig. 12 nicação com os que lhe eram adjacentes através de aberturas nas paredes, com abóbadas de cantaria, estas ainda visíveis, não obstante as passagens estarem hoje obturadas. A experiência com a propagação dos efeitos de explosões levou, em dada altura, a fechar aquelas aberturas. Estas voltaram a ser repostas, como mostra o Códice 606, (N/A, 1 762). "porque os arcos que novamente se fizerão para trabalharem com bois, farão para que dos quatro Engenhos, que havia na Fábrica de baixo ficassem dois em estado de trabalhar". Os ensinamentos obtidos no funcionamento da Fábrica de Baixo Fig. 29 terão aconselhado a adopção na Fábrica de Cima de compartimentos de maiores dimensões, com a planta trapezoidal e largura aproximada de 9 m na zona dos pratos dos engenhos. Dispõe-se de cópias de plantas das Fábricas de Cima e de Baixo, à escala 1 1 1 00, levantadas em 8 de Setembro de 1 9 1 0 e assinadas pelo Contramestre António da Costa e pelo Polvorista n.o 56 Arthur da Costa Pereira. Nessas plantas, cujo originais, desenhados sobre tela, se conservam no Gabinete de Desenvolvimento da Câmara Municipal de Oeiras, estão representados os pratos e as galgas e as aberturas nos pisos térreos das fábricas, e, a tracejado, os registos, as azenhas e os respectivos veios. No terceiro compartimento da Fábrica de Baixo, contado a partir do norte, não estavam representados o prato e as galgas. 1 77 , , , , , " :\ '. ' \ " , I " , , ' I II t 1 , 1 1 , I I , ,I I' I " , ' , ' , , , Planta I . L Corte L o n g i tudi nal Fig. 28 o 2 3m I Corte - Tran s v ersal Fábrica de Baixo. Piso subterrâneo, com corredor e câmara abobadada para il/stalação o veio e das engrenagel/s dos engel/hos hidráulicos (segundo levantamento de 1 995). Naquelas plantas mediram-se as seguintes dimensões principais dos engenhos: - diâmetro exterior da roda hidráulica: 4,0 m na Fábrica de Cima e 2,2 m na de Baixo (esta diferença não corresponderá à reali­ dade, pois os engenhos accionados são iguais nas duas Fábri­ cas; poderá dever-se a menor cuidado no desenho por se tratar de elementos invisíveis e, como tal , representados a tracejado) ; - diâmetro exterior do prato das galgas: 3 ,4 m. - diâmetro e espessura das galgas: diâmetro 2,0 m (coincidente com das duas galgas existentes, no exterior) ; espessura das galgas diferentes em cada engenhos. 1 78 a) I " " .. - 4,- :: IJ) 1 �\ I tl'I _ - __ -. i J- - - ::, - -0. �: _ , �� l_� - - -,r - I " " lo II I' " ", � o b) 5m " " - - - -- - - - - - - - ': r --- - - 1 I' ", ' . II " ' r - - - - - -_ " - , I I I r - - -- - - � :�--� - I I L�___ _ _ _ I I II - ... , LJ -- - :, _ _ _ _ _ _ _ " , D, " " , � m - I' �' � " , JJ j Fig. 29 Fábrica de Cima e de Baixo. Planta de dois compartimentos extremos, do lado norte, com represelllação dos engenhos e, a tracejado, de azen/ws e veios (segundo plantas de 1 9 1 0), Os edifícios das duas Fábricas, embora de construção sólida, têm qualidade arquitectónica diferente. Na Fábrica de Baixo, os cunhais são revestidos de cantaria a toda a altura e o alçado principal leste é bem cuidado, apresentando nichos com bordaduras de cantaria. Ao alçado sul está adossado um tanque de pedra, com canalização proveniente do canal de alimentação das azenhas e dotado de uma excelente torneira de bronze. Os pátios de acesso às duas Fábricas são revestidos de tijoleiras a cutelo na zona adjacente aos edifícios, com a finalidade de evitar a produção de faíscas, e de calçada de pedra na zona restante; além disso, são providos de amplos sumidouros para evitar a acumulação de água pluvial e a sua entrada nos edifícios. As duas Fábricas deixaram de funcionar cerca de 1925, tendo sido adaptadas a oficinas, que se mantiveram em actividade até muito recentemente. 6.4.7 - Engenhos A azenha de cada engenho era actuada na parte superior por um Fot. 19 jacto de água, de caudal regulável pelo respectivo "registo". O diâmetro exterior das rodas das azenhas pode ser avaliado mediante o exame dos desenhos relativos às galerias de alojamento, quer das azenhas, quer Fig. 24, 26 e 27 dos respectivos veios, onde se notam disposições para o apoio das chumaceiras e, também, das dimensões da conduta melhor conservada que dirige a jacto de água para a roda respectiva. Admitindo que o ponto mais baixo da roda se situaria 0,50 m acima da soleira da galeria de alojamento das azenhas e atendendo ao exame das condições referidas, o diâmetro exterior da roda estima-se em 3,50 III. Na reconstituição das características das azenhas dos engenhos de pólvora seguiram-se também as indicações de Veiga de OLIVEIRA et aI., 1983, p. 169-204, relativamente a azenhas de propulsão superior encontradas em Portugal em moinhos de farinha. Nos cálculos hidráulicos adoptaram-se os critérios propostos por JUTTERMANN 1985, p. 43-47. As rodas das azenhas portuguesas de propulsão superior dispõem na sua periferia de cubos ou copos, que se enchem de água, cujo peso dá a contribuição principal para mover as rodas. Como as pás dos copos em 180 Fig. 30 Portugal são planas, o jacto incide quase tangencialmente sobre as mesmas, dando lugar a um impulso hidrodinâmico pequeno e, portanto, a uma reduzida contribuição para a potência da roda. Bartholomeu da Costa, em 1 772, "nas reformas que empreendeu mereceu-lhe particular cuidado o motor, fazendo-lhe emendar as rodas hidráulicas, dando melhor inclinação aos cubos. . . " (PALMEIRIM et ai. , 1 855, p. 34). Crê-se que essa emenda terá tido em vista, sobretudo, a conservação de maior peso da água actuante nos cubos, enquanto as rodas giravam. A contribuição do impulso hidrodinâmico pode ser importante no caso de as pás dos copos terem forma adequada, com uma dobra em cada pá, que resulta, assim, formada por dois elementos planos, para que o jacto incida normalmente ao elemento menor. Não se tem conhecimento desta solução em azenhas portuguesas. 3m .. == . -= = 1 1 Fig. 30 - Carie pelas veios de um engenho de galgas da Fábrica de Baixo de Barcarena Reconstituiçío de como seria em finais do século XIX. 181 Juttermann divide a queda total disponível, H, nas parcelas relativas ao impulso hidrodinâmico, HI, e à acção do peso Hp resultando H = HI + Hp Considera que, mesmo no caso de incidência do j acto normal ao elemento da pá, apena metade da queda Hr contribui para a potência da azenha sendo 1 o rendimento da roda hidráulica e y o peso volúmico da água. Aquele autor não segue, porém, o procedimento descrito, ao propor o cálculo da potência pela expressão seguinte: P = 0,60 y Q H em que considera o rendimento de 0,60 e a queda total H . Sendo o peso volúmico da água igual a 9800 N/m3 e exprimindo o caudal em 1/s e a queda em m, a potência em kW calcula-se por [P (kW); Q(l/s); H(m)] P = 0,0059 Q H Para o nível médio da água na caldeira de baixo de 0,60 m acima da soleira do canal de alimentação das azenhas (situada a cerca de 6, 1 m acima da soleira da galeria) e a parte inferior da roda 0,50 m acima da soleira da galeria, a queda H será de aproximadamente 6, 1 + 0,60 - 0,50 = 6,2 m. Assim, para cada engenho, a potência P traduz-se em função do caudal actuante por P = 0,0366 Q [P (kW); Q(l/s)] donde se obtêm os seguintes valores: Q (1/s) P (kW) 14 27 55 82 1 37 0,5 1 ,0 2,0 3 ,0 5,0 1 82 Na documentação consultada sobre a Fábrica de Pólvora de Barcarena encontram-se duas referências à potência unitária dos engenhos hidráulicos: 4 CV (cerca de 3 kW) em PALMEIRIM et ai., 1 855, p. 37, e aproximadamente 7 CV (cerca de 5, 1 kW) no Inquérito Industrial de I 890, N/A, 1 89 1 , p. 228 (total de 50 CV em sete en­ genhos). Não se conhece a fundamentação daquelas indicações, mas entende­ -se que até o valor mais baixo da potência (3kW) está acima da realidade. Com efeito, a potência unitária de 3 kW implicaria a utilização sucessiva em cada um dos dois grupos de quatro azenhas de um caudal de 4 x 82 = 328 l/s, que excede largamente o caudal que a água da ribeira e o armazenamento das caldeiras, assegurariam 8 h por dia durante seis meses: 67 e 9 1 l/s, nas azenhas das Fábricas de Cima e de Baixo, respectivamente (alínea 6.4.4). Ainda que a contribuição das captações de água subterrânea fosse da ordem de 40 I/s (valor que parece dificilmente ultrapassável se se atender a que o aqueduto da Mata, captando importantes nascentes, só asseguraria 67 I/s), ter-se­ -iam caudais utilizáveis de 1 07 e 1 3 1 l/s, respectivamente nas Fábricas de Cima e de Baixo. A estes últimos valores corresponderiam por engenho, em cada uma das Fábricas, caudais de cerca de 27 e 33 I/s e potências de 0,96 e 1 , 1 3 kW, portanto, próximos de 1 kW, que se julga constituir uma estimativa razoável da potência de cada engenho. Deve notar-se que, em períodos de insuficiência de água, os engenhos eram movidos a bois (não sendo referido se eram utilizados um ou dois). Segundo 1. R. Forbes, citado por GIMPEL, 1 975 p. 56, a potência exercida por um boi seria de 0,53 CV (0,3 kW), pois corresponderia ao deslocamento de uma força 530 N à velocidade de 0,73 /s. Para uma circunferência de 2,70 m de raio descrita pelo centro de massa do boi ter-se-ia, para a referida velocidade linear, uma velocidade de rotação de 2,6 r.p.m. O raio de 2,70 m da circunferência descrita pelo centro de massa de um boi parece o mínimo compatível com o diâmetro exterior dos pratos das galgas, igual a 3,40 m. É curioso registar que o afastamento mínimo do prato das galgas às paredes transversais da Fábrica de Baixo é de 0,60 m, o qual seria, assim, praticamente incompatível com a passagem dum boi . Compreende-se, desta forma, a necessidade já referida de 1 83 repor na Fábrica de Baixo as passagens entre os compartimentos extremos e os que lhe estão adjacentes. A velocidade de rotação dos engenhos de galgas accionados a água e utilizados no encasque da pólvora varia geralmente, segundo MARDEL, 1 893, p. 7 1 , entre 7 e 1 1 r.p.m. Na Fábrica da Pólvora de Barcarena a velocidade de rotação dos engenhos era, no máximo, 6 r.p.m. (PALMEIRIM et al., 1 855 p. LXXXVIII e CLXXXV). Considerando a potência proporcional à velocidade de rotação angular, a potência transmitida por um boi, 0,37 kW para a rotação 2,6 r.p.m., corresponderia à potência obtida por água de 0,85 kW para 6 r.p.m. Salienta-se que este último valor não se afasta da estimativa de 1 kW atrás apresentada para a potência dos engenhos hidráulicos de Barcarena. As dimensões mais importantes da roda hidráulica a estimar são, para além do diâmetro exterior de 3 ,50 m., a largura interior, a altura dos copos medida radialmente, e o número de copos, ou, equivalen­ temente, o afastamento entre eles segundo a circunferência exterior da roda. Tais dimensões são a seguir estimadas de acordo com as indicações de JUTTERMANN, 1 985, p. 45-46. A largura dos copos excede em geral, em 0, I ° a 0,20 m, a largura da secção de saída da conduta ou da caleira que dirige o jacto para a roda. Assim, para a largura daquela secção de saída em Barcarena de 0,25 m, pode estimar-se a largura interior da roda em 0,40 m. A altura dos copos, medida radialmente, pode admitir-se como sendo 0,30 m e o espaçamento entre pás, medida segundo a circunferência exterior como de 0,37 m, a que corresponde um número de copos igual a 30. Conhecida a velocidade máxima de rotação dos engenhos de galgas (6 r.p.m.), i nteressa avaliar a velocidade de rotação das azenhas e, assim, a redução da velocidade promovida pela transmissão das azenhas para as galgas. JUTTERMANN, 1 98 5 , p. 45 menciona que a velocidade periférica das rodas das azenhas apresenta um valor óptimo entre 1 ,3 e 1 ,5 rnls, tendo encontrado para as azenhas da Floresta Negra valores entre 1 ,35 e 2,6 m/s. Para a velocidade periférica, v, de 1 ,5 m/s e o diâmetro da roda, D, de 3,5 m, ter-se-ia em Barcarena uma velocidade de rotação, n, calculada por n = 60 v:( T D ) = 90: ( T x 3,5 ) o que exigiria uma redução no sistema de transmissão de cerca de 0,70. 1 84 As características geométricas das azenhas portuguesas de propulsão superior mencionadas por Veiga de OLIVEIRA et al, 1 983, p. 1 70- 1 80, que constam da descrição do � autores ou podem ser determinadas a partir dos esquemas por eles apresentados, não se afastam das anteriormente estimadas para B arcarena. Tais caracte-rísticas constam do quadro seguinte. al., 1 983) Características de rodas de azenhas portuguesas de propulsão superior (OLIVEIRA et Diâmetro exterior (m) Largura interior (m) Número de copos Altura radial dos copos (m) Gemeses 2,20 0,20 40 0, 1 8 Penacova 3 0,25 28 0,25 Bencatel 3 0,25 28 0,25 4,7 0,65 - - Azenha Arez A estimativa da largura i nterior da roda em B arcarena é maior do que as larguras encontradas pelos autores c itados, o que poderá dever-se ao maior caudal absorv ido; al iás, aquela l argura é determinada pela própria largura da secção de saída da conduta que dirige o j acto para a roda. A veloci dade de rotação das azenhas de B arcarena, estimada em 8 , 2 r . p . m . , está dentro dos l i mi tes verificados para azenhas portuguesas : entre 7 e 1 3 r.p.m. Uma informação dirigida a D. L u i z da Cunha, MACEDO, 1 7 60, refere a "falta que h a via de madeiras pa ra as rodas e engenhos de Barcarena " e propõe "ma ndar-se fazer um corte no pinhal da Pedreneira " em vez "de se manda r vir made iras de fora do Reino como a n tes se pra ticava ". Justifica a proposta por ser "infaível ter o pinho tan ta o u mais duração n a água que a madeira de bordo custando um engenho do referido bordo cento e sessen ta m il reis e virá a importar um da n ossa madeira quarenta ". 1 85 Cremer, para a fábrica inaugurada em 1 729, mandara vir da Holanda as galgas e os pratos de uma pedra que não produzi sse faíscas. Em 1 784 empregavam-se pratos e galgas de pedra v i nda da Ericeira (PALMEIRIM et aI. , 1 8 5 5 , p . XVI). Esta indicação não parece compatível com a de que B artolomeu da Costa, em 1 7 8 2 , "substituiu as galgas, e o s pratos de pedra, por outros de bronze, que se fundiram no A rsenal do Exército, fazendo esta substitu ição no intuito de diminuir os fogachos que frequen tes vezes ocorriam incendiando -se as tarefas . . . " ( op. cit. , 1 85 5 , p. 30). Também M ORLA, 1 800, p . 62, descreve uma solução adoptada para as galgas Fábrica de B arcarena da qual se não encontrou referênc i a na documentação portuguesa: "En Portugal, cerca de Lisboa, se fabrica la pólvora con molinos de agua semejantes al de Essonn e, con la diferencia de que las m uelas que ruedam son de madera cubiertas de laton ó bronce por sus periférias y huecos; para da rles g ra vedad se sobrecargam in teriormente con peso en cuerpos sueltos como globos de b ronce ó de plomo. No habiendo visto estos molinos, n o podemos da r mas n oticias de e llos " As dimensões principais dos pratos das galgas estão mencionadas em 6.4.6. ' Tanto as traves de ligação das galgas ao veio vertical que as movimenta, como este mesmo veio seriam de madeira, como sugerem as dimensões com que as secções destes elementos estão representadas nas plantas das Fábricas de Cima e de Baixo à escala 1 / 1 00, datadas de 1 9 1 0 e já mencionadas em 6.4.6. A secção das aberturas no centro das duas galgas existentes à entrada da Fábrica de Baixo é quadrada, com 0,34 m de lado. Os veios verticais são representados nas plantas referidas com secções quadradas; os veios verticais e as traves de Fig. 29 ligação, de madeira, deveriam possuir um varão interior de ferro, como sugerem as plantas de 1 9 1 0. A distância entre os veios verticais dos engenhos e o paramento da parede exterior de apoio dos veios das azenhas é de cerca de 7,8 e 7,0 m, respectivamente nas Fábricas de Cima e de Baixo. Este compri­ mento dos veios implica a necessidade de chumaceiras intermédias, ao 1 86 mais fácil exame das quais se destinariam as aberturas quadradas no pavimento da Fábrica de B aixo. Na Fábrica de Cima a chumaceira intermédia está indubitavelmente representada, ainda que a tracejado. De acordo com o diâmetro dos veios das azenhas representado nas plantas referidas tais veios seriam de ferro. Al iás, o emprego de veios de madeira dificultaria a instalação de chumaceiras intermédias. Não está completameite esclarecida a razão porque as azenhas estão representadas com o plano central diametral não alinhado com o eixo da respectiva galeria. Deve notar-se que os veios de, pelo menos de algumas das azenhas, accionavam os engenhos de galgas e, alternadamente, outros meca­ nismos utilizados no fabrico da pólvora. Com efeito, PALMEIRIM et ai., 1 855, p. 1 38- 1 39, mencionam: \ "as machinas de granisação e de lustragem devem tonar-se independentes das de pulverisação e encascagem as quaes, apesar de estarem em oficinas separadas, são comtudo movidas pelas mesmas rodas hydraulicas que servem altenadamente a umas e outras, embaraçando-se mutuamente, e tonando communs os riscos de explosão ". Num edifício anexo à galeria das azenhas da Fábrica de Cima, notam-se actualmente, no enfiamento do veio da segunda azenha a contar do norte, rasgos no pavimento e cantarias correspondentes ao prolongamento do veio da azenha para accionamento de máquinas fabris. Na própria planta de 1 9 1 0 (Fig. 29), os veios das azenhas na Fábrica de Cima são prolongados para além do paramento vertical da parede exterior de apoio da chumaceira, o que confirma aquela função. 6.5 - 6.5.1 CENTRAL HIDROELÉ CTRICA E ENGENHOS ELÉ CTRICOS - Descrição e características gerais Em 1 925 foi concluída na Fábrica de B arcarena uma central hidroeléctrica para produzir corrente eléctrica destinada a alimentar os motores de accionamento de quatro engenhos de galgas para o encasque da pólvora negra. 1 87 Fig. 31 A água era tomada no extremo de jusante do canal de alimentação das azenhas da Fábrica de Cima e conduzida por um aqueduto, de cerca de 700 m de desenvolvimento, até uma pequena câmara de carga, de onde partia a conduta forçada metálica, enterrada, que alimentava as turbinas da central hidroeléctrica para accionamento dos geradores de corrente contínua (dínamos). Os edifícios dos quatro engenhos eléctricos de galgas desenvolvem­ -se paralelamente à ribeira da Barcarena, distando de cerca de 50 m da central o que se situa mais próximo dela. As obras de adução de água mencionadas e a própria central hidroeléctrica estão implantadas na margem direita da ribeira, locali­ zando-se a central junto do limite sul dos terrenos da Fábrica. A estatística das Instalações Eléctricas em Portugal, 1 929, p. 32, indica as características e os fabricantes das turbinas (N/A, 1 929): 2x50 HP Francis, Kuhnert-Tinbo-Werk, e dos geradores 2x40 kW l x5,5 kW Dínamo 500 V c.c. Dínamo 1 1 5 V C .c. Lamayer e menciona o valor da altura de queda: 22 m. Em períodos de insuficiência de água na ribeira de B arcarena ou de paralização da central hidroeléctrica, entrava em funcionamento uma central termoeléctrica com um grupo motor e gerador cujas características estão indicadas na op. cit. , p. 96-97 : Motor a óleos pesados Deutz: Gerador: 50 kW 40 HP Dínamo c.c. 500 V A mesma fonte refere que estava em montagem na altura uma segunda central térmica, com um grupo a óleos pesados Winterthur, com dínamo Siemens de 85 kW. As duas centrais eléctricas Diesel situavam-se numa plataforma horizontal que do lado leste é limitada pelo trecho de jusante do aqueduto, sendo, portanto, próxima dos engenhos eléctricos de galgas. A utilização de geradores de corrente contínua na central hidroeléctrica e nas referidas centrais eléctricas Diesel de B arcarena terá sido devida ao facto de que se destinavam ao accionamento de 1 88 Fig. 14 engenhos eléctricos de galgas, em que convinha proceder à variação da velocidade de rotação, mais fácil com aquele tipo de corrente. A corrente gerada pelo dínamo auxiliar da central hidroeléctrica a uma tensão de 1 1 5 V, mais baixa que a dos restantes (500 V), era utilizada na iluminação e, eventualmente, noutros serviços auxiliares. As datas de instalação da central hidroeléctrica e da primeira central eléctrica Diesel são conhecidas por inscrições gravadas em betonilha de cimento. No edifício do engenho de galgas situado mais a norte, cuja construção é aproximadamente contemporânea da da central hidroeléc­ trica, observa-se no pavimento a inscrição 1 925; num pequeno plinto, junto do motor DEUTZ, da primeira central Diesel, está gravada a data 1 5/3/ 1 924. Por insuficiência do caudal disponível, a potência total instalada na central hidroeléctrica apenas era utilizada num número de dias por ano relativamente reduzido. Com efeito, para a potência total das turbinas de 2x50 HP, ou seja, 74,5 kW, o caudal total turbinado pode estimar-se em cerca de 400 l/s. Esta estimativa baseia-se na expressão P = 11 Y Q H, que permite calcular a potência de turbinas, P, em função do seu rendimento, 11 , do peso volúmico da água, y, do caudal absorvido, Q, e da queda útil, H. Atendendo a ser g = 9800 N/m 3, a expressão anterior dá l ugar a: P = 9,8 1 Q H [P(kW); Q (m 3/s); H (m)] Admitindo o rendimento de 0,82 e a queda útil de 22 m, ter-se-ia, para a potência 74,5 kW, o caudal de 0,42 m3/s, ou seja, cerca de 400 lIs. Este caudal apenas é atingido ou excedido em menos de 50 dias Fig. 20 por ano, em média (alínea 6.2. 1 e Fig. 20), o que mostra a muita fraca utilização da potência instalada na central hidroeléctrica. 6.5.2 Sistema de adução de água - A tomada de água para a central hidroeléctrica tem lugar no extremo de jusante do canal de alimentação das azenhas da Fábrica de Cima, sendo a admissão de cauda) regulada por uma comporta. Imediatamente a jusante, a água atravessa a ribeira de Barcarena por meio de uma ponte-canal de 25 m de vão, com pilares de alvenaria, revestida a cantaria na parte inferior, e superestrutura de betão armado. 1 89 - Fig. 3 1 Planta de localização da central hidroeléctrica (88) (com escadaria de acesso, a vermelho), das centrais eléctrica Diesel de 1 924 (84) e de 1 929 (85) e dos engenhos eléctricos de galgas ( 75, 75 e 76) (segundo levantamento à escala l/1000, de 1 939). O ediício (86) é o de uma estufa. Junto de (84) nota-se o trecho de jusante do aqueduto, a céu aberto, e a câmara de carga. Atingida a margem direita, tem início o aqueduto com cerca de 700 m de desenvolvimento e secção rectangular de largura e altura iguais a cerca de 0,60 e 1 ,70 m, respectivamente. 1 90 As paredes são de alvenaria rebocada e a cobertura é de lajes de calcário, na quase totalidade da extensão em que o aqueduto segue enterrado, sob peq�ena altura do terreno. O aqueduto aparece a céu aberto, sem cobertura, em dois trechos intermédios, com cerca de 40 e 1 0 m de desenvolvimento, e no comprimento de 50 m imediatamente a montante da câmara de carga. Tanto quanto a planta à escala 1 / l 000, de 1 967, permite observar, o aqueduto desenvolve-se com a soleira e o bordo horizontais. A horizontalidade dos bordos terá tido possivelmente em vista que a água não transborde do aqueduto quando os distribuidores das turbinas fecharem de emergência. Nas paredes laterais dos trechos do aqueduto a céu aberto, só se observou um pequeno descarregador, no trecho extremo de jusante. Esse descarregador tem o vão de 0,59 m e a soleira, horizontal a toda a largura da parede do aqueduto, situa-se 0,29 m abaixo do topo daquela parede. Existem ranhuras que permitiam a obturação do vão por um elemento de madeira. Quando o nível de água razasse o topo das paredes do aqueduto, o caudal descarregado seria de cerca de 400 l/s, que é o caudal máximo turbinado. O valor anterior do caudal descarregado foi calculado pela expressão em que é: Q - caudal, C - coeficiente de vazão, b - vão, g - aceleração da gravidade e H, carga. Nas condições descritas é C = 0,40, b = 0,29 m e H = 0,29 m, de que resulta Q = 0,4 1 m3/s É interessante notar que este descarregador deve ter funcionado, pois a planta de 1 937 (Fig. 3 1 ) mostra claramente uma longa ravina que Fig. '31 nasce na zona do descarregador. O escoamento do caudal de 400 Ils em regime uniforme com a altura de 1 ,00 m numa secção rectangular de 0,60 m de largura, com revesti­ mento de alvenaria (K da fórmula de Strickler igual a 75 m 1 l3/s) exigiria um declive do fundo de 0,56 por mil, ou seja, um desnível da soleira de cerca de 0,40 m entre montante e jusante. Como o canal é horizontal , a altura de água decrescerá de montante por jusante. 191 TAMPA AMGV(VEL (ni. existente) --�I r I I :, i. :I A - .. � PLANTA ( sem tam pa) Fig. 3 2 · 2m .. :: . .=:: ll CORTE A - A VARÕES E REDE Câmara de carga para a central. o trecho de jusante do aqueduto a céu aberto termina n a câmara de carga, de planta aproximadamente quadrada, de 2,00 m de lado. Na parede leste da câmara existe uma abertura circular de 0,60 m de diâmetro que estabelece a entrada para a central forçada. O ponto mais alto dessa abertura situa-se a cerca de 2,60 m abaixo do topo das paredes da câmara, o que assegurava a submersão necessária. Para evitar a entrada de detritos para a conduta forçada, a abertura mencionada era protegida por uma rede fixada a uma malha de varões metálicos. Seria possível esvaziar a câmara de carga mantendo o aqueduto com água, mediante a manobra de uma comporta ensecadeira instalada no extremo daquele. Subsistem as ranhuras para a comporta-ensecadeira e admite-se que os muros elevados acima da câmara de carga e à entrada desta se destinassem a apoio dos órgãos de manobra. Para impedir a queda na câmara de carga de elementos estranhos, e nomeadamente de pessoas, existia uma tampa que se apoiava nos bordos superiores da câmara. 1 92 Fig. 32 A conduta forçada metálica é de aço, de 0,60 m de diâmetro interior, e segue enterrada ao longo de todo o percurso, não se conhecendo a protecção anti-corrosiva praticada. 6.5.3 Central hidroeléctrica e centrais eléctricas Diesel de apoio - o edifício da central hidroeléctrica dispõe de um único compar­ timento, de planta rectangular - a sala das máquinas. As paredes são de alvenaria e a construção é de boa qualidade e acabamento cuidado. O estilo arquitectónico do interior pode considerar-se classicizante, de paredes estucadas com frisos tipo Art-Deco e l ambrim de azulejo branco. Tem tecto falso de madeira. Os vãos têm bandeira de arco de volta inteira e caixilharia em quadrícula de pequenas dimensões. As aduelas dos vãos são de tijolo . burrO Na sala das máquinas estavam instaladas duas turbinas Francis e um único regulador da respectiva velocidade de rotação, dois dínamos Fot. 22 principais, um dínamo auxiliar e o quadro eléctrico com aparelhos de medição e comando, montado sobre um varandim metálico. A conduta forçada entra na central perpendicularmente à parede oeste, sob o varandim mencionado, e inflecte para dar l ugar aos dois ramais que alimentam as turbinas, dotadas a montante de válvulas de i solamento. A montante dos ramais, existe uma derivação para um tubo vertical, de 0,07 m de diâmetro, munido de válvula, através do qual se procedia ao esvaziamento da conduta forçada. Os veios das duas turbinas e dos dois dínamos principais encontram­ -se solidarizados por meio de acoplamentos de difícil desmontagem, pelo que se presume que aquelas quatro máquinas girassem em simultâneo. O comprimento entre os extremos das máquinas, segundo os veios, é de cerca de 7 m. As duas turbinas estão instaladas ao centro, com um dínamo principal de cada lado. 1 93 Fot. 22 - Central hidroeléctrico vendo-se os ramais da conduta forçada. duas turbinas Francis de eixo horizontal, volante de inércia e dois dínamos, estes 110 extremo do veio comum. à direita, observa-se o regulador de velocidade e sobre o varandim metálico, o quadro de comando e cOlllrolo (fotografia antiga). Montado no veio geral, existe um volante de inércia, entre o dínamo norte e a turbina mais próxima, e um tambor, entre o volante e aquele dínamo para accionamento do dínamo auxiliar por meio de uma correia. Como vestígio deste dínamo só subsiste o plinto sobre o qual estava instalado, localizado sob o varandim do quadro eléctrico. O regulador de velocidade localiza-se próximo do volante de inércia e acciona um veio que por sua vez actua simultaneamente nos distri­ buidores das duas' turbinas. As principais características dos equipamentos reconhecidas directa­ mente ou lidas nas etiquetas afixadas que constam do quadro seguinte: Características dos equipamentos da central hidroeléctrica 1 - REGULADOR DE VELOCIDADE DAS TURBINAS ETIQUETA DO FABRICANTE: Vorm. A. KUHNERT & CO, MEISEN ETIQUETA DO FORNECEDOR: ANNÍBAL NEVES, LI MITADA, RUA DA PRATA N° 242 A 248, LISBOA 2 - TURBINAS (DUAS) RECONHECIM ENTO lN LOCO, SEM ETIQUETAS TIPO: FRANCIS, EIXO HORIZONTAL V ÁL VULA DE ISOLAMENTO: DE CUNHA B&R 225 DIMENSÃO MÁXIMA VERTICAL DA EVOLUTA 0,92 m DIFUSOR O 3 - = - = 2x 50 HP * DÍNAMO PRINCIPAL NORTE ETIQUETA DO FABRICANTE: GAR B . LAHMEYER & ca, AIX LA CHAPELLE TYPE VW 70B 4 P 0,30 m TOURS 980-1 00 AMP 75 EXCIT. 470-50 VOLTS DÍNAMO PRINCIPAL SUL ETIQUETA DO FABRICANTE: SPECIALFABRICK ELECTRISCHER MASCHINEN Vorm. ALBERT EBERT G.m.b.H, DRESDEN - PLESCHEN NR. 897 1 7 TYPE G.D. 480 C DINAMO, VOLT 500 \ KW.KVA 5 1 AMP o2 5 - DÍNAMO AUXILIAR 6 - QUADRO ELÉCTRICO FAB R I K DREHZAHL 980 ART BETR. ZEIT O 5,5 kW * ETIQUETA DO FABRICANTE: VOITH & HAEFFER A-G, FRANKFURT a/M * Estatísticas das Instalações Eléctricas em Portugal, 1 929, p. 32 1 95 FoI. 23 - Engenho e léctrico de galgas de ferro fundido de fabrico FRIED. KR UPP A KT. CES. , CR USONWERK, em laboração fotografia antiga). Deve notar-se o c u idado posto na segurança do pessoal, como reve la a i nstalação de uma guarda de varões metálicos para i sola­ mento da zona das máqu inas. O edifíc i o da central está muito degradado, com o tecto parc i almente derrocado. Os equi pamentos princ ipais subsis tem com excepção do dínamo aux i l i ar. A conduta forçada e ramais , as turbi nas e o varand i m metálico e stão muito afectados pela corrosão e o quadro eléctrico está quase totalmente desprov ido de aparelhagem. FoI. 2 4 - Cetral eléctrica Diesel, de / 924, com motor DEUZ, de u m cilindro e volante de inércia de diâmetro exterior de 2,80 m, e dínamo de 34 kW (fotografia de 9 de Outubro de / 963). A central encontrava·se instalada num edicio de estrutura leve, hoje pertença de particular 1 97 A central h i droeléctric a era apo i ada, em períodos de i n suficiên­ c i as de água por duas centrais eléctricas Diesel, uma construída em 1 924 e a outra que estava em i n stalação em 1 929, ambas para a produção de corrente contínua. O grupo motor-dínamo de 50 kW da central de 1 924 está hoj e exposto à acção dos agentes atmosféricos e apresenta um apara­ toso vol ante de i nérc i a de 2 , 80 m de di âmetro . Antes do encerra­ mento da Fábrica, o grupo estava envolvi do por uma interessante estrutura de ferro e vidro que foi adqu i rida por um particular. O grupo motor-dínamo da central de 1 929 está in stalado num edifíci o , relativamente bem conservado. As c aracterísticas dos equipamentos das centra i s termoeléctri­ cas reconhec i das in loco ou constantes das etiquetas dos fabri­ c antes e i nstal adores constam do quadro seguinte : Centrais e léctricas Diesel de apoio à central hidroeléctrica 1 - MOTOR DEUTZ 2 • DÍNAMO (CENTRAL DE 1924) 3 • MOTOR DE QUATRO CILINDROS (CENTRAL DE 1 929) 4 • DÍNAMO (CENTRAL DE 1 929) 5 • QUADRO ELÉCTRICO (CENTRAL DE 1929) UM CILINDRO VOLANTE DE INÉ RCIA: diâmetro exterior 2,80 m, anel de 0,22 m de espessura e 0,30 m de larguras e seis raios. ETIQUETA DO FABRICANTE: SIEMENS - SCHUCKERT GM 1 94 Nr 1 2 1 2036 N 500 V 68 A 34 kW 1 1 00 U/min ETIQUETA DO FABRICANTE: SOCIÉTÉ SUISSE POUR LA CONSTRUCTION DE LOCOMOTIVES ET MACHINES, 6359 WINTERTHUR 1 927 ETIQUETA DO FABRICANTE: SIEMENS - SCHUCKERT WERKE MOO. 6M 624 MHSCH 1 969 1 5 N 500 V 1 72 AMPERE 1 1 00 UMDR 86 kW DAUERND BETTRIEB PS ETIQUETA DO FABRICANTE: SIEMENS - SCHUCKERT ETIQUETA DO INSTALADOR: ELECTRO REPARADORA D. MOURA ENGENHEIRO Rua da Trindade, 26 Lisboa 1 98 Não se conhece com rigor a data em que as c entra i s eléctricas D iesel de c orrente contínua foram substituídas por outras de corrente alternada. Por i sso, se transcreve no quadro segu i nte a i n scrição man uscrita, a lápis, encontrada no verso da plac a de mármore do quadro eléctrico i nstalado no edifíc i o da central de 1 929, a qual tem o interesse de menc i onar o i n íc i o da laboração da "Cen tral N. o 4 - eléctrica " em 1 942 (as outras três seriam provavelmente a central h i droeléctric a e as centrai s eléctricas D iesel de 1 924 e 1 929). Além d i s so, é reveladora de métodos e de relações de trabalho dos anos quarenta. Transcrição da in scrição manuscrita do verso da placa de 1 929 mármore do quadro eléctrico da central eléctrica Diesel de - Central N.o 4 de 1 942. - eléctrica, começou a trabalhar em 27 de Novembro Era Director o Exmo. Sr. Coronel Batista de Carvalho. o maquinista nO 1 7 José Pedro Pereira. - · - . - . - . - Por ordem do Exmo. Sr. Director o amperímetro da corrente altena em carga normal não deve atingir mais de 1 40- 1 45 A . Em 9/ 1 2/ 1 942 - · - . - . - Por ordem do Sr. Eng. Moura a voltagem máxima que o motor deve trabalhar é 370 Voltes caso contrário deve-se parar. Transmitida pelo mestre Gonçalves em 23/ 1 1 / 1 945 - · - . - . - . - Motor corrente alterna 1 00 HP começou a trabalhar em 23/2/ 1 960. 1 99 6.5.4 Engenhos eléctricos de galgas - Próximo da central hidroeléctrica encontra-se um conj unto de edifícios para a instalação de quatro engenhos de galgas accionadas por motores eléctricos alimentados pela central hidroeléctrica e centrais eléctricas Diesel de apoio. As galgas e os pratos são de ferro fundido estando indicado o fabricante em relevo, no pé dos pratos: FRIED. KRUPP A KT. GES . CRUSONWERK MAGDEBURG Como mostra a Fig. 3 1 , o conjunto de edifícios compreende um pequeno edifício central, com funções de apoio e dois outros, simé­ tricos, cada um com três compartimentos. O compartimento do meio aloja um motor eléctrico e cada um dos laterais, um sistema de galgas sobre prato. O motor eléctrico transmite, mediante tambores, correias e veios, o movimento a dois veios horizontais, instalados num piso subterrâneo. Cada um destes veios horizontais acciona, por meio de duas rodas dentadas, o veio vertical das galgas, pelo que a roda dentada horizontal solidária deste veio tem diâmetro muito maior do que a que nela engrena, a fim de reduzir a velocidade de rotação das galgas. As galgas têm o diâmetro de 2,00 m e a largura de 0,47 m. São munidas de raspadores para arrancar a pólvora aderente e de recipientes para recolher as fugas da massa de lubrificação das chumaceiras, de modo a não cairem sobre os materiais a encascar. Existe um mecanismo que permite que as galgas estejam suspensas dos braços respectivos, evitando o atrito sobre o prato. Aliás, na Alemanha, país de origem dos sistemas de galgas e prato Gruson, não era permitido que galgas de ferro fundido trabalhassem sobre pratos de ferro fundido (MARSHALL, 1 9 1 7, p. 78). Neste tipo de equipamento, cada galga, de 5,5 t, rodava à velo­ cidade máxima de cerca de 8 r.p.m., sendo a carga de pólvora para encascar de 27 a 36 kg (op. cit., p. 78). De acordo com URBANSKI, 1 967 p. 350-35 1 , o afastamento entre as galgas e o prato não deverá ser inferior a 4 mm e o equipamento, ligado à terra, para evitar a electrificação. 200 F o t . 25 - Cen t ral elétrica Diesel, de, / 92 9, com motor W/NTERTH UR e dínamo de 86 kW (fotografia antiga). Junto dos motores eléctricos de corrente contínua, dos compar­ timentos do meio, existe uma caixa de resistência, muito provavelmente para permitir variar a velocidade do motor. Há ainda um interruptor para ligar o motor, tendo a base de fixação a etiqueta EMPREZA INTERNACIONAL LDA, LISBOA. Os edifícios deste conjunto têm portas e janelas quebradas e o tecto em parte derrocado. Os engenhos, veios e engrenagens estão em estado razoável, carecendo de protecção contra a corrosão. 20 1 7 S Í NTESE E RECOMENDAÇ ÕES - Com esta obra pretendeu-se apresentar o estudo integrado do complexo industrial de B arcarena para a produção de pólvora negra, iniciado no tempo de D. Manuel . (onando como ponto de partida a caracterização dos processos de �brico da pólvora negra e dos equipamentos utilizados nalgumas das mais importantes unidades conhecidas, passou-se ao estudo porme­ norizado dos aspectos tecnológicos mais relevantes sucessivamente adoptados em B arcarena. Neste contexto, é atribuída particular importância ao estudo dos sistemas hidráulicos para a produção de força motriz. Esse estudo é acompanhado de adequado enquadramento histórico que bem evidencia as vicissitudes protagonizadas pelo empreendimento ao longo do tempo. Como síntese do estudo realizado, salientam-se os seguintes aspectos principais: 1 ) Após a fundação pelo rei D. Manuel da primeira unidade para o fabrico de pólvora na ribeira de B arcarena, outras unidades de propriedade particular foram instalados ao longo da mesma. Desconhece-se, porém, a tipologia da maioria dos engenhos de então, bem como as quantidades de pólvora produzidas. Há notícia da utilização de moinhos de pilão, embora outras soluções tecnológicas fossem possíveis como terá acontecido em praças da Í ndia Portuguesa. 203 2) Em 1 729 entrou em funcionamento uma fábrica construída de raiz sob a direcção de António Cremer, que introduziu novas tecnologias no fabrico da pólvora negra, nomeadamente pela utilização de engenhos de galgas. Esta fábrica subsiste na actualidade, sendo conhecida por Fábrica de Baixo. Trata-se de uma construção robusta e monumental, se se considerarem, sobretudo, as obras hidáulicas anexas em que foram abundan­ temente utilizadas cantarias de qualidade e, em especial, as câmaras subterrâneas dos engenhos. Ao longo da sua vida, a Fábrica de Baixo sofreu várias explosões a mais destruidora das quais terá sido a de 1 805, que provocou sérios estragos no edíficio. Testemunho da reconstrução ulterior é a diferença de acabamento das cantarias, como se pode observar na parte superior do cunhal sul da fachada nascente. 3) A Fábrica de Cima foi construída em data não determinada, entre 1 805 e 1 8 1 7, segundo concepção análoga à da Fábrica de Baixo. Porém, na planta de Martinho de Mello de 1 775 já aparece na zona uma unidade fabril integrando dois engenhos hidráulicos alimentados por canal, provavelmente com início no actual açude. 4) O sistema hidráulico principal reconhecido in loco compreende, de montante para jusante, os seguintes órgãos principais: - açude na ribeira de B arcarena; - aqueduto conduzindo a água à caldeira de cima; - canal de alimentação e galeria das azenhas da Fábrica de Cima; - aqueduto conduzindo a água daquela galeria à caldeira de baixo; - canal de alimentação e galeria das azenhas da Fábrica de B aixo; - galerias de restituição à ribeira de B arcarena. 5) A alimentação de água para as azenhas era reforçada por capta­ ções de água subterrânea, realizadas por minas. A data de construção destas captações é situável em meados do século XIX, após a redução do caudal da ribeira de Barcarena que teria sido provocado pela captação de nascentes a montante, relacionadas com o abasteciento de água a Lisboa. É de assinalar que o reforço do caudal utilizável na fábrica de B arcarena assim conseguido é 24 pequeno em face das exigências para o accionamento da totalidade de engenhos. 6) Em resultado da captação de água na ribeira de Barcarena e da contribuição das minas e tendo em conta a concentração de caudal nas horas de laboração assegurado pelas caldeiras, os caudais utilizáveis em média durante seis meses por ano foram estimados em 1 07 e 1 3 1 l/s, respectivamente, na Fábrica de Cima e na de Baixo. A estes caudais corresponderia uma potência por engenho, se todos estivessem em laboração, avaliada em cerca de 1 kW. Nos restantes seis meses do ano, a movimentação dos engenhos implicava o recurso à atrelagem de bois, com o que se conseguiria uma velocidade de rotação da ordem de 2,7 r.p.m., cerca de mais de duas vezes inferior à obtida pela força motriz hidráulica. 7) Em 1 925 foi concluída uma central hidroeléctrica no limite de jusante da Fábrica, na margem direita da ribeira de Barcarena, alimentada por um aqueduto de cerca de 700 m de desen­ volvimento e por uma curta conduta forçada. O aqueduto tinha origem no canal de alimentação das azenhas da Fábrica de Cima. As turbinas da central destinavam-se a accionar dois geradores de corrente contínua (dínamos) de 40 kW de potência unitária e um gerador para serviços auxiliares. A corrente eléctrica produzida era utilizada para movimentar quatro engenhos de galgas de ferro fundido. Sendo a queda de 22 m, o caudal absorvido pode estimar-se em 400 1/s, que não chegava a estar disponível 50 dias por ano, em média. Tornava-se assim necesssário o apoio à central hidroeléctrica, proporcionado por duas centrais eléctricas Diesel, que também produziam corrente contínua, uma de 1 924 e outra de 1 929. 8) Há ainda a referir a utilização de força motriz obtida por máquinas a vapor, cuja referência mais antiga remonta a 1 879, para accionar os trituradores de misturas binárias. Em 1 883, já existia um pavilhão de oficinas a vapor. Em 1 906, a sua importância seria acrescida. 205 9) Se a disponibilidade de água na ribeira de B arcarena terá determinado a escolha de um local j unto daquela para implantação da Fábrica da Pólvora, as características topográficas e hidrológicas impuseram fortes condicionamentos ao desen­ volvimento e à concepção das instalações. A estreiteza do vale determinou a implantação das mesmas ao longo da ribeira, praticamente limitada durante séculos à margem esquerda, só vindo a ser ocupada a margem direita em passado relativamente recente. O carácter torrencial da ribeira obrigou à colocação das edificações bastante acima do leito e à construção robusta e durável das suas paredes adjacentes à ribeira, com revestimento de cantaria. A possibilidade de ocorrência de fortes bátegas de água e a concentração para os terrrenos da Fábrica do escoamento superficial proveniente das encostas aconselharam a construção de numerosos sumidouros e de ampla rede de colectores. * * * Apesar da destruição e delapidação de equipamentos de fabrico e de ensaio, o que subsiste da antiga Fábrica de B arcarene, constitui um valioso património histórico-cultural e de interesse arqueológico­ industrial. Deste modo, a recuperação da Fábrica de B aixo, promovida pela Câmara Municipal de Oeiras, reveste-se de muito interesse. Nesse sentido, julga-se que a presente publicação constitui um contributo útil para a pretendida valorização, veiculando informação acerca da produção e comércio da pólvora negra em Portugal e, em especial da evolução tecnológica da Fábrica de Barcarena e dos seus sistemas hidrául ico. Nestas condições entende-se dever apresentar as seguintes recomen­ dações: - reconstituição na Fábrica de B aixo de, pelo menos, um engenho de moagem, mistura e encasque de pólvora, com­ preendendo azenha, galgas e respectivo prato e sistema de transmissão, preferencialmente podendo girar pela acção . hídrica; 206 extensão da recuperação da Fábrica de B aixo à central hidroelétrica e ao trecho final da respectiva adução, bem como aos engenhos eléctricos de galgas e às centrais geradoras de corrente contínua dos anos vinte; - recuperação do sistema de captações de águas subterrâneas, tendo em vista a sua util ização no projecto de recuperação da Fábrica, o que pressupõe a realização de um estudo específico; - desenvolvimento do presente estudo, especialmemte no que concerne à relação do empreendimento fabril com a comunidade, ao longo do tempo; - criação de um núcleo museológico susceptível de expor utensílios de fabrico e de ensaio, modelos reduzidos de engenhos, documentos, incluindo reprodução de plantas antigas e fotografias; neste contexto, assume particular interesse a recuperação de testemunhos materiais dispersos, nomeadamente os almofarizes dos antigos engenhos de pilões; - elaboração de painéis explicativos do funcionamento dos sistemas e de um vídeo-programa; preparação e instalação de um percurso de vIsita aos equipamentos e estruturas de maior interesse, tanto tecnológico como patrimonial, tirando partido do quadro natural envolvente, que muito importa também valorizar. 27 BIBLIOGRAFIA ARA, António Pérez, 1 945. 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